PICICA: "Há cerca de 100 anos, a iconoclastia de Duchamp dava um verdadeiro
truco na arte e descontruía o gosto médio, combatendo a sacralização da
arte. Não adianta buscar solução psicológica, religiosa ou que o valha
para explicar o urinol ou uma roda da bicicleta em uma exposição
artística, Duchamp busca o estranhamento, o incômodo, função primordial
da arte."
As antiobras de arte de Marcel Duchamp
por Fernando do Valle
Há cerca de 100 anos, a iconoclastia de Duchamp dava um verdadeiro truco na arte e descontruía o gosto médio, combatendo a sacralização da arte. Não adianta buscar solução psicológica, religiosa ou que o valha para explicar o urinol ou uma roda da bicicleta em uma exposição artística, Duchamp busca o estranhamento, o incômodo, função primordial da arte.
“Os ready-made são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único fato de escolhê-los converte em obra de arte. Ao mesmo tempo em que o gesto dissolve a noção de obra. A contradição é a essência do ato” (ensaísta colombiano Octavio Paz em “Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza”).
O dadaísmo e Duchamp nasceram um para o outro. O movimento libertário que surgiu em Zurique em 1916, liderado pelo poeta romeno Tristan Tzara e com reuniões no clube artístico Cabaret Voltaire, pregava a ruptura com a arte considerada oficial e a “abolição da lógica” (Manifesto Dadá). Se a lógica era inimiga da arte de Duchamp, o humor sem dúvida o acompanhava. Se você discorda, então imagine o riso sarcástico de Duchamp ao surpreender com suas obras um intelectual circunspecto de pince-nez.
Será que a rebeldia do “artista” Duchamp não transformaria um simples urinol em obra de arte como as outras? A simples escolha de determinado objeto e não outro não configura um ato de criação? O artista explica: “o grande problema era o ato de escolher. Tinha que eleger um objeto sem que este me impressionasse e sem a menor intervenção, dentro do possível de qualquer ideia ou propósito de deleite estético. Era necessário reduzir o meu gosto pessoal a zero”. O gesto niilista de anular seu próprio gosto e ainda assinar o urinol com um pseudônimo (R. Mutt) questiona as preferências do público, não importa se o gosto do espectador é refinado, péssimo ou crítico.
A ideia original de Duchamp foi banalizada à enésima potência na hiper mercantilizada arte contemporânea movimentada por ávidos colecionadores/investidores, os museus abrigam uma profusão de trabalhos inspirados no artista francês. O irônico é que a liberdade contida na antiobra de Duchamp acabou por alimentar um mercado (arte agora também é mercado) voraz.O artista francês Marcel Duchamp nasceu em 28 de julho de 1887 e morreu em 2 de outubro de 1968.
Nem o urinol de Duchamp escapou, a nova versão de “A Fonte”, realizada por Duchamp em 1951, o “original” se perdeu, vale três milhões de euros. Em 2006, um francês de 77 anos foi detido em Paris depois de atacar com um martelo o urinol .Segundo a polícia, o detido alegou que o ataque com o martelo era uma performance artística e que o próprio Duchamp teria apreciado a atitude. Talvez ele tenha razão.
“Gosto da palavra crer. Em geral, quando alguém diz eu sei, não sabe, acredita. Creio que a Arte é a única forma de atividade pela qual o homem se manifesta como indivíduo. Só por ela pode superar o estado animal, porque a Arte desemboca em regiões que nem o tempo nem o espaço dominam. Viver é crer — ao menos é isto que eu creio” (Marcel Duchamp).
Sou blogueiro, jornalista e criador de conteúdo. Pai de Lorena, santista e obcecado por literatura, cinema, música e política.
Fonte: ZONACURVA
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