abril 20, 2016

Simplesmente Gisela. POR Catarina Vasconcelos (OBVIOUS)

PICICA:  "Gisela João, 31 anos, fadista. Traz o fado arrastado na voz e o Minho dependurado ao peito, colado ao coração. Sorri quando dele fala. Enaltece-o. Orgulha-se dele, das suas raízes. Canta-o como mais ninguém. Põe-lhe amor de sobra, o mesmo amor que deposita em cada poema feito fado."



Simplesmente Gisela


Gisela João, 31 anos, fadista. Traz o fado arrastado na voz e o Minho dependurado ao peito, colado ao coração. Sorri quando dele fala. Enaltece-o. Orgulha-se dele, das suas raízes. Canta-o como mais ninguém. Põe-lhe amor de sobra, o mesmo amor que deposita em cada poema feito fado.


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Gisela. Gisela João. Nascida a 6 de Novembro de 1983, em Barcelos. O Minho corre-lhe nas veias e o fado, desde cedo, colou-se-lhe à alma e de lá não mais saiu. Apaixonou-se por ele, pelo fado, ainda criança, enquanto cuidava dos irmãos e ouvia o “Deus me perdoe” de Amália Rodrigues. Percebeu que a profundidade dos poemas e o jeito como eram cantados lhe tocavam o coração de forma especial e decidiu que seria esse, também, o seu caminho. Com 16 anos começou a cantar na “Adega Lusitana”, em Barcelos. No ano 2000 mudou-se para a cidade do Porto, para estudar design de moda, onde começou a cantar nas casas de fado da Ribeira. O design fica para trás e Gisela troca o Porto por Lisboa, a Ribeira pela Mouraria, o anonimato pelo sucesso em crescendo. 

Em 2008 grava o seu primeiro álbum a solo - O meu fado - ainda sem grande reconhecimento e em 2009 grava um novo álbum, desta feita, como vocalista do grupo Atlantihda. Já em Lisboa começa, pouco a pouco, a conquistar o seu lugar, primeiro, nas típicas Casas de Fado, passando, depois, para palcos como o Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém e o Teatro São Luiz. A gravação de mais um disco não tarda e eis que, a 1 de Julho de 2013, sai o seu álbum em nome próprio – Gisela João – que, em duas semanas, chega ao número um do top de vendas nacional, tendo sido considerado o melhor álbum nacional do ano por publicações como o Expresso e o Público, chegando mesmo a Disco de Platina. Neste álbum podemos ouvir temas como Meu amigo está longe, de José Carlos Ary dos Santos e, anteriormente, cantado por Amália Rodrigues, Vieste do fim do mundo, de João Lóio e Antigamente de Manuel de Almeida. Há ainda lugar para os Malhões e Viras do Minho, não fosse Gisela uma minhota de gema, com orgulho tremendo nas suas raízes.

Gisela recebeu ainda vários prémios, tais como o Prémio Revelação Amália, o Prémio José Afonso 2014 e ainda o Globo de Ouro na categoria de Melhor Intérprete Individual 2013. Em Janeiro de 2015, esgotou os Coliseus (Porto e Lisboa) com dois concertos absolutamente soberbos.

Mas, afinal, o que tem Gisela de tão especial?

Aquando do lançamento do seu álbum em nome próprio, Gisela João foi aclamada pela crítica. A sua jovialidade e forma singular de expressar as palavras trouxeram uma lufada de ar fresco ao novo fado. Dona de uma voz rouca, quente e suave, põe amor de sobra nos poemas que canta. Sente-os de forma quase visceral e transmite isso ao seu público. É quase impossível ficar indiferente. Quando Gisela canta a dor e a saudade, sente mesmo essa dor e essa saudade. Da mesma forma que, quando começa a cantar e a dançar os viras e malhões do Minho, tudo é alegria, tudo é festa e folia. É genuína em tudo. Não precisa de saltos altos para se fazer notar. Os seus ténis são o suficiente para que possa mostrar-se ao mundo. As suas roupas invulgares, criadas por si, dão-lhe um toque ainda mais irreverente. E as tatuagens que tem desenhadas nos braços são como um mapa de histórias e rebeldia, mostrando ao mundo que não há trajeito ou protocolo quando o assunto é talento.

Pequena de corpo, gigante na voz, consegue fazer diferente. Consegue cantar diferente o mesmo fado que outros cantam ou cantaram. Consegue trazer para si todo o sentir dos poetas, toda a beleza dos versos. O seu fado transporta-nos para um outro patamar, um nível superior. É difícil explicar por palavras. Só quem ouve temas como Madrugada sem sono ou Vieste do fim do mundo consegue perceber a grandeza daquilo que Gisela consegue transmitir. Só quem se senta, no escuro, a ouvi-la cantar, é que consegue sentir a pele arrepiar e as lágrimas saltarem dos olhos, tal é a beleza daquele momento. Só quem canta e dança com ela, ao som dos viras e malhões, consegue beber da sua alegria que contagia, que simplifica, que mostra como é possível conciliar o melhor de dois mundos.

Gisela é assim. Espontânea. Fiel a si própria. Simples, tão simples, de uma simplicidade que a torna ainda maior. Não raras vezes, passa tardes a bordar e a mimar a sua gata Mimi. É como é, sem artefactos ou adereços que lhe camuflem a alma. Canta como é. Canta com amor, tanto amor. E ri, e não esconde a traquinice que tem no olhar nem a eterna criança que traz no coração. E, por isso, é mais feliz assim, quando canta, quando encanta. E, por isso, faz-nos mais felizes, assim, quando temos o privilégio de a ouvir cantar.

Quem ainda não conhece a Gisela, deveria conhecer. Deveria sentar-se e ouvir o seu fado. E deixar-se ir na sua voz, feita de alegria e tristeza, de saudade e amor. Vale a pena. Vale muito a pena.



Catarina Vasconcelos

Escritora por paixão. Inconformada por vocação. Feminista por convicção. Teimosa todos os dias. Mau feitio de sobra. Sonhadora nas horas vagas.

Fonte: OBVIOUS

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