[ Amálgama ]
Trauma, de Freud aos dias atuais
Posted: 04 Sep 2009 07:00 AM PDT
a Vanessa Souza – O termo “trauma” vem do grego e é traduzido como ferida. Palavra muito usada no cotidiano (quem já não afirmou ter um?), os traumas são inevitáveis na existência de qualquer pessoa. Ana Maria Rudge, psicanalista, psicóloga e professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, mergulhou no tema e escreveu Trauma (Jorge Zahar Editor). De rápida leitura – são menos de 100 páginas em pequeno formato –, a obra não deixa de ser instigante. Confira abaixo a entrevista que Ana Maria concedeu ao Amálgama.
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Amálgama – Para começar, a pergunta mais trivial: qual o motivo de você ter escolhido o tema trauma?
Ana Maria Rudge – Para todo analista o trauma é um tema inseparável da sua clínica. Quando alguém procura tratamento analítico, quase sempre é porque algum acontecimento transtornou o equilíbrio em que vivia, exigindo uma reformulação em sua maneira de se colocar na vida.
Freud, quando formulava a teoria da sedução, concluiu, usando palavras do seu livro, Ana Maria, “que o inconsciente funciona de forma tal que é impossível distinguir a verdade da ficção investida de afeto”. Podes desenvolver essa afirmação?
Quer dizer que tudo aquilo em que acreditamos tem valor e determina nossa vida. As crenças são relacionadas aos nossos desejos, e, portanto são sempre articuladas a fantasias. Mas as fantasias não são meros devaneios que se mantenham num terreno separado da vida cotidiana. Elas vão determinar as escolhas que fazemos, desde as escolhas profissionais até as amorosas, e são o fundamento de toda a arte e criatividade humana.
Em 1916, quando Freud estuda os casos de neurose traumática de pós-guerra, conclui que os sintomas mostram que é impossível superar o trauma. O que os psicanalistas da atualidade pensam sobre isso?
Não é impossível superar o trauma. O fato é que a neurose traumática é um quadro, uma sintomatologia, que se estabelece quando o trauma não pode ser superado. A pessoa fica sujeita então à repetição da experiência traumática em sonhos ou em recordações muito vívidas, que causam angústia semelhante à que se deu quando do fato traumático. Entretanto, é possível o tratamento dessa neurose, e é nisso que apostamos.
Um dos pontos abordados no seu livro é o termo, cunhado por Freud, “Schicksalzwang”, a compulsão de destino. Como ela ocorre nas pessoas?
Freud chama compulsão de destino a um fenômeno curioso. Na vida de algumas pessoas parece haver uma repetição dos mesmos acontecimentos desagradáveis tão insistentemente que às vezes se invoca um mau olhado ou algo assim como explicação. Entretanto, o que ocorre é que, sem ter consciência disso, a pessoa está provocando esse acontecimento por algum motivo que desconhece, e que a análise poderá revelar.
Em relação aos sonhos, o que eles representam para os acontecimentos traumáticos?
Eles representam uma forma de elaborar psiquicamente o trauma, e geralmente fazem isso. Quando eles passam a simplesmente repetir o acontecimento traumático, é porque está sendo impossível desempenhar essa função sem a ajuda de uma análise.
Você cita, em sua obra, uma ótima metáfora do Freud sobre o cristal que, quando quebra, “não o faz aleatoriamente, mas expõe as linhas de fragilidade que, embora invisíveis, já estavam presentes em sua própria estrutura”. Podes discorrer sobre isso?
O que Freud quer dizer com essa metáfora é que não há um fosso entre normal e patológico, que ambos seguem as mesmas regras. Por causa disso, a patologia psíquica é prenhe de ensinamentos sobre o psíquico em geral, porque expõe de forma mais evidente relações que, na normalidade, chamam menos a atenção.
No final do seu livro, afirmas que o tratamento psicanalítico de graves traumas não é o mesmo das neuroses clássicas. Como se daria esse tratamento?
O tratamento de uma pessoa que traz sintomas traumáticos deve ser conduzido de forma diferente porque esses sintomas são diferentes em sua estrutura dos da neurose espontânea. O papel de ouvinte atento do analista é muito importante porque as pessoas geralmente não se dispõem a ouvir sobre fatos chocantes, já que pensar no que é angustiante provoca angústia; o que ocorreu com o outro pode ocorrer comigo. Quando estiver em condições de falar a respeito do fato que o traumatizou, o cliente o fará e esse é o caminho para elaborar o trauma. Entretanto, ele não deve ser instado a falar dos acontecimentos traumáticos, porque a recordação para ele se comporta como se fosse a repetição do acontecimento, com toda a carga de angústia que aquele provocou.
::: Trauma ::: Ana Maria Rudge ::: Jorge Zahar Editor, 2009, 80 páginas :::


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