fevereiro 22, 2015

"Rios voadores e a água de São Paulo 1: A questão levantada". Por Philip M. Fearnside

PICICA: "A seca em São Paulo de 2014-2015 levanta a questão do papel dos “rios voadores”, ou seja, ventos que levam vapor d’água da Amazônia até a região sudeste do Brasil e áreas vizinhas. Para ter chuva, precisa não só de vapor d’água, mas também de mecanismos para que este vapor (água em forma gasosa) se condense em água líquida para formar gotas de chuva. No caso da seca atual em São Paulo, fenômenos climáticos parecem predominar naquela região impedindo a condensação, como será explicado adiante."


Rios voadores e a água de São Paulo 1: A questão levantada

amazoniaviva - philip
 

PHILIP M. FEARNSIDE

A seca em São Paulo de 2014-2015 levanta a questão do papel dos “rios voadores”, ou seja, ventos que levam vapor d’água da Amazônia até a região sudeste do Brasil e áreas vizinhas. Para ter chuva, precisa não só de vapor d’água, mas também de mecanismos para que este vapor (água em forma gasosa) se condense em água líquida para formar gotas de chuva. No caso da seca atual em São Paulo, fenômenos climáticos parecem predominar naquela região impedindo a condensação, como será explicado adiante.

No entanto, o papel dos rios voadores é fundamental ao sistema que mantém as chuvas no sudeste, e as políticas do governo brasileiro que favorecem o desmatamento na Amazônia colocam este fornecimento de água em mais risco com cada árvore que cai.
As maiores cidades do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, dependem de água de chuva, derivada de vapor de água que é transportado da Amazônia por correntes de ar (o vento chamado de jato de baixa altitude sul-americano). São Paulo e outras cidades já estão no limite ou além dele para água disponível, tanto para uso doméstico como para geração de energia hidrelétrica.

O desmatamento da Amazônia reduz a evapotranspiração e o fornecimento de vapor d’água, tornando-se provável que a continuação do desmatamento irá infligir custos econômicos e sociais na região do centro-sul do Brasil. Os serviços ambientais prestados pelas florestas amazônicas precisam ser valorizados e traduzidos em mecanismos para reduzir o desmatamento.

A ameaça que o desmatamento da Amazônia representa para o centro de poder político e financeiro do Brasil em São Paulo levanta a possibilidade de tais mecanismos serem desenvolvidos, tanto dentro do Brasil como através de instrumentos internacionais.

Não é a primeira vez que falta água no sudeste do Brasil. No ano 1953 essa região também sofreu uma seca devastadora. Em 2001, a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas de toda a porção não-amazônica do país fez com que os principais centros populacionais brasileiros sofressem grandes blecautes (os ‘apagões’) e levou a prolongado racionamento de eletricidade.

Em 2003, os reservatórios que fornecem a São Paulo atingiram um nível de apenas 5% de sua capacidade, levando ao racionamento de água e a possibilidade de esgotamento das reservas, mas, felizmente, a chuva chegou antes de acabar a água por completo. A situação em 2015 é pior, pois a época chuvosa em São Paulo praticamente acabou com os reservatórios ainda quase secos.
Esses acontecimentos deveriam produzir uma consciência da importância da água transportada por correntes de ar da Amazônia para o centro-sul do Brasil (Figura 1). Infelizmente, essa consciência ainda não se materializou, e o modelo de desenvolvimento que o governo federal quer implantar na Amazônia, previsto nos Planos Plurianuais, baseia-se em uma série de obras de infraestrutura (rodovias, hidrelétricas e outras) que levarão a perdas significativas de floresta [1]. O processo de tomada de decisão não considera efeitos mais amplos desse desmatamento, como a redução da água ‘exportada’ para São Paulo[3].

rios voadores
Figura 1. O vento de ‘jato de baixa altitude sul-americano’ (SALLJ) atravessa a Amazônia de leste para oeste e é desviado pelos Andes, levando o vapor d’água na direção sul e depois para leste (para a bacia do rio da Prata). Fonte: Redesenhado a partir de [2].

NOTAS
[1] Fearnside, P. M.; Laurance, W. F. 2012. Infraestrutura na Amazônia: As lições dos planos plurianuais. Caderno CRH 25(64): 87-98. doi: 10.1590/S0103-49792012000100007
[2] Proyecto SALLJEX. 2003. PROYECTO SALLJEX (South American Low Level Jet Experiment). Site atual: http://www.nssl.noaa.gov/projects/pacs/salljex/
[3] Atualizado e expandido a partir de Fearnside, P. M. 2004. A água de São Paulo e a floresta amazônica. Ciência Hoje 34(203): 63-65. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).
Leia os textos da última série:

Philip M. Fearnside é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Em 2007, foi um dos cientistas ganhadores do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC).

Fonte: Amazônia Real

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