abril 20, 2012

Lutando pela terra - mulheres em luta


Uma semana de luta pela terra, uma semana de luta das mulheres

PICICA: "A luta pela terra e pela moradia acaba sendo uma luta das mulheres por conta da própria divisão sexual do trabalho existente na sociedade, pois se é tarefa das mulheres organizarem a vida privada, dos trabalhos de cuidado e afins é preciso haver um espaço para que esta tarefa seja realizada. Talvez esta seja uma das maiores contradições desta luta, o que impele estas mulheres à luta é o lugar onde o patriarcado as coloca. Como dar cabo da tarefa de organizar a vida privada da família sem ter onde morar?"


Voltando da minha imersão e falta de traquejo para escrever sobre os temas que me agradam, vai que começo a articular um post sobre a temática de mulher e a questão da terra e me dou conta que esta semana nos deparamos com marcos da luta pela terra no Brasil importantíssimos.
Não tem como falar sobre mulheres  e luta pela terra sem falar do Movimento Sem Terra (MST), não tem como nesta semana não lembrar dos 16 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, ainda mais para quem na época morava no estado e via cotidianamente o ar de não fiz nada do então governador do estado Almir Gabriel sobre as mortes cujo sangue jorra até hoje das suas mãos.
Desde o Massacre de Eldorado dos Carajás fazemos um ato aqui na ‘curva do S’. Um momento de denúncia, de mobilização nacional e internacional em torno da impunidade no campo. E fomos sentido como que a gente transformava isso, um imaginário de luta, de continuidade dessa luta. Que não fosse um lugar que relembrasse a tristeza, mas que trouxesse à memória uma perspectiva de continuidade. (Massacre de Eldorado dos Carajás: relatos e resistência de um povo. FERNANDES, Vivian.)

Foto de Leonardo Melgarejo/Núcleo Piratininga de Comunicação
Massacre de Eldorado dos Carajás, dia do Índio, Tribunal Popular da Terra, luta dos Pataxós no sul da Bahia… Tudo na mesma semana, no conhecido Abril vermelho do MST. Não poderia ser deixa melhor para sentar e escrever um post para o Blogueiras Feministas sobre o protagonismo das mulheres na luta pela terra, não apenas no campo, mas também na cidade.

A questão da terra no Brasil é um tema dramático não é de hoje, no campo por conta do agronegócio e o latifúndio que acaba por expulsar os pequenos produtores, ameaça ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Sem o menor escrúpulos e até mesmo respeito a constituição federal, mas fazer o que, né? Normalmente em nosso país a justiça tem classe, cor e gênero e isso é inegável, mas não só a justiça tem isso, a luta pela terra no Brasil também.
E se colocar como protagonistas nestes espaços, mesmo quando visitamos a base destas lutas e constatamos que sua maioria é composta por mulheres de diversas idades é tão adverso quanto no movimento sindical, estudantil e até mesmo nos partidos.
Num dos debates acerca da chamada “questão de gênero”, ocorrido em reunião da Coordenação Nacional em agosto de 2003, Bogo, importante expoente do Movimento, identificou uma série de obstáculos culturais e morais ou mitos que impediam a participação efetiva das mulheres. Dentre os mitos, destaca os da inferioridade feminina; da representação masculina (ou da dependência feminina, sobretudo das mulheres casadas, que, na representação social do casamento, passam a depender juridicamente de seus maridos); da autorização (ou de plenos poderes ao “chefe de família”); da falta de carisma, em que a mulher é vista como “incapaz” de realizar determinada tarefa; da herança cultural, que molda o jeito de ser menino ou menina; de preconceito, que elimina a credibilidade da palavra feminina; da aparência, que determina a forma como as mulheres devem se vestir; do dever, que impõe às mulheres o acato à autoridade dos maridos; da fidelidade; da moral religiosa. (De companheira “acompanhante” à companheira de luta: as mulheres na luta pela terra do MST. GONÇALVES, Renata)
A luta pela terra e pela moradia acaba sendo uma luta das mulheres por conta da própria divisão sexual do trabalho existente na sociedade, pois se é tarefa das mulheres organizarem a vida privada, dos trabalhos de cuidado e afins é preciso haver um espaço para que esta tarefa seja realizada. Talvez esta seja uma das maiores contradições desta luta, o que impele estas mulheres à luta é o lugar onde o patriarcado as coloca. Como dar cabo da tarefa de organizar a vida privada da família sem ter onde morar?

Foto de Adriano Ferreira Rodrigues/MST
Normalmente nos esquecemos da categoria gênero e raça nestas lutas, normalmente esquecemos destas categorias sempre quando vamos analisar o conjunto da classe trabalhadora, ajudando até avaliarmos de forma distorcida o que é a necessidade da classe, qual o setor mais expropriado e como organizar este setor. A luta da terra, seja no campo ou na cidade nos coloca este desafio, quais são as pessoas em luta? Quais são as suas demandas reais? Quais são seus algozes? Para mim a luta pela terra no Brasil traz fortemente um recorte de classe, de gênero e raça, pois aqueles que estão em luta contra as desapropriações nas cidades por causa das mega-obras e no campo contra o agronegócio e latifúndio são mulheres, indígenas e negras.
Dentro do movimento, é impossível acreditar que não existam desigualdades de gênero, já que este é formado por indivíduos que possuem seus valores, desvios, práticas disseminadas ao longo dos tempos. Através das lutas e diversas formas de formação que sua base e militância buscam ter saltos de consciência rompendo com a ideologia dominante. A mais interessante colocação aparece quando a proposta do Coletivo de Gênero não prioriza a luta pela igualdade de gêneros em detrimento da luta de classes. Estas duas lutas não aparecem separadamente. Podemos concluir este fato tendo em conta as pautas de discussão das reuniões promovidas pelo Coletivo de Gênero. São abordados diversos assuntos, que priorizam questões específicas e dirigidas às mulheres, assim como assuntos amplos e dirigidos às ações da organização dos trabalhadores de forma geral. A partir desta concepção entendemos que as mulheres do MST não procuram assumir as direções, mas sim, que elas possuam consciência de classe, com compromisso com a classe trabalhadora, e que tenham ainda condições iguais para militar e dirigir o movimento, de serem sujeitos e não apenas “objeto da história”. Romper com a consciência social burguesa, como podemos notar nesta passagem de um texto produzido pelo Coletivo de Gênero (s/d, mimeo), significa não somente um rompimento e constituição de novos valores culturais. Esse rompimento se dá por dentro de um rompimento muito maior, que é a emancipação da classe trabalhadora. (O papel da mulher na luta pela terra. Uma questão de gênero e/ou classe? JUNIOR, Antônio Thomaz)
Este final de semana aqui em São Paulo vai acontecer o Tribunal Popular da Terra, onde diversos movimentos sociais irão julgar o Estado brasileiro sobre os crimes cometidos na questão da terra, ou seja, o caso de Iaras, Belo Monte, Curitiba, Obras da Copa e Olimpíadas, Pinheirinho, Criminalização de militantes e a perseguição dos Guarani Kayowá no Mato Grosso do Sul. Todas estas lutas referentes a questão da terra, referentes a moradia também, ao lugar onde a família se organiza, ou seja, luta de mulheres por conta da tarefa dada a nós nessa sociedade patriarcal, luta que tem cor, classe e gênero e enquanto não nos apercebemos disso em nossas análises teóricas, conjunturais continuaremos a levar um caldo da história. Direito a terra é direito humano, é direito das mulheres.

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