- Por ordem: casa dos meus pais – o prático da Booth Line, comandante Rogelio Casado Marinho e a normalista Tereza Barbosa Marinho; de D. Felismina e seu Lourenço (portugueses proprietários de casas na Pausada e na Estância, que faziam da rua Frei José dos Inocentes e da rua Itamaracá a principal zona de prostituição de Manaus); de Dona dos Anjos (avó do médico Marcus Barros e bisavó do bailarino Marcelo Gomes); de Perpétua (com seu extraordinário repertório de músicas de infância, e produtora de pequenas peças teatrais nos andaimes dos fundos do Arquivo Público); de Ana Maria (de beleza invulgar, dançarina do Acapulco Night Club, nas imediações de onde está situado o DETRAM-AM); de madrinha Julia (promotora de festas memoráveis, ao som de boleros, em potentes eletrolas); de Maria Tereza (de pele alva e beleza angelical, sempre graciosa na moldura da sua janela); dos portugueses Dona Gracinda e seu Augusto, e sua filha Elizabeth Santos, de tão doce temperamento (entre as duas últimas uma vila, onde moravam Luisinho e a extensa família de Hilda, “bunda de mola”, aparentada do velho Henrique, zelador do Gymnasio Pedro II: Nora, Siloca, Augustinha, Ana, Mingau, Aldenor, Arlete e “Vovinha”, a matriarca, uma mulher miúda, toda encraquilhadinha, que parecia ter saído de um conto de fadas, e que ano após ano diminuía de tamanho); do deputado João Valério e Dona Joana, e a adorável Joana Valério; de Dona Iaiá, esposa do tradutor juramentado Arantes e seus filhos Carlos e Totó; do cearense João Paco-Paco (protético e investigador de Polícia, repentista de ocasião ) e da professora Amélia e suas filhas Mali e Cassia; e de Eliseu e Ruth, amiguinhos de infância.
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Nota do blog: Na casa em destaque - em sépia - passei os melhores natais da minha infância. Ali chegamos – papai, mamãe, Tia Pátria, e minhas irmãs Lilian e Elizabeth – em 1958. Ulysses e Débora ainda não havia nascido. Manaus não ultrapassara a casa dos 100 mil habitantes. Localizada na rua Frei José dos Inocentes, atrás do famoso Hotel Casina, do período áureo da borracha, a casa fôra moradia de Deny Menezes. Deny havia partido para o Rio de Janeiro. Ali trabalhou como locutor esportivo na Rádio Globo.
Aldísio Filgueiras – um poeta que canta Manaus como ninguém – costuma dizer que a pobreza era mais digna naquela época. A despeito do ostracismo econômico, advindo da queda da borracha, não havia miséria, como a que se vê na periferia de uma cidade que hoje abriga 2 milhões de habitantes. Com a explosão demográfica, arrivistas de muitas procedências, aliados da geração salve-se quem puder da decadência, iriam destruir Manaus, depois da instalação da Zona Franca de Manaus, no final dos anos 1960. Se o modelo econômico é o responsável pela manutenção de 90% da floresta estadual em pé, em compensação a cidade sofreu um impacto sem precedentes, com a morte dos seus igarapés, ausência de saneamento, proliferação de doenças e recrudescimento da violência.
Natal - Tive sorte de viver minha infância num local onde havia confluência da maior diversidade cultural da cidade. Por ali transitavam marinheiros, soldados, homossexuais, prostitutas, professores, políticos, estudantes, "marreteiros", camelôs, feirantes, loucos, comerciários. Aprendemos em casa a ter um profundo respeito por todos. Não me recordo de manifestações de preconceito entre os moradores daquele pedaço da cidade. Convivíamos num clima de fraternidade.
Mas era o Natal que nos encantava. Dormíamos cedo para que o dia logo amanhecesse. Para ver e abrir os brinquedos sob a árvore de natal – enfeitada com bolas coloridas e pedaços de algodão – próximo do presépio. Arcos e flechas, revolveres com espoleta, espadas, trenzinhos, carrinhos com buzinas e sirenes, bicicletas, bonecas. Uma festa para os sentidos. A casa explodia em sons e alegria.
Aos primeiros barulhos de tiros de espoleta, campainhas de bicicletas, sirenes de carros e gritos de criança, corríamos para a rua ao encontro da molecada (naquela época a rua ainda não fora proibida para crianças). Em toda a extensão da rua viam-se cow-boys, índios, médicos, enfermeiras, bombeiros, soldadinhos, gladiadores, espadachins, motoristas, aviadores, ciclistas, artistas de circo... éramos o que nossa imaginação permitisse. Éramos do tamanho do que víamos, não do tamanho de nossas alturas.
Pintavámos e bordávamos simbolicamente o mundo dos adultos. Éramos felizes num mundo sem televisão, com muito cinema, jogos de rua (barra bandeira, garrafão, cemitério, macaca, esconde-esconde, cangapé, bolinhas de gude, carrinhos de rolimã), banho de igarapé, e uma qualidade de vida para sempre perdida.
Tempos de inocência. Ainda não havíamos nos dado conta da cruel divisão de classes sociais, da distribuição desigual de renda, e de que Papai Noel aos poucos deixaria de estar presente na casa de muitas crianças de uma cidade desfigurada pela ocupação desordenada do solo.
Feliz Natal aos que me honram com a leitura do meu blog. Vale a pena lembrar a história de um menino que nasceu há 2 mil anos atrás, cuja visão de mundo mudaria a história do Ocidente. É preciso resgatá-lo, no desenfreado consumismo de hoje. Um outro mundo é possível!
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
dezembro 24, 2008
Feliz Natal aos(às) amigos(as) e leitores(as)
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