abril 25, 2012

"Band também silencia os índios", por Fábio de Oliveira Ribeiro

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PICICA: "A Rede Bandeirantes é uma grande companhia e certamente tem vários advogados. Poderia consultar seu departamento jurídico antes de levar ao ar uma reportagem tão recheada de equívocos jurídicos."

JORNAL DA BAND

Band também silencia os índios

Por Fábio de Oliveira Ribeiro em 24/04/2012 na edição 691

Em maio de 2008, publiquei neste Observatório uma crítica à forma distorcida como o Bom Dia Brasil cobriu um fato que envolvia interesses de indígenas (ver aqui). Alguns dias depois, a Rede Globo levou ao ar entrevista com um antropólogo que interpretou a ação audaciosa e até violenta dos indígenas como algo positivo, uma prova da vitalidade de sua cultura.

No dia 19/04/2012 foi a vez da Bandeirantes silenciar os índios. Durante o Jornal da Band, a cobertura do conflito envolvendo Pataxós e produtores rurais no sul da Bahia foi feita de maneira bastante distorcida e tendenciosa. Primeiro o narrador da matéria anunciou que há um litígio judicial sem solução no STF há décadas e que a área disputada foi demarcada como reserva indígena mas algum tempo depois começou a ser invadida por agricultores. Os invasores brancos da área indígena teriam conseguido títulos de posse. Depois foram feitas entrevistas com índios e produtores rurais. A distorção começa neste ponto.

A questão será solucionada pelo STF. Portanto, a disputa é jurídica e feita não no campo da cultura indígena mas no campo da nossa civilização branca e segundo as nossas regras legais. Mesmo assim, o Jornal da Band entrevistou alguns índios, os quais, por razões óbvias, não estavam em condições de defender sua causa com o perfeito conhecimento das nossas regras jurídicas. Eles não foram capazes de usar argumentos racionais aptos a convencer homens brancos pasmos em frente de suas TV de plasma. Por que o Jornal da Band não entrevistou o advogado que defenderá os interesses dos Pataxó no STF?

Sem valor jurídico

O tempo destinado aos índios foi bem pequeno. Muito mais articulados do que os Pataxós, os produtores rurais apresentaram seu argumentos num tempo bem maior. Outra distorção. Ao dar mais tempo a um dos lados na disputa, o Jornal da Band deixou implícito que apoia os fazendeiros contra os índios. A Rede Bandeirantes explora comercialmente uma faixa de transmissão pública. Portanto, o telejornalismo que produz deveria primar pelo equilíbrio e isenção. Não foi o que ocorreu neste caso.

Os fazendeiros disseram que compraram as terras e se apresentaram como proprietários das mesmas. Afirmaram que foram obrigados a abandoná-las à força, que não podem mais produzir leite e que estão tendo prejuízos. Calculadamente ou não, eles se apresentaram como vítimas e foram apresentados como vítimas da agressão indígena. Em frente das TV de plasma, proprietários brancos certamente ficaram pálidos de raiva dos índios malvados. Ao fim da reportagem, Joelmir Beting endossou a tese dos fazendeiros afirmando que o direito de propriedade deve ser respeitado. “É claro que deve, Joelmir”, responderam mentalmente milhões de telespectadores estupefatos.

É verdade, o direito de propriedade deve ser respeitado. Mas não necessariamente em benefício daqueles produtores rurais que disputam a área com os Pataxós. Afinal, qualquer estudante de Direito aprende rapidamente que terras públicas e terras indígenas devidamente demarcadas não são suscetíveis de apropriação privada. Aprende também que os títulos que declaram a propriedade destas terras não têm qualquer valor jurídico. A boa-fé ou má-fé de quem comprou terras públicas ou indígenas é, aliás, irrelevante. O título é nulo e não vai produzir o efeito desejado para garantir a propriedade e a posse da área. A única coisa que resta ao comprador nestes casos é exigir a devolução do dinheiro pago e indenização pelos prejuízos (não contra o Estado, e sim, contra aquele que lhe vendeu a coisa que estava fora do comércio).

Distorção lamentável

A Rede Bandeirantes é uma grande companhia e certamente tem vários advogados. Poderia consultar seu departamento jurídico antes de levar ao ar uma reportagem tão recheada de equívocos jurídicos. Mesmo assim, o clã Saad parece ter preferido difundir o erro em detrimento dos Pataxós. É por estas e por outras que a mídia brasileira precisa ser urgentemente regulada. A liberdade de imprensa deve ser preservada sempre, mas não pode justificar todo tipo de abuso. Reprimir o abuso da imprensa, especialmente da imprensa televisada que explora banda pública de transmissão, pode e deve ser um dever do Estado. Os veículos de comunicação não têm e não devem ter o direito de confundir o telespectador, de divulgar deliberadamente um erro, de discriminar um grupo social em detrimento de outro, de desinformar o cidadão ou de difundir ideologias nefastas que atentem contra o multiculturalismo assegurado pela Constituição Federal.

Em 19/04/2012, ficou evidente que, para os responsáveis pelo Jornal da Band, os índios Pataxó não têm direitos, não merecem respeito jornalístico e, pior, estão errados mesmo que eventualmente ganhem a causa no STF. Lamentável. Mais lamentável ainda será, entretanto, se a Band deixar de corrigir a distorção que cometeu. Num passado recente, a Rede Globo deu voz aos índios através de um antropólogo. Como agirá a Band, só os Saad é que sabem.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]

Fonte: Observatório da Imprensa

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