novembro 30, 2013

"A verdade das manifestações é a paz", por Eduardo Baker, Bruno Cava e Giuseppe Cocco

PICICA: "Desde o início do ciclo de manifestações brasileiras, em junho, parte da esquerda instalada no governo federal, especialmente do Partido dos Trabalhadores (PT), tem acusado os protestos de ter uma composição majoritariamente de brancos de classe média, com agenda à direita, os ditos “coxinhas”. No entanto, o que se vê, além do fortalecimento da luta das favelas, é uma participação crescente de jovens negros e pobres, em meio aos protestos. Essas pessoas vêm de favelas, periferias, e de uma composição social de trabalhadores precarizados da impropriamente chamada “nova classe média”, formada durante os últimos dez anos de massificadas políticas sociais nos governos Lula (2003-10) e Dilma (2011- ). É aí que se explica, também, a proibição das máscaras nos  protestos, o que no Rio chegou a ser instituído por uma lei aprovada pelo Legislativo estadual, em 11 de setembro, que permitiu, ainda, a condução à força quando houver “fundada suspeita”. Conceito necessariamente elástico que dá ampla margem ao arbítrio – talvez seja melhor dizer arbitrariedade – policial. Justificada para permitir a identificação de “vândalos” que estariam entre os manifestantes, na realidade tenta impedir uma mistura bem mais ameaçadora ao poder, que é a aliança de negros e favelados junto dos tradicionais movimentos e coletivos de esquerda." 


A verdade das manifestações é a paz

28/11/2013
Por Baker, Cava e Cocco


Por Eduardo Baker, Bruno Cava e Giuseppe Cocco

Na noite de 24 de junho deste ano, a polícia militar estadual invadiu o complexo de favelas da Maré com seu equipamento de guerra: blindados, helicóptero e fuzis. A polícia ocupou o território habitado por cerca de 150 mil pessoas e protagonizou uma madrugada de terror. Além do cerco onde ‘ninguém entra ou sai’, foram interrompidas as ligações elétricas e de telefone, centenas de domicílios foram invadidos sem ordem judicial e, dependendo de quem se consulta, de 9 a 14 moradores foram sumariamente executados pela polícia. Como simplesmente atirar é “pouco”, a tropa de elite optou por degolar algumas das vítimas. Esta é uma realidade rotineira nas favelas do Rio de Janeiro, uma cidade onde os números oficiais apontam cerca de 500 mortos anualmente pelas forças do estado, a grande maioria jovem, negra e pobre, e um número similar de pessoas desaparecidas.

A diferença desta chacina foi o contexto. Dias depois da marcha de um milhão no centro da cidade, a “Noite de São Bartolomeu” da Maré aconteceu na repressão de uma manifestação de favelados na principal avenida ao lado da favela. No final do protesto do dia 24, sob o pretexto de que estariam acontecendo furtos na avenida, a intervenção policial levou à morte de um morador e um policial do Bope. O que deflagrou uma típica ação de revide contra a favela, onde cada policial morto deve ser vingado por um número muito superior de moradores. O “recado” estava dado: “os favelados não se juntem ao levante, ou serão mortos”.

Enquanto a Maré era assaltada por uma operação bélica que só pode ser caracterizada como de extermínio, a imprensa corporativa da cidade se limitava a falar em “mais um confronto entre policiais e traficantes de drogas”. O foco consistia em ressaltar a morte do policial, dando a entender que a ação era uma resposta esperada e legítima ao narcotráfico. O governo seguiu a mesma linha narrativa, para culpar o “tráfico”. O que poderia terminar novamente soterrado pelo noticiário teve outro desfecho. No dia seguinte, 3 mil manifestantes desceram os morros das favelas do Vidigal e Rocinha e foram até a casa do governador no bairro luxuoso do Leblon, demandando melhores condições de vida na favela, saneamento, educação, saúde e o fim da polícia militar.

Em 4 de julho, 5 mil pessoas tiveram a coragem de voltar a protestar na Maré, na mesma avenida do protesto do dia 24, reunindo movimentos sociais, ONGs e coletivos, todos com a bandeira “Estado que mata, nunca mais!”. Ali, foi lançada uma nova frente de questionamento da maré de terror contra a juventude negra. Quando, em 14 de julho, um morador da favela da Rocinha foi levado pela polícia e em seguida “desaparecido”, surgiu a campanha “Cadê o Amarildo?”. A campanha alcançou repercussão nacional e internacional e Amarildo se tornou o símbolo de uma resistência cujo primeiro desafio é tornar visíveis os milhares de anônimos mortos e desaparecidos cotidianamente nas grandes cidades brasileiras. Com a campanha, soubemos quem era Amarildo, um ajudante de pedreiro negro, de 47 anos, pai de seis filhos, que foi visto pela última vez sendo levado “para averiguação” pelos policiais. O caso é particularmente emblemático, levando em conta que eram militares da Unidade Policial Pacificadora (UPP), um quartel encravado na favela para exercer a política de “pacificação” dos territórios. A pressão popular foi o fator decisivo para se garantir a eficácia de uma investigação, que demonstrou como Amarildo foi arrastado a uma sessão de torturas com choques elétricos e sufocamentos, até ser morto e ter o corpo desaparecido. Não por acaso, o delegado de polícia que conduziu a investigação com lisura foi “premiado” pelo governo e transferido para uma delegacia distante.

Desde o início do ciclo de manifestações brasileiras, em junho, parte da esquerda instalada no governo federal, especialmente do Partido dos Trabalhadores (PT), tem acusado os protestos de ter uma composição majoritariamente de brancos de classe média, com agenda à direita, os ditos “coxinhas”. No entanto, o que se vê, além do fortalecimento da luta das favelas, é uma participação crescente de jovens negros e pobres, em meio aos protestos. Essas pessoas vêm de favelas, periferias, e de uma composição social de trabalhadores precarizados da impropriamente chamada “nova classe média”, formada durante os últimos dez anos de massificadas políticas sociais nos governos Lula (2003-10) e Dilma (2011- ). É aí que se explica, também, a proibição das máscaras nos  protestos, o que no Rio chegou a ser instituído por uma lei aprovada pelo Legislativo estadual, em 11 de setembro, que permitiu, ainda, a condução à força quando houver “fundada suspeita”. Conceito necessariamente elástico que dá ampla margem ao arbítrio – talvez seja melhor dizer arbitrariedade – policial. Justificada para permitir a identificação de “vândalos” que estariam entre os manifestantes, na realidade tenta impedir uma mistura bem mais ameaçadora ao poder, que é a aliança de negros e favelados junto dos tradicionais movimentos e coletivos de esquerda.

A máscara cria a possibilidade de estarem juntos. O sistema penal brasileiro, afinal, conhece os seus, num estado de racismo institucionalizado. A real distinção operada nunca foi entre “presos políticos” e “presos comuns”, mas entre negros e brancos. Enquanto os brancos tendem a ter os direitos relativamente reconhecidos, os negros são tratados das maneiras mais cruéis, desrespeitados do momento da prisão até as delegacias, onde costumam estar com o rosto voltado à parede e então humilhados como escravos fugidos.

A grande imprensa e os governos continuam acusando as manifestações de violência. Teriam sido esvaziadas por causa de bandos de mascarados que, desrespeitando as regras da civilidade, ultrapassaram os limites para praticar “atos de vandalismo”, ao quebrar vidraças, pixar paredes, incendiar ônibus vazios e se defender da polícia. Essa narrativa, novamente, serve de justificativa à brutal ação do estado, onde qualquer manifestante nas ruas é visto como “vândalo” em potencial, da mesma maneira que, numa favela, qualquer jovem negro é um “traficante” em potencial. Só muda o material da bala.

Nunca houve “confronto” entre polícia e manifestantes. O que há é um esmagamento das manifestações por um estado superarmado e superviolento, que não hesita em espancar, gasear, humilhar, torturar e prender arbitrariamente quem quer que esteja em seu caminho. Numa realidade de brutalidade cotidiana, com Amarildos e Amarildas fabricados em massa, inclusive pelas políticas de “pacificação”, soa terrivelmente postiço imputar o problema da violência urbana ao “vandalismo” nos protestos. As manifestações, para muitas pessoas, especialmente os negros e pobres, significam uma chance de lutar pela paz. O medo, para elas, já aconteceu, e a violência – das execuções sumárias, dos sumiços e do terror armado –  vivida como normalidade de suas vidas. A luta que o poder punitivo sempre reduz a “vandalismo”, para muitos, é uma chance de construir uma paz que não seja pacificação.

É irônico como o país vai sendo levado a outro patamar de democracia não pela esquerda institucionalizada nos governos, mas pelos tumultos onde se unem, contra o medo, as muitas lutas da metrópole. O governo encabeçado pela ex-guerrilheira, em vez de preencher-se das pautas encarnadas nas barricadas, prefere colocar-se do lado oposto, de uma ditadura maquiada pelo crescimento econômico e o ufanismo dos megaeventos, a Copa e as Olimpíadas. Acuado ao perceber que, com os protestos, todo o seu sistema de alianças e governabilidade é posto em xeque, o governo Dilma escolheu o caminho da repressão. Subscreveu acriticamente as ações repressivas dos governos estaduais. Como, por exemplo, entre outros abusos, a prisão indiscriminada de cerca de 200 manifestantes que sentavam pacificamente nas escadas da casa legislativa municipal do Rio, no final do protesto de 15 de outubro, de que participaram 50 mil pessoas. Eles foram enquadrados pela primeira vez segundo uma nova legislação sancionada por Dilma em setembro, como “organização criminosa”, e 64 acabaram encarcerados no presídio de Bangu, em condições medievais. Outros três manifestantes já haviam sido presos provisoriamente em setembro por “formação de quadrilha armada”, apenas porque administravam a página de Facebook “Black Bloc RJ”. A maior parte do detidos conseguiu sua liberdade através da atuação de advogadas e advogadas populares e da Defensoria Pública. Ainda assim, duas pessoas permanecem presas. Um morador de rua, preso em junho, e um militante do movimento sem-teto, preso em outubro. O primeiro, acusado de portar explosivo: uma vassoura e uma garrafa de Pinho Sol, que ele utilizava para limpar seu local de descanso – as ruas do centro do Rio. O segundo preso é um jovem negro que mora em uma ocupação urbana e fazia parte dos movimentos  no Rio. É acusado de fazer parte de associação criminosa armada.

Enquanto isso, em São Paulo, no dia 25, um jovem foi preso e acusado de “homicídio doloso”, depois de agredir um coronel da PM que se meteu sozinho e fardado no meio de um protesto na cidade, quando outros 92 manifestantes foram detidos. Em entrevista, o policial lamentou: “foi a minha vez”. Pois bem. No domingo, dia 27, foi a vez de Douglas Rodrigues, 17, adolescente da periferia de São Paulo, cujas últimas palavras ao policial que o matou foram: “por que o senhor atirou em mim?”. A revolta que se seguiu ao assassinato, com queima de ônibus e caminhões na rodovia próxima, foi brutalmente reprimida, resultando em mais 90 detidos pela PM. O policial que disparou no adolescente desarmado, diferentemente do manifestante que estapeou o coronel, vai responder por “homicídio culposo”, sem a intenção. Além de tudo isso, Gleise Nana, uma jovem ativista nos protestos e que vinha denunciando ameaças de um policial pela internet, morreu em 25 de novembro, depois de várias semanas em coma, por causa de um incêndio não-esclarecido em sua casa, em 19 de outubro.

O ministro da justiça do governo Dilma, finalmente, anunciou em 31 de outubro, sob o pretexto de “combater o vandalismo”, a federalização da repressão às manifestações nas duas principais cidades, Rio e São Paulo, colocando à disposição a Polícia Federal e o sistema de inteligência. O PT e seu governo, na figura de um Ministro de Justiça transformado em Ministro da Polícia, estão jogando no lixo a sua história de lutas, inclusive contra a ditadura. A única porta que abrem ao movimento… é aquela da prisão. Dilma e Cardozo apenas se preocupam com a ordem desse poder.

Ora, no Rio de Janeiro, cinco meses de mobilizações democráticas diárias nos mostraram uma evidência: quando o poder quer, a PM – apesar de sua habitual truculência e dos episódios de uso de armas de fogo por PMs isolados – não matou na avenida. Isso mostra ao mundo duas evidências: a primeira é que o extermínio de jovens, pobres, negros e favelados não é um “desmando”, mas uma nítida e sustentada política de estado, uma política racional com propósito e objetivo. O movimento de junho a outubro foi (e continua sendo) a invenção potentíssima – porque radicalmente democrática – da paz. Uma paz da democracia. Não a “pacificação” contra a senzala para manter a escravidão em formas diferentes, mas a libertação dos pobres como paz.


Eduardo Baker, mestre em direito penal, advogado e ativista da Justiça Global; Bruno Cava é mestre em filosofia do direito; Giuseppe Cocco é professor da UFRJ. Os três participam da rede Universidade Nômade.


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Fonte: Universidade Nômade

"Ciberativismo: Declaração de Jeremy Hammond no Tribunal, NY/USA" (Revista Pittacos)

PICICA: "A Pittacos reproduz abaixo a declaração do hackativista Jeremy Hammond, lida no Tribunal de Nova York, durante o seu julgamento, em 15 de novembro. Hammond foi condenado a dez anos de prisão por desobediência civil e ação direta politicamente motivada. Como Manning e Snowden, estava convencido de que, dado o extremismo e a extensão do poder de estado, a única ação democrática possível atualmente é aquela que revela, no próprio ato de se fazer efetiva, os contornos e feições que o poder gostaria de manter invisível ao público."

Ciberativismo: Declaração de Jeremy Hammond no Tribunal, NY/USA

 [Jeremy Hammond]

[David Henry Barnett, ex-agente da CIA, revelou a identidade de 30 agentes secretos, e outros segredos da inteligência norte-americana, para a KGB, durante a Guerra Fria. Foi condenado a 18 anos de prisão, mas saiu em 10. Chelsea Manning revelou a tortura cometida pelo exército norte-americano na guerra do Iraque porque não queria que o seu país se igualasse aos “bárbaros” que dizia combater. Aguardou julgamento na solitária, e agora cumpre pena de 35 anos. Evidentemente, a discrepância entre as punições não é o principal – mas diz muito sobre as preocupações ou os medos que jazem na raiz da necessidade de assim formulá-las.

Casos como o de Chelsea Manning ou de Edward Snowden colocam em evidência o hiato entre a lei e a justiça. Ambos sabiam que, pela letra fria da lei, estavam cometendo um crime. Mas o fizeram mesmo assim, por que acreditavam que a publicidade dos atos de governo é antídoto para a imoralidade da política. Se a luz do sol é de fato o melhor detergente, Manning e Snowden trataram de escancarar as janelas da Casa Branca durante uma manhã particularmente luminosa. Suas histórias são testemunhos de uma época em que a radicalidade do estado de exceção, abrigado sob o manto protetor do fetiche que acompanha a noção de democracia, talvez não deixe margem à ações que escapem à própria lógica da exceção.

A Pittacos reproduz abaixo a declaração do hackativista Jeremy Hammond, lida no Tribunal de Nova York, durante o seu julgamento, em 15 de novembro. Hammond foi condenado a dez anos de prisão por desobediência civil e ação direta politicamente motivada. Como Manning e Snowden, estava convencido de que, dado o extremismo e a extensão do poder de estado, a única ação democrática possível atualmente é aquela que revela, no próprio ato de se fazer efetiva, os contornos e feições que o poder gostaria de manter invisível ao público.]

*     *     *

Bom dia. Obrigado por essa oportunidade. Meu nome é Jeremy Hammond e estou aqui para ser sentenciado por atividades de hacking que executei durante meu envolvimento com os Anonymous. Estou preso no Centro Correcional de Manhattan há 20 meses, e tive muito tempo para pensar sobre como explicaria minhas ações.

Antes de começar, quero usar parte desse tempo para reconhecer e agradecer o trabalho das pessoas que me apoiaram. Quero agradecer a todos os advogados que trabalharam no meu caso: Elizabeth Fink, Susan Kellman, Sarah Kunstler, Emily Kunstler, Margaret Kunstler e Grainne O’Neill. Agradeço também a National Lawyers Guild, à Comissão de Defesa e Rede de Apoio Jeremy Hammond, aos Free Anons, à Rede de Solidariedade com os Anonymous, ao Grupo Cruz Negra Anarquista e a todos os demais que ajudaram com uma carta de apoio, escrevendo para mim, assistindo às audiências do Tribunal e divulgando minha causa e meu caso.

Agradeço também aos meus irmãos e irmãs trancafiados em prisões e aos que estão fora das prisões, ainda lutando contra o poder.

Os atos de desobediência civil e ação direta pelos quais estou sendo hoje sentenciado alinham-se todos pelos princípios de comunalidade e igualdade que guiaram minha vida. Invadi os computadores de dúzias de empresas gigantes e instituições do Estado, entendendo muito claramente que o que fazia era contra a lei, e que minhas ações podiam jogar-me diretamente numa prisão federal. Mas senti que tinha a obrigação de usar minhas habilidades e competências para expor e denunciar a injustiça – e para trazer à luz a verdade.

Poderia ter alcançado os mesmos objetivos por meios legais? Tentei de tudo, de abaixo-assinados e campanhas eleitorais a manifestações pacíficas, e descobri que os que estão no poder não querem que a verdade seja exposta. Quando dizemos a verdade ao poder, somos ignorados, no melhor dos casos; ou brutalmente reprimidos, no pior. Estamos em luta contra uma estrutura de poder que não respeita nem os seus próprios mecanismos de fiscalização e equilíbrio, imaginem se respeitam os direitos dos seus próprios cidadãos ou a comunidade internacional.

Minha iniciação política aconteceu quando George W. Bush roubou uma eleição presidencial em 2000 e, na sequência, tirou vantagem das ondas de racismo e patriotismo depois do 11/9, para lançar guerras imperialistas, não provocadas, contra o Iraque e o Afeganistão. Saí às ruas para protestar, acreditando, ingenuamente, que nossas vozes seriam ouvidas em Washington e que conseguiríamos parar a guerra. Em vez disso, fomos rotulados como traidores, espancados e presos.

Fui preso por numerosos atos de desobediência civil nas ruas de Chicago, mas só em 2005 comecei a usar minhas habilidades com computadores para quebrar a lei, em ação de protesto político. Fui preso pelo FBI por invadir os computadores de um grupo de direita, pró-guerra, chamado “Protest Warrior” – organização que vendia camisetas racistas em sua página na Internet e agredia grupos antiguerra. Fui acusado, nos termos da Lei de Fraudes e Abusos por Computadores, e o “dano visado” no meu caso foi arbitrariamente calculado, multiplicando por US$500, os 5.000 cartões de crédito com os quais operava a base de dados de “Protest Warrior”, o que resultou num total de $2,5 milhões. Minha sentença foi calculada a partir desse “dano”, embora nenhum cartão de crédito tenha sido usado ou algum dado tenha sido divulgado – por mim ou por qualquer outra pessoa. Fui condenado a dois anos de cadeia.

Na prisão, vi com meus próprios olhos a feia realidade de como o sistema de justiça criminal destrói a vida de milhões de pessoas mantidas em prisões fechadas. A experiência reforçou minha oposição contra as formas repressivas de poder e a favor de agir na defesa daquilo em que cada um acredite.
Quando fui solto, estava ansioso para retomar meu envolvimento nas lutas por mudanças sociais. Não queria voltar à prisão. Então, me dediquei ao trabalho de organizar comunidades, trabalho de superfície. Mas, com o tempo, frustrei-me com as limitações das manifestações pacíficas, que me parecem reformistas e inefetivas. O governo Obama continuou as guerras no Iraque e no Afeganistão, aumentou o uso de drones e não fechou a prisão da Baía de Guantánamo.

Por essa época, eu acompanhava o trabalho de grupos como Wikileaks e Anonymous. Era inspirador e estimulante ver as ideias do hackativismo afinal dando resultados. Fiquei particularmente motivado pela ação heróica de Chelsea Manning, que revelou ao mundo as atrocidades cometidas pelos militares estadunidenses no Iraque e no Afeganistão. Ela assumiu enorme risco pessoal para vazar essa informação – porque acredita que a opinião pública tem o direito de saber, e por esperar que suas revelações seriam um passo positivo para pôr fim àqueles abusos. Fica-se com o coração apertado, só de ouvir contar sobre o tratamento cruel que ela recebeu numa prisão militar.

Refleti profunda e longamente sobre escolher outra vez esse caminho. Tive de perguntar a mim mesmo: se Chelsea Manning mergulhou no pesadelo abismal da prisão, porque lutava pela verdade, como poderia eu, de boa consciência, fazer menos que ela, já que eu era capaz? Concluí que o melhor modo de demonstrar solidariedade era dar continuidade ao trabalho de expor fatos e enfrentar a corrupção.

Aproximei-me dos Anonymous, porque acredito em ação direta, descentralizada e anônima. Naquele momento, os Anonymous estavam envolvidos em operações de apoio aos levantes da Primavera Árabe, contra a censura, e em defesa de Wikileaks. Eu tinha muito a oferecer como contribuição, incluindo competências técnicas, e podia articular melhor ideias e objetivos. Foram tempos entusiasmantes – o nascimento de um movimento digital de resistência, quando os conceitos e as competências do hackativismo estavam ganhando forma.

Interessava-me especialmente o trabalho dos hackers de LulzSec, que estavam quebrando alguns alvos importantes e iam-se tornando cada vez mais políticos. Por essa época, falei pela primeira vez com Sabu, que era muito aberto sobre as ações de hacking que ele dizia ter cometido, e estimulava os hackers a unir-se para atacar sistemas de computadores de grandes unidades do governo e de megaempresas, sob a bandeira do movimento “Anti Security”. Mas logo no início do meu envolvimento, os outros hackers de Lulzsec foram presos; restei eu, para quebrar sistemas e escrever press releases. Sabu: Hector Xavier Monsegur. Adiante, eu descobriria que Sabu foi o primeiro a ser preso, e que, durante todo o tempo em que eu falava com ele, ele já era informante do FBI.

Os Anonymous também se envolveram nos estágios iniciais de Occupy Wall Street. Participei regularmente nas ruas, como militante de Occupy Chicago, e fiquei entusiasmado ao ver um movimento mundial de massa contra as injustiças do capitalismo e do racismo. Ao final de uns poucos meses, as “Occupations” chegaram ao fim, destruídas por ataques da Polícia e prisões em massa de manifestantes, arrancados de suas próprias praças públicas.

A repressão contra os Anonymous e o Movimento Occupy deu o tom da ação dos Antisec nos meses seguintes – a maior parte de nossas ações de hacking contra alvos da Polícia foram retaliações contra as prisões de nossos camaradas.

Eu, pessoalmente, tomei por alvo os sistemas policiais, por causa do racismo e da desigualdade com que se aplica a lei criminal. Tomei por alvo as indústrias e distribuidores de equipamentos militares e policiais, que lucram com a fabricação e a venda das armas que os EUA usam para impor seus interesses políticos e econômicos por todo o mundo, e para reprimir cidadãos estadunidenses aqui mesmo. Tomei por alvo empresas privadas de segurança da informação, porque trabalham secretamente para proteger interesses do governo e de empresas privadas, à custa de atacarem direitos civis individuais, minando e desacreditando ativistas, jornalistas e outros que trabalham para conhecer e divulgar a verdade; e porque vivem de disseminar a desinformação.

Nunca tinha ouvido falar de Stratfor, até que Sabu falou sobre eles. Sabu estava encorajando pessoas a invadir sistemas, e ajudando a facilitar e dar organização estratégica aos ataques. Chegou a fornecer-me pontos vulneráveis dos alvos, passados a ele por outros hackers. Por isso, foi grande surpresa quando soube que, durante todo o tempo, Sabu trabalhava com o FBI.

Dia 4/12/2011, Sabu foi contatado por outro hacker que já havia invadido a base de dados dos cartões de crédito de Stratfor. Sabu, então, sob o olhar atento dos agentes do governo que o estavam manipulando, levou o hack para o movimento Antisec, convidando aquele hacker para nossa sala privada de bate-papo, onde ele forneceu os links para baixar toda a base de dados dos cartões de crédito, além dos pontos iniciais de vulnerabilidade para acessar os sistemas de Stratfor.
Passei algum tempo pesquisando Stratfor e revisando a informação que nos fora fornecida, e decidi que suas atividades e a base de clientes tornavam a empresa alvo bem merecido. Achei curioso que os ricos e poderosos clientes da base de dados de Stratfor só usassem seus cartões de crédito para doar para organizações humanitárias, mas meu principal papel no ataque era obter as pastas dos e-mails privados de Stratfor, onde, tipicamente, estão os segredos mais sujos.

Demorei mais de uma semana para conseguir mais acesso aos sistemas internos de Stratfor, mas acabei entrando no servidor principal. Era tanta coisa, que precisamos de vários servidores nossos para transferir os e-mails. Sabu, que estava envolvido em todos os passos da operação, ofereceu um servidor – que ele recebera do FBI e era monitorado pelo FBI. Nas semanas seguintes, os e-mails foram transferidos, os cartões de crédito usados para doações, e os sistemas de Stratfor foram desconfigurados e destruídos.

Por que o FBI nos apresentou o hacker que descobrira a vulnerabilidade inicial e por que o FBI permitiu que ele continuasse o que havia começado são coisas que, para mim, continuam a ser um mistério total.

Resultado da ação de hacking contra os sistemas de Stratfor, conhecem-se hoje alguns dos perigos de haver uma indústria privada de inteligência sem qualquer tipo de regulação. Revelou-se através de Wikileaks e do trabalho de outros jornalistas pelo mundo, que Stratfor mantinha uma rede de informantes pelo mundo, informantes que a empresa usava para todos os tipos de atividade ilegal de vigilância, sempre a serviço de grandes empresas multinacionais.

Depois de Stratfor, continuei a quebrar outros sistemas-alvos, usando uma poderosa “zero day exploit” que me permitia acesso de administrador a sistemas que rodavam a popular plataforma Plesk de hospedagem de rede. Várias vezes, Sabu me pediu que lhe desse acesso a essa exploração. Recusei sempre. Sem ter seu próprio acesso independente, Sabu continuou a me fornecer listas de alvos vulneráveis. Invadi inúmeras páginas que ele me sugeriu, descarreguei as contas de e-mails e bancos de dados roubados no servidor FBI de Sabu; e passei a ele senhas e backdoors que permitiram que Sabu (e, portanto, também o FBI que controlava Sabu) controlassem aqueles alvos.

 Essas intrusões, todas sugeridas por Sabu quando já cooperava com o FBI, afetaram milhares de nomes de domínio; na grande maioria eram páginas oficiais de governos estrangeiros, dentre os quais XXXXXXX, XXXXXXXX, XXXX, XXXXXX, XXXXX, XXXXXXXX, XXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX. Num caso, Sabu e eu demos informação de acesso a hackers que trabalharam para desconfigurar e destruir muitas páginas oficiais de governo em XXXXXX. Não sei como outras informações que lhes forneci podem ter sido usadas, mas penso que a coleta e o uso desses dados, pelo FBI e, portanto, pelo governo dos EUA, têm de ser investigados.

O governo hoje está celebrando minha condenação e minha prisão, na esperança de que fechará a porta e encerrará a história para sempre. Eu assumi plena responsabilidade pelos meus atos, quando me declarei culpado. Quando o governo dos EUA será forçado a responder pelos seus crimes?

Os EUA inflam a ameaça que os hackers representariam, para justificar os negócios multibilionários do complexo industrial da cibersegurança, mas, ao mesmo tempo, o próprio governo é também responsável pela mesma conduta que ele mesmo processa e condena, e diz que trabalha para prevenir. A hipocrisia da “lei e da ordem” e as injustiças causadas pelo capitalismo não podem ser “curadas” por reformas institucionais; só podem ser corrigidas por desobediência civil e ação direta. Sim, eu violei a lei. Mas acredito que às vezes as leis têm de ser violadas, para criar espaço para a mudança.
Nas palavras imortais de Frederick Douglas: “O poder não dá nada que não lhe seja exigido. Nunca deu e nunca dará. Descubra a quê algum povo submeteu-se em silêncio, e você terá a exata medida da injustiça e dos malfeitos impostos àquele povo, e a injustiça e os malfeitos continuarão, até que o povo se levante contra eles, seja com palavras seja com armas, ou com ambos. Os limites de cada tirano podem ser medidos pela capacidade de tolerar dos que eles oprimem.”

Não estou dizendo que não me arrependo de nada. Percebo que divulguei informação pessoal de gente inocente, que nada tinha a ver com as operações das instituições que tomei como alvos. Peço desculpas pela divulgação de dados que tenha ofendido pessoas e eram irrelevantes para meus objetivos. Acredito no direito individual à privacidade – contra a vigilância do Estado e contra agentes como eu; e vejo bem a ironia de eu ter-me envolvido em ataques contra esses direitos.

Meu compromisso é trabalhar para fazer desse mundo um lugar melhor para todos nós. Ainda acredito na importância do hackativismo como forma de desobediência civil, mas é hora, para mim, de mudar para outros modos de buscar a mudança. O tempo de cadeia pesa muito sobre minha família, meus amigos e a comunidade. Sei que precisam de mim em casa. Reconheço que, há sete anos, já estive à frente de um juiz federal, enfrentando acusações semelhantes, mas isso não diminui a sinceridade do que digo aqui hoje.

Custou-me muito escrever isso, para explicar minhas ações, sabendo que o que fiz – sinceramente – pode custar-me ainda mais anos de vida na cadeia. Sei que posso ser condenado a dez anos, mas espero que não seja, porque acredito que há muito trabalho a ser feito.

Mantenham-se fortes e continuem a lutar.

Jeremy Hammond

Sexta-feira, 15 de novembro de 2013.


Ref:

Declaração ao Jeremy Hammond no Tribunal, New York, EUA, 16/11/2013

http://en.wikipedia.org/wiki/Jeremy_Hammond

opednews.com

http://goo.gl/2skN35


http://pt.wikipedia.org/wiki/LulzSec

Sabu

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sabu_%28hacker%29

http://en.wikipedia.org/wiki/Stratfor

http://www.stratfor.com/

Fonte: http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=5454:jeremy-hammond

arton182
sabu-FBI-informer
lulzsec_police


“El marxismo en América. Latina Nuevos caminos al comunismo”: Bruno Bosteels (Marxismo Crítico)

PICICA: "La Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, tiene el agrado de poner a consideración la presente publicación de Bruno Bosteels, destacado profesor de Filología Románica de la Universidad de Cornell en el Estado de Nueva York, nació en 1967 en Lovaina, Bélgica, es un crítico literario, traductor de las obras de Alain Badiou y autor de varios libros, entre ellos, Alain Badiou: El recomienzo del materialismo dialéctico (Santiago de Chile: Palinodia, 2007), The Actuality of Communism (Londres: Verso,2011) y Marx and Freud in Latin America (Londres: Verso, 2012)."

“El marxismo en América. Latina Nuevos caminos al comunismo”: Bruno Bosteels


 

Introducción

La Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, tiene el agrado de poner a consideración la presente publicación de Bruno Bosteels, destacado profesor de Filología Románica de la Universidad de Cornell en el Estado de Nueva York, nació en 1967 en Lovaina, Bélgica, es un crítico literario, traductor de las obras de Alain Badiou y autor de varios libros, entre ellos, Alain Badiou: El recomienzo del materialismo dialéctico (Santiago de Chile: Palinodia, 2007), The Actuality of Communism (Londres: Verso,2011) y Marx and Freud in Latin America (Londres: Verso, 2012).

En la obra de Bruno Bosteels se evidencia el análisis de las nuevas corrientes de pensamiento generadas por figuras como Alain Badiou, Jacques Rancière y Slavoj Žižek, que están liderando el debate sobre renacimiento del interés por el comunismo. Examina este resurgimiento del pensamiento comunista a través del prisma del “izquierdismo especulativo” e ir más allá de meras abstracciones, y repensar a fondo las categorías de masas, las clases y el estado. Actualmente prepara un estudio sobre la Comuna en México y otro libro sobre lo que llama las filosofías de la derrota que surgieron después del radicalismo de los 60 y los 70. Sus trabajos han sido traducidos o están siendo traducidos a más de media docena de lenguas, incluyendo el francés, el holandés, el alemán, el esloveno, el turco, el chino, el coreano y el bengalí.

En la presente edición tenemos un extracto de dos capítulos del libro Marx y Freud en América Latina y un capítulo del libro La actualidad del comunismo, en el que hace un estudio de la obra de Álvaro García Linera.

Los estudios y obra de Bruno Bosteels son una invitación a continuar el trabajo y el debate en la transformación de nuestras sociedades e instituciones, con lo que la Vicepresidencia del Estado está plenamente comprometida.

El marxismo en América Latina. Nuevos caminos al comunismo
Índice
 

Introducción …………………………………………………………. 9
 

1. Lógicas del desencuentro: Marx y Martí
Crítica de la obsolescencia………………………………… 11
 

2. Travesías del fantasma:
Pequeña metapolítica del 68 en México
La izquierda siniestra………………………………………… 29
 

3. ¿Puede pensarse hoy la actualidad del comunismo?
Reflexiones en torno al pensamiento teórico
de Álvaro García Linera……………………………………… 81


Libro Completo

Fuente: http://www.vicepresidencia.gob.bo/

Fuente: Marxismo Crítico

novembro 29, 2013

"Material Bruto", um filme de usuários de saúde mental de Belo Horizonte

PICICA: ""Material Bruto" é um trabalho realizado com usuários do centro de convivência da rede pública de saúde mental na cidade de Belo Horizonte."



Nos corredores caminha a Mulher Náusea. Do lado de dentro Mulher Cabelo , Homem Cigarro e Homem Musica esperam o momento de fuga, um instante para sair de si. Material Bruto e um trabalho realizado com usuários do centro de convivência da rede pública de saúde mental na cidade de belo horizonte.
Com: Ludmila Kondziolková, Elon Rabin, Germana silva e Rogerio Gomes
Direção : Ricardo Alves Jr
Roteiro : Coletivo
Direção de Atores : Juliana Barreto
Fotografia e Câmera: Byron O'Neill
Edição : Guilherme Reis e Ricardo Alves Jr
Brasil 2006 , Minidv , 17min

-X Festival de cinema de Tiradentes (Brasil-MG)
-VI Mostra do Filme Livre (Brasil-RJ) – Competição Oficiando.
-VII cine esquema Novo (Brasil-PO) – Prêmio do Júri
-Festival Internacional de curtas de Belo Horizonte (Brasil-BH) – Prêmio de Melhor Curta Brasileiro pelo Júri da Critica
-III Festival novos realizadores do Mercosul- (Brasil-ES) – Prêmio Troféu caleidoscópio.
-Festival Internacional de curtas de São Paulo – (Brasil-SP) – Prêmio Aquisição Sesc TV
-III Oberá en cortos (Argentina) – Sección Experimental
-XVI Vídeo Brasil (Brasil-SP) – Competição panorama Sul.
-Mostra curta Goiânia (Brasil-GO) – Prêmio de Melhor Curta Brasileiro
-FENAVID- Festival de Vídeo Santa Cruz – (Bolívia) – Prêmio de Melhor Direção
-Festival luso-brasileiro de Santa Maria da Feira – (Portugal) Menção Honrosa
- Festival Internacional de curtas do Rio de Janeiro – CurtaCinema
- Video Zone- International Video Art Biennial (Israel)
- 8 alucine film festival (Canada)

"Carta de Sebastiao Salgado a los jóvenes fotógrafos." (Siéntate y observa…)

PICICA: "Son muchos los fotógrafos que me han expresado su temor ante la posibilidad de que el cine y el vídeo eclipsen la fotografía. ¿Será necesariamente ése el formato del nuevo universo informativo? Sinceramente, creo que no; porque la fotografía fija resume con claridad un pasaje de la historia. Cualquier fenómeno tiene puntos de intensidad cargados de poder. La fotografía fija ese momento, es un resumen poderoso de la realidad. Y un conjunto de fotografías te cuentan una historia de una forma mucho más contundente de cómo la pueden contar el formato vídeo o cine, donde existen momentos fuertes y momentos de total distracción, disolución. (…) Creo que el discurso fotográfico no va a perder su función, muy al contrario, se va a ver fortalecido por la necesidad de concentración de los mensajes. El texto, el vídeo y la fotografía no son alternativos, son complementarios."

Carta de Sebastiao Salgado a los jóvenes fotógrafos.

Seguimos despacito pero sin pausa con los especiales del aniversario. La cuarta entrada más compartida este año ha sido la carta de Paul Strand a los estudiantes de fotografía así que aquí os dejo fragmentos de una carta de Sebastiao Salgado que se publicó en la revista del colegio de periodistas de Barcelona en 1995.


Carta abierta de  Sebastiao Salgado a los jóvenes fotógrafos que quieren comprometerse.

Resumen de la extensa charla que la periodista y fotógrafa Ima Sanchís mantuvo con Salgado, en 1994 en París.

Tenía una pequeña bicicleta con motor que me llevaba de un extremo a otro de la ciudad, de una redacción a otra. Me pateaba todas las revistas y periódicos de París. Siempre he trabajado mucho. Hoy, el hecho de que me haya convertido en una referencia en el mundo de la fotografía documental, no es algo que me agrade, ni creo que deba ser el objetivo de ningún fotógrafo que se dedique a contar una pequeña parte de la historia de la humanidad. Sería un contrasentido. Lo que me ha ayudado a luchar y a vivir, a permanecer firme, ha sido la creencia de que con mi trabajo podría contribuir a crear un debate sobre los errores e injusticias de esta tierra. Los caminos son amplios y uno no puede abarcarlos todos, pero eso no es importante, lo que cuenta es que detrás de tus fotos haya una intención, un sentido que aglutine tu forma de entender la vida y que se exprese de una forma organizada y constante. (…)

La foto de la vida. La posibilidad  de participar siendo tú mismo, con todo tu ser, tu cultura, tu ideología, tu manera de hacer las cosas, en definitiva, con coherencia, en un momento histórico determinado. Participar viviéndolo y contándolo. ¿No es magnífico? (…) La técnica es una variable que tú utilizas para expresar  ese punto de vista y sólo es importante hasta que la dominas completamente. Cuando la técnica deja de ser una variable y se transforma en una constante, porque la has asimilado de una forma personal y te sientes a gusto con ella, entonces se convierte en el papel sobre el que tú vas a escribir. Cada uno tiene su técnica, pero eso no es lo importante, igual que tampoco lo es la elección del blanco y negro o del color. Lo verdaderamente importante e cómo tú, persona implicada en el momento histórico, vas a recibir informaciones del mundo en el que estás viviendo, las vas a ecuacionar en tu cabeza y vas a intervenir en esa realidad a través de la materialización de todo ese proceso.

La fotografía de militancia no es aquella que sostiene una ideología política, sino aquella que defiende la integridad del fotógrafo, de todos sus actos, y se proyecta en la forma de realizar su trabajo. Los reporteros gráficos son aquella gente que sigue la cresta de la ola de la historia y la cuenta. (…) Un reportero gráfico es un vector que une determinados acontecimientos de la vida de determinados grupos humanos con otros agrupamientos humanos que no han tenido la posibilidad de ver y entender esos acontecimientos de forma directa. (…)



Los peligros que conllevan las nuevas tecnologías son importantes. Manipulación de las imágenes, falsificación, producción de imágenes en síntesis, la amalgama de varias fotografías para hacer una foto ideal. Pero de poco sirve únicamente tener miedo, hay que luchar para que se establezcan unas normas bien definidas que regulen esta manipulación, y ese movimiento debe partir de los propios fotógrafos.

Para adaptarse al nuevo universo de comunicación, los fotógrafos tendrán necesariamente que cambiar la manera de pensar y realizar los reportajes. Hasta ahora, la fotografía documental tenía una dimensión muy precisa, la de ilustrar un texto. Yo creo que la fotografía va a tomar una dimensión mucho más amplia, habrá que contar una historia con la secuencia fotográfica. Cada vez más la comunicación se rige por la imagen: es posible es posible pasar una información visual de igual fuerza en España que en China, Brasil o Japón. El texto pasará a ser un complemento de la forma visual. (…) Será necesaria una adaptación en la manera de intervenir en la realidad y contar una historia con la fotografía, que deberá convertirse en una secuencia ideal con principio, desarrollo y fin. (…)

Es probable que el reportero tradicional desaparezca; tal como desaparecerán las grandes agencias de imagen, que actualmente están todas en crisis, si no encuentran una manera de adaptarse a las nuevas formas de información. La rapidez con que estas agencias distribuían las imágenes de actualidad, ya no es el concepto primordial, lo importante es la idea, la globalización, el punto de vista que un fotógrafo aporta sobre los problemas, su propuesta. Es necesaria una revolución del reportero gráfico. Si un joven hoy me preguntara:’¿Qué tengo que hacer para ser un buen reportero gráfico?’, le diría: estudia, procúrate una buena formación, una información general excelente. Tienes que tener una formación en economía, en antropología y en sociología porque vas a tener el privilegio de ser el centro de la información.


Hay que hacer un esfuerzo muy grande de comprensión, de apertura, para entender la realidad en la que estamos involucrados. La sociedad en la que vivimos se ha convertido en algo muy complejo y a la vez muy pequeño. Vivimos en una comunidad planetaria, hay una aproximación de todas las economías, de todas las culturas; todos los problemas del mundo están relacionados. Antes era posible localizar la patria del capital, ahora resulta imposible, la crisis de Japón está íntimamente ligada con la crisis europea. La violencia, la falta de recursos que creíamos un monopolio del tercer mundo del tercer mundo, ya está llegando aquí. Vamos en dirección a la raza universal. Por primera vez en la historia de la humanidad vamos a ser modernos, porque vamos a ser urbanos, en treinta años el 70% de la población mundial vivirá en ciudades y la posibilidad de formación y de información en las ciudades es muy grande; continuamente, simultáneamente, sabremos lo que está ocurriendo en cualquier punto del planeta.

Son muchos los fotógrafos que me han expresado su temor ante la posibilidad de que el cine y el vídeo eclipsen la fotografía. ¿Será necesariamente ése el formato del nuevo universo informativo? Sinceramente, creo que no; porque la fotografía fija resume con claridad un pasaje de la historia. Cualquier fenómeno tiene puntos de intensidad cargados de poder. La fotografía fija ese momento, es un resumen poderoso de la realidad. Y un conjunto de fotografías te cuentan una historia de una forma mucho más contundente de cómo la pueden contar el formato vídeo o cine, donde existen momentos fuertes y momentos de total distracción, disolución. (…) Creo que el discurso fotográfico no va a perder su función, muy al contrario, se va a ver fortalecido por la necesidad de concentración de los mensajes. El texto, el vídeo y la fotografía no son alternativos, son complementarios.

El camino de todo fotógrafo, de todo profesional, es largo; y no siempre tan claro como desearíamos. (…) En esencia, creo que no se trata de especializarse, sino de concentrarse en lo que tú crees que es realmente importante y por lo que vale la pena luchar y vivir.



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Fuente: Siéntate y observa...

"Desmilitarização e reforma do modelo policial", por Eduardo Soares

PICICA: ""A aprovação da PEC 51 me parece decisiva para evitar sobretudo a brutalidade policial letal contra os mais vulneráveis e a criminalização da pobreza, processos indissociáveis da intensificação do racismo. A desmilitarização e a mudança do modelo policial não serão suficientes para que se alcancem esses objetivos, mas constituem passos indispensáveis.", escreve Luiz Eduardo Soares, secretário municipal de Assistência Social e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu (RJ), professor da UERJ e pós-doutor em Filosofia Política, em artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique, 01-11-2013."

 

 

Desmilitarização e reforma do modelo policial 

 

"A aprovação da PEC 51 me parece decisiva para evitar sobretudo a brutalidade policial letal contra os mais vulneráveis e a criminalização da pobreza, processos indissociáveis da intensificação do racismo. A desmilitarização e a mudança do modelo policial não serão suficientes para que se alcancem esses objetivos, mas constituem passos indispensáveis.", escreve Luiz Eduardo Soares, secretário municipal de Assistência Social e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu (RJ), professor da UERJ e pós-doutor em Filosofia Política, em artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique, 01-11-2013.

Eis o artigo.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) acaba de apresentar a PEC 51, cuja finalidade é transformar a arquitetura institucional da segurança pública, um legado da ditadura que permaneceu intocado nos 25 anos de vigência da Constituição, impedindo a democratização da área e contribuindo para o aprofundamento das desigualdades sociais e a intensificação do racismo.

Suas principais propostas são: (1) O papel das polícias é garantir direitos dos cidadãos. (2) Desmilitarização: as PMs deixam de existir como tais porque perdem o caráter militar, dado pelo vínculo orgânico com o Exército (enquanto força reserva) e pelo espelhamento organizacional. (3) Toda instituição policial passa a ordenar-se em carreira única. (4) Toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial (preventivo, ostensivo, investigativo). (5) A decisão sobre o formato das polícias operando nos estados (e nos municípios) cabe aos estados. O Brasil é diverso e o federalismo deve ser observado. (6) A escolha dos estados restringe-se à aplicação de dois critérios e suas combinações: circunscrições territoriais e tipos criminais. Exemplo: um estado poderia criar polícias (sempre de ciclo completo) municipais nos maiores municípios, as quais focalizariam os crimes de pequeno potencial ofensivo; uma polícia estadual dedicada a prevenir e investigar a criminalidade correspondente aos demais tipos penais, salvo onde não houvesse polícia municipal; e uma polícia estadual destinada a trabalhar exclusivamente contra o crime organizado. (7) As responsabilidades da União são expandidas, em várias áreas, sobretudo na educação, assumindo a atribuição de supervisionar e regulamentar a formação policial. (8) A PEC propõe avanços também no controle externo e na participação da sociedade, o que é decisivo para alterar o padrão de relacionamento das instituições policiais com as populações mais vulneráveis, atualmente marcado pela brutalidade policial letal, que atingiu patamares inqualificáveis. (9) Os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança serão plenamente respeitados. A intenção é que os policiais sejam mais valorizados. (10) A transição prevista será gradual, transparente, com a participação da sociedade.

A aprovação da PEC 51 me parece decisiva para evitar sobretudo a brutalidade policial letal contra os mais vulneráveis e a criminalização da pobreza, processos indissociáveis da intensificação do racismo. A desmilitarização e a mudança do modelo policial não serão suficientes para que se alcancem esses objetivos, mas constituem passos indispensáveis. Explico os motivos, examinando o salto recente do encarceramento. O crescimento vertiginoso da população penitenciária no Brasil a partir de 2002 e 2003, seu perfil social e de cor tão marcado, assim como a perversa seleção dos crimes privilegiados pelo foco repressivo devem-se prioritariamente à arquitetura institucional da segurança pública, em especial à forma de organização das polícias, que dividem entre si o ciclo de trabalho, e ao caráter militar da polícia ostensiva. Devem-se também às políticas de segurança adotadas e não seriam possíveis, no modo como transcorrem, se não vigorasse a desastrosa Lei de Drogas. Observe-se que a arquitetura institucional inscreve-se no campo mais abrangente da justiça criminal, o que, por sua vez, significa que o funcionamento das polícias, estruturadas nos termos ditados pelo modelo constitucionalmente estipulado, produz resultados na dupla interação: com as políticas criminais e com a linha de montagem que conecta Polícia Civil, Ministério Público, Justiça e sistema penitenciário. Pretendo demonstrar que a falência do sistema investigativo e a inépcia preventiva – entre cujos efeitos se incluem a explosão de encarceramentos e seu viés racista e classista – são também os principais responsáveis pela insegurança, em suas duas manifestações mais dramáticas: a explosão de homicídios dolosos e da brutalidade policial letal.

Há pressupostos e implicações teóricas em minha hipótese que devem ser explicitados, assim como uma interlocução subjacente com a tese popularizada por Loïc Wacquant, em sua influente obra As prisões da miséria (Jorge Zahar Editora, 2001). O autor sugere conexões funcionais entre a adoção do receituário neoliberal nos Estados Unidos e o aumento drástico das taxas de encarceramento, sobretudo de pobres e negros. O neoliberalismo, ao promover o crescimento do desemprego, o esvaziamento de políticas sociais e a desmontagem de garantias individuais, exigiria a criminalização da pobreza para aplacar as demandas populares e evitar a eventual tradução política da exclusão em protagonismo crítico ou insurgente. Se o exército de reserva da força de trabalho não é mais necessário, dadas as peculiaridades do sistema econômico globalizado que transfere a exploração do trabalho para países dependentes, ou apresenta riscos de converter-se em fonte de instabilidade política, torna-se conveniente canalizar contingentes numerosos dos descartáveis para o sistema penitenciário.

Não por acaso, os Estados Unidos viriam a produzir a maior população penitenciária do mundo. Certo ou errado para o caso norte-americano, o diagnóstico não se aplica ao Brasil. Entre nós, a epidemia do encarceramento coincide com os governos do PT, que poderiam merecer todo tipo de crítica, menos a de serem neoliberais, promotores de desemprego e do desmonte de políticas e garantias sociais. Pelo contrário, não resta dúvida quanto às virtudes sociais dos mandatos do presidente Lula, durante os quais houve redução das desigualdades e ampliação do emprego e da renda. Contudo, nunca antes na história deste país se prendeu tanto.

Atribuo a expansão do encarceramento à combinação entre as estruturas organizacionais das polícias, a adoção de políticas de segurança que privilegiaram determinados focos seletivos e a vigência, seguida da potencialização discricionária da Lei de Drogas. Tudo isso em um contexto de crescimento econômico e dinamismo social que intensifica as cobranças por elevação do rendimento de todas as instituições. Para demonstrar minha tese, impõe-se um percurso argumentativo.

I. Voracidade encarceradora enviesada e os circuitos da violência letal

Entre 1980 e 2010, 1.098.675 brasileiros foram assassinados. O país convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, do sexo masculino e sobretudo negra. Desse volume aterrador, apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da violência, do professor Julio Waiselfisz, publicado em 2012. Mas não nos precipitemos a daí deduzir que o Brasil seja o país da impunidade, como o populismo penal conservador e a esquerda punitiva costumam alardear. Pelo contrário, temos a quarta população carcerária do mundo e, provavelmente, a taxa de crescimento mais veloz. Ou seja, além de não evitar as mortes violentas intencionais e de não as investigar, o Estado brasileiro prende muito e mal. As prioridades estão trocadas. A vida não é valorizada e se abusa do encarceramento. A privação de liberdade − esse atestado de falência civilizatória −, para a qual ainda não dispomos de alternativa hábil, deveria ser o último recurso, exclusivamente para casos violentos, crimes contra a pessoa, quando o agressor representasse riscos reais para a sociedade. Hoje, temos 550 mil presos.


Entre os presos, apenas cerca de 12% cumprem pena por crimes letais. Quarenta por cento são provisórios. Dois terços dessa população, aproximadamente 367 mil, foram presos sob acusação de tráfico de drogas ou crimes contra o patrimônio. Fica patente que os crimes contra a vida, assim como as armas, não constituem prioridade. Os focos são outros: patrimônio e drogas.

II. Estruturas organizacionais e práticas seletivas

As PMs são definidas como força reserva do Exército e submetidas a um modelo organizacional concebido à sua imagem e semelhança, fortemente verticalizado e rígido. A boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento de suas funções. As características organizacionais do Exército atendem à sua missão constitucional porque tornam possível o “pronto emprego”, qualidade essencial às ações bélicas destinadas à defesa nacional.

A missão das polícias no Estado democrático de direito é inteiramente diferente daquela que cabe ao Exército. O dever das polícias, vale reiterar, é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da lei, ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões que os violem. O funcionamento usual das instituições policiais com presença uniformizada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dada a variedade, a complexidade e o dinamismo dos problemas a superar, os seguintes atributos: descentralização; valorização do trabalho na ponta; flexibilidade no processo decisório nos limites da legalidade, do respeito aos direitos humanos e dos princípios internacionalmente concertados que regem o uso comedido da força; plasticidade adaptativa às especificidades locais; capacidade de interlocução, liderança, mediação e diagnóstico; liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e intervenções governamentais intersetoriais. Idealmente, o(a) policial na esquina é um(a) gestor(a) da segurança em escala territorial limitada com amplo acesso à comunicação intra e extrainstitucional, de corte horizontal e transversal.

A PM é um corpo de servidores públicos pressionado pelo governo, pela mídia e pela sociedade a trabalhar e produzir resultados, os quais deveriam ser entendidos como a provisão da garantia de direitos e a redução da criminalidade, sobretudo violenta, estabilizando e universalizando expectativas positivas relativamente à cooperação. Entretanto, resultados não são compreendidos nesses termos, seja porque se interpõe a opacidade dos valores da guerra contra o inimigo interno, seja porque a máquina policial apenas avança para onde aponta seu nariz, por assim dizer. Em outras palavras, a máquina, para produzir, respondendo à pressão externa (crescente quando o país cresce e a sociedade intensifica cobranças, levando os governos a exigir mais produtividade de seus aparatos), precisa mover-se, isto é, funcionar, e só o faz segundo as possibilidades oferecidas por seus mecanismos, os quais operam em sintonia com o repertório proporcionado pela tradição corporativa, repassado nas interações cotidianas, nos comandos e no processo de socialização, o qual incorpora e transcende a formação técnica.

A máquina funciona determinando às equipes de subalternos nas ruas, pelos canais hierárquicos do comando, ao longo dos turnos de trabalho, trajetos de patrulhamento, em cujo âmbito se realiza a vigilância. A operacionalização depende da subserviência do funcionário que atua na ponta, do qual se exige renúncia à dimensão profissional de seu ofício, à liberdade de pensar, diagnosticar, avaliar, interagir para conhecer, planejar, decidir, mobilizar recursos multissetoriais, antecipando-se aos problemas identificados como prioritários. A inexorável discricionariedade da função policial será exercida nos limites impostos pela abdicação do pensamento e do protagonismo profissional. Será reduzida ao arbítrio, porque descarnada da finalidade superior, que daria sentido à sua ação. O que restará ao policial militar na ponta, na rua? O que caberá ao soldado? Varrer a rua com os olhos e a audição, classificando personagens e biotipos, gestos e linguagens corporais, figurinos e vocabulários, orientado pelo imperativo de funcionar, produzir, o que significa, para a PM, prender.

Ad hoc, no varejo do cotidiano, só resta ao soldado procurar o flagrante, flagrar a ocorrência, capturar o suspeito. Os grupos sociais mais vulneráveis serão também, no quadro maior das desigualdades brasileiras e do racismo estrutural, os mais vulneráveis à escolha dos policiais, porque eles projetarão preconceitos no exercício de sua vigilância. Nos territórios vulneráveis, a tendência será atuar como tropa de ocupação e enfrentar inimigos. Assim se explicam os milhares de execuções extrajudiciais sob o título cínico de autos de resistência, abençoados pelo MP sem investigação e arquivados com o aval cúmplice da Justiça, ante a omissão da mídia e de parte da sociedade.

Por fim, o flagrante exige um tipo penal: na ausência da antiga vadiagem, está à mão a Lei de Drogas (e não só). Ou seja, pressionar a PM a funcionar equivale a lhe cobrar resultados, os quais serão interpretados não como redução da violência ou resolução de problemas, mas como efetividade de sua prática, ou seja, como produtividade confundida com prisões, contabilizada em prisões, aquelas mais prováveis pelo método disponível, o flagrante. O personagem, o biotipo, o rótulo, o figurino, o território, a fala, a vigilância no varejo das ruas, a ação randômica em busca do flagra: não é preciso grandes articulações funcionais entre macroeconomia e políticas sociais, a proporcionar sobrevida ao capitalismo. Basta a máquina funcionar. Ela não investiga, porque a fratura do ciclo, prevista no modelo, não permite. Ela está condenada a enxergar o que se vê na deambulação vigilante, em busca dos personagens previsíveis, que confirmem o estereótipo e estejam nas ruas, mostrem-se acessíveis. Ela vai à caça do personagem socialmente vulnerável, que comete determinados tipos de delito, captáveis pelo radar do policiamento ostensivo.

Claro que a política criminal é decisiva, assim como a política de segurança, com suas escolhas de fundo, mas é indiscutível que cumprem papel determinante a militarização e a ruptura do ciclo do trabalho policial. A divisão do ciclo, no contexto da cultura corporativa belicista – herdada da ditadura e do autoritarismo onipresente na história brasileira –, cria uma polícia exclusivamente ostensiva, cuja natureza militar – fortemente centralizada e hierarquizada – inibe o pensamento na ponta, obsta a valorização do policial e de sua autonomia profissional, e mutila a responsabilidade do agente, degradando a discricionariedade hermenêutica em arbitrariedade subjetiva. A aprovação da PEC 51 não resolverá todos os problemas. Longe disso. Entretanto, pelos motivos expostos, constitui condição sine qua nonpara que eles comecem a ser enfrentados.

Fonte: IHU

"Jacques Derrida / ¿Qué es la deconstrucción?" (Artillería Inmanente)

PICICA: "Hay que comprender este término, “deconstrucción”, no en el sentido de disolver o de destruir, sino en el de analizar las estructuras sedimentadas que forman el elemento discursivo, la discursividad filosófica en la que pensamos. Este analizar pasa por la lengua, por la cultura occidental, por el conjunto de lo que define nuestra pertenencia a esta historia de la filosofía."

Jacques Derrida / ¿Qué es la deconstrucción?





Hay que comprender este término, “deconstrucción”, no en el sentido de disolver o de destruir, sino en el de analizar las estructuras sedimentadas que forman el elemento discursivo, la discursividad filosófica en la que pensamos. Este analizar pasa por la lengua, por la cultura occidental, por el conjunto de lo que define nuestra pertenencia a esta historia de la filosofía.

La palabra “deconstrucción” existía ya en francés, pero su uso era muy raro. A mí me sirvió en primer lugar para traducir un par de palabras: la primera que viene de Heidegger, quien hablaba de “destrucción”, la segunda que viene de Freud, quien hablaba de “disociación”. Pero muy pronto, naturalmente, intenté señalar de qué modo, bajo la misma palabra, aquello que llamé deconstrucción no se trataba simplemente de algo heideggeriano ni freudiano. He consagrado no obstante bastantes de mis trabajos para marcar una cierta deuda tanto con Freud como con Heidegger, y al mismo tiempo una cierta reflexión sobre aquello que llamé deconstrucción.


Es por esto que soy incapaz de explicar lo que es la deconstrucción, para mí, sin recontextualizar las cosas. Fue en el momento en que el estructuralismo era dominante cuando yo me comprometí en mis tareas, y con esa palabra. La deconstrucción se trataba también de una toma de posición con respecto del estructuralismo. Por otro lado, fue en el momento en que las ciencias del lenguaje, la referencia a la lingüística y el “todo es lenguaje” eran dominantes.

Es aquí, hablo de los años 60, que la deconstrucción comenzó a constituirse como... no diría antiestructuralista, sino, en todo caso, desmarcada con respecto del estructuralismo, y protestando contra dicha autoridad del lenguaje.

Es por esto que siempre me he sorprendido y a la vez irritado ante la asimiliación tan frecuente de la deconstrucción a —¿cómo decirlo?— un “omnilingüistismo”, a un “panlingüistismo”, un “pantextualismo”. La deconstrucción comienza por lo contrario. Yo comencé protestando contra la autoridad de la linguística y del lenguaje y del logocentrismo. Siendo que para mí todo comenzó, y ha continuado, por una protesta contra la referencia lingüística, contra la autoridad del lenguaje, contra el “logocentrismo” —palabra que he repetido y recalcado—, ¿cómo puede ser que se acuse tan a menudo a la deconstrucción de ser un pensamiento para el que sólo hay lenguaje, texto, en un sentido estrecho, y no realidad? Es un contrasentido incorregible, aparentemente.

Yo no he renunciado a la palabra “deconstrucción”, porque implica la necesidad de la memoria, de la reconexión, del recuerdo de la historia de la filosofía en la que nosotros nos ubicamos, sin no obstante pensar en salir de dicha historia. Por otro lado, lleve a cabo ya muy temprano la distinción entre la clausura y el fin. Se trata de marcar la clausura de la historia, no de la metafísica globalmente — nunca he creído que haya una metafísica; esto también, es un prejuicio corriente. La idea de que haya una metafísica es un prejuicio metafísico. Hay una historia y unas rupturas en esta metafísica. Hablar de su clausura no conduce a decir que la metafísica haya terminado.


 Así entonces, la deconstrucción, la experiencia deconstructiva, se coloca entre la clausura y el fin, se coloca en la reafirmación de lo filosófico, pero como apertura de una cuestión sobre la filosofía misma. Desde este punto de vista, la deconstrucción no es simplemente una filosofía, ni un conjunto de tesis, ni siquiera la pregunta sobre el Ser, en el sentido heideggeriano. De cierta manera, no es nada. No puede ser una disciplina o un método. A menudo se la presenta como un método, o se la transforma en un método, con un conjunto de reglas, de procedimientos que se pueden enseñar, etc.

No es una técnica, con sus normas y procedimientos. Desde luego pueden existir regularidades en las formas en que se colocan cierto tipo de cuestiones de estilo deconstructivo. Desde este punto de vista, creo que esto puede dar lugar a una enseñanza, tener efectos de disciplina, etc. Pero en su principio mismo, la deconstrucción no es un método. Yo mismo he intentado interrogarme sobre aquello que puede ser un método, en el sentido griego o cartesiano, en el sentido hegeliano. Pero la deconstrucción no es una metodología, es decir, la aplicación de reglas.

Si yo quisiera dar una descripción económica, elíptica, de la deconstrucción, diría que es un pensamiento del origen y de los límites de la pregunta “¿qué es...?”, la pregunta que domina toda la historia de la filosofía. Cada vez que se intenta pensar la posibilidad del “¿qué es...?”, plantear una pregunta sobre esta forma de pregunta, o de interrogarse sobre la necesidad de este lenguaje en una cierta lengua, una cierta tradición, etc., lo que se hace en ese momento sólo se presta hasta un cierto punto a la cuestión “¿qué es?”


 Y esto es la diferencia de la deconstrucción. Ésta es, en efecto, una interrogación sobre todo lo que es más que una interrogación. Es por ello que vacilo todo el tiempo en servirme de esta palabra. Lleva consigo sobre todo aquello que la pregunta “¿qué es?” ha dirigido al interior de la historia de Occidente y de la filosofía occidental, es decir, prácticamente todo, desde Platón hasta Heidegger. Desde este punto de vista, en efecto, uno ya no tiene absolutamente el derecho a exigirle responder a la pregunta “¿qué eres?” o “¿qué es eso?” bajo una forma corriente.





Le Monde, martes 12 de octubre 2004. En el curso de una entrevista inédita del 30 de junio de 1992, Jacques Derrida dio esta larga respuesta oral. Traducción del francés.
Fonte: Artillería Inmanente

novembro 28, 2013

"UPP x tráfico: um falso problema", por Bruno Cava

PICICA: "Historicamente no Rio, o tráfico armado das facções nunca foi “estado paralelo”. As facções são produto do estado, e nunca cessaram de estabelecer-lhe uma relação interna que, enquanto causa e efeito de poder, é também expressão do estado."
 
UPP x tráfico: um falso problema
 
ppa

A principal justificativa para a política de pacificação no Rio de Janeiro consiste em definir-se como o oposto do tráfico. O estado estaria ocupando áreas antes dominadas por facções ligadas ao tráfico de drogas. Com a pacificação, os fuzis do “estado paralelo” cedem lugar às armas da polícia militar. Símbolos do CV, TCC ou ADA são substituídos pelas bandeiras nacional e estadual. O império da lei entra em vigor, decretando o fim da lei do terror. As UPPs se tornam a cabeça-de-ponte para uma política de retomada do território pelas autoridades, seguida de um conjunto de políticas sociais  e uma virada cultural, voltadas às populações das comunidades pacificadas.

A oposição entre tráfico e UPP é então usada para legitimar a atual política de segurança pública, como modelo de sucesso e produto de exportação made in Rio. Essa oposição UPP x tráfico, no entanto, é um falso problema. Falso nem tanto por não corresponder à verdade: na medida em que existe toda uma produção de discurso ao redor da oposição que, a seu modo, é uma produção de verdade. É falso porque coloca o problema em coordenadas politicamente paralisantes, segundo uma verdade que não pode ser aceita. Falso porque conforma uma atitude de aceitação passiva, acossando através da chantagem do “menos pior”.

Historicamente no Rio, o tráfico armado das facções nunca foi “estado paralelo”. As facções são produto do estado, e nunca cessaram de estabelecer-lhe uma relação interna que, enquanto causa e efeito de poder, é também expressão do estado.

Em primeiro lugar, porque o estado plantou as condições de existência das facções armadas. Seja inventando o “problema das drogas”, ao definir um campo de ilicitude ao redor de determinadas substâncias consideradas tóxicas à “sociedade de bem”. Isto é, à ordem social. Em vez de questão de saúde pública ou fiscalização sanitária, o circuito produção-distribuição-consumo para essas substâncias específicas é transferido estrategicamente à esfera de ação penal e policial. Seja exercendo o papel de organizador do próprio crime, já que o crime organizado é resultado histórico do sistema prisional e das íntimas negociações territoriais e econômicas entre agentes a serviço do estado e a ponta varejista da cadeia comercial das drogas ilícitas — tudo isso que superestrutura e confere duração às organizações criminosas. Só alguém muito ingênuo para acreditar que a parte do leão do tráfico fique na favela.

Em segundo lugar, porque o estado está presente no inteiro percurso produtivo das drogas ilícitas, sorvendo mais-valor dessa gigantesca economia de ilegalidades,  na forma de arregos, taxas, pedágios, desvios, lavagens, confiscos e derramas. Os fluxos de mais-valor são então capitalizados no sistema financeiro, viabilizam campanhas eleitorais e ajudam a reproduzir a ordem social que, a seu passo, garante o funcionamento geral do sistema. Este depende, obviamente, da invenção do tráfico com origem do mal, bem como da sociedade de bem (sobretudo “nossos-filhos”) como a grande figura ameaçada e a proteger-se. A sociedade, como ensinava Foucault, é efeito do próprio regime de poder, sem relação de exterioridade em relação ao estado. Cada sociedade tem o Para isso, nada mais cômodo do que montar sobre a divisão racista e colonial: do lado do tráfico, o negro e a favela; do lado do estado, o branco e o asfalto.

As UPP, portanto, não podem ser explicadas pela vitória do estado contra o “estado paralelo”, do estado contra o não-estado, ou do império da lei contra a anomia. O estado sempre esteve lá. A favela, como lugar de crime, horror e inferno, é uma construção estatal, e participam dela aqueles que a reforçam, sejam ou não funcionários “oficiais”.

Com a pacificação, os representantes do estado não deixaram de negociar com o tráfico, principalmente com a facção mais domesticável, o Terceiro Comando. Isso quando não assumiram eles próprios o varejo, com a milícia (o exemplo máximo de como o estado organiza o crime e vice-versa). Os repiques eventuais entre policiais e traficantes estão mais relacionados a atritos na negociação, do que a grandes disputas de território e gestão. Na entrevista do pesquisador Paulo Roberto, da Fiocruz, depois de sua libertação, ele diz que, quando chegou ao presídio, deram-lhe quatro opções para a ala em que gostaria de ficar: Comando Vermelho, Povo de Israel, Amigo dos Amigos, milícia ou “neutros” (a versão prisional do “n.d.a.”). Por que não aparece, entre as alternativas, o TC?

O verdadeiro problema aparece quando consideramos a instalação da UPP como substituição de uma tecnologia do estado por outra. Não mais terceirizar o domínio territorial às facções e jogo do bicho, para adotar outra forma, mais pervasiva de ação, mais adequada às necessidades. As UPPs são signo de um novo momento do controle social do Rio, que vem junto com a expansão capitalista. O capitalismo, na sua continuada e voraz expansão, dissolve formas antigas a fim de distender as próprias contradições e crises.

Antes, quando a favela apresentava baixíssima renda social, a lógica se assentava sobre a velha tarefa escravocrata, legada desde os tempos do quilombo de Catumbi e da Real Guarda Portuguesa, que consiste em “manter os negros sob controle”. Era uma matriz mais disciplinar, para novamente usar uma categoria foucaultiana. Com o aumento da renda dos últimos tempos, conquistado sobretudo pela mobilização popular, o morador da favela ou periferia foi incluído/se incluiu no mercado de trabalho e consumo. Nesta fase, o número de miseráveis cai exponencialmente, ao mesmo tempo em que se generaliza a condição socioeconômica da dita “Classe C”: renda ainda relativamente baixa, mas consumidor, com conta bancária e telefone, potencial acesso à universidade e emprego formal, e com possibilidade de auferir crédito e mesmo empreender.

Agora, ao funcionamento do capitalismo, interessa aumentar a margem de mais-valor, antes associada apenas às oportunidades da economia de ilegalidades, onde o morro servia de desaguadouro varejista. Agora, vale a pena explorar também os serviços de telefonia, água, luz, internet, transporte, segurança. Não precisam subir o morro apenas os esquadrões da morte, mas também as agências bancárias, os cobradores das concessionárias, o comércio formalizado, o transporte formalizado, os turistas e os arquitetos. Com a inclusão social da última década, tudo isso agora passou a ser visto como uma imensa jazida humana para ser explorada. Acontece uma “virada ao pobre” pelo consenso de governabilidade. A UPP e a política de pacificação fazem parte dessa tecnologia capitalista de estado.

O drama é que o conflito social não desaparece com o avanço da franja capitalista. O racismo é redimensionado, mas permanece violento. A desigualdade continua tensionando as relações. A brutalidade enraizada do colonialismo segue embutida nas práticas e na cultura. Mas comete erro de avaliação quem pensa que o aumento do poder de consumo e renda contribui, por si sós, para pacificar as pessoas. Quanto mais conquistam, mais se empoderam e mais querem conquistar, e mais qualidades e recursos podem ser mobilizados para lutar politicamente. Quanto melhor, melhor. São consumidores, mas o consumo também extravasa uma dimensão produtiva: pode tornar as pessoas mais produtoras, ao se reapropriarem das ferramentas e saberes, subjetivando-se de maneira autônoma ao capital.

Além disso, a estratégia exaspera a contradição da ação estatal. O estado precisa propagandear o sucesso da nova paz, embora essa paz continue sendo do medo, do domínio armado e de fundo racista, — cujo limite está na tortura e execução sumária das Amarildas e Amarildos, — sobre o território. A verdade do poder — a guerra, a guerra contra negro, índio, pobre — acaba se expondo quanto mais o estado tenta definir-se como o oposto da violência.

O que é melhor: UPP ou tráfico? Nenhum. Os dois são “piores”. Essa é uma falsa opção. Porque foram os próprios negros, os pobres que conquistaram todos os direitos que, precariamente, hoje podem exercer. A expansão capitalista significa também o reconhecimento inevitável de uma potência, uma riqueza e uma rede de produção que, no passado, eram simplesmente usurpadas, repondo-se em seu lugar o signo do horror. O capital vem atualmente para capturar essa força viva, transformando seus vetores mais potentes em mercado explorável e controlável. É aí que a UPP tenta se inscrever: pacificar para explorar, para conservar a desigualdade, para manter a panela de pressão sob controle, enquanto caudalosos rios de valor descem o morro.

Portanto, o  nosso problema só merece ser recolocado saindo dele em diagonal, para adotar a ideia de outro filósofo, Gilles Deleuze. O verdadeiro problema é aquele que condiciona uma pragmática à altura de nossa esperança e alegria, e que portanto está implicado no desejo motriz de nossas vidas. Muito além do poder do crime e do crime do poder, de estados de controle, paralelos, de falso direito ou exceção. Todo problema que importa é imediatamente uma teoria implicada da ação.

Hoje, o terceiro excluído, entre o estado e o tráfico, é o manifestante. As manifestações propiciam a luta em termos inéditos: nem polícia, nem traficante. Outra coisa. Diferente. Não admira serem vigiadas com olhos de doberman. Eis o xis da questão, o tamanco nas engrenagens de dicotomias falsas. O “verdadeiro” do problema, aqui, é a verdade da paz: a possibilidade de conquistar os direitos sem, no processo, ceder a dignidade, a nossa vida comum.

Fonte: Quadrado dos Loucos