“Legislação para rádios comunitárias é imoral e tendenciosa”, diz Reis
Por Camila Souza Ramos [Segunda-Feira, 15 de Dezembro de 2008 às 18:39hs]
Estão em trâmite duas medidas, uma no Congresso nacional e outra na Câmara dos Vereadores de São Paulo, que parecem indicar um caminho legal para a operação das rádios comunitárias. No Congresso, um projeto de anistia às rádios ilegais, e na Câmara Municipal, a criação de um conselho de radiodifusão comunitária.
No entanto, Heitor Reis, membro da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) acredita que é preciso mais. A defesa da democratização das comunicações passa pela luta da própria democracia. “Não estamos em um Estado democrático, pois estamos em um Estado democrático de direito, mas não de fato”, afirma. Segundo Reis, “o que se vê nitidamente é que a vontade é de impedir a existência das rádios comunitárias”. A solução? “Desobediência civil frente a essa legislação imoral e tendenciosa”, defende. Leia a primeira parte da entrevista abaixo.
Fórum – Qual a importância da aprovação da anistia para a democratização da comunicação e para as rádios comunitárias?
Heitor Reis – Isso, na verdade, é apenas um pequeno elo de um processo que pode não dar em nada, como imagino que milhares de processos e projetos de lei na Câmara que passam por algumas comissões não chegam a ser sancionadas pelo presidente da República. Depois, ele vai para a Comissão de [Constituição e] Justiça. O relatório vai para o Plenário da Câmara, depois para o Senado, e lá vai para as comissões do Senado, depois vai para a presidência da República sancionar. E talvez nem sancione. Claro que o relatório é bom, é um passo que foi dado na direção [da democratização da comunicação].
Fórum – Que outras medidas seriam necessárias além da anistia?
Heitor Reis – Temos uma série de reivindicações tiradas a partir de um relatório de um grupo de trabalho interministerial. Só que esse relatório parece que foi jogado no lixo, nada fizeram com ele. Atualmente, a Presidência fala que vai fazer alguma coisa. Há uma certa expectativa, mas isso já aconteceu em outras vezes. Na minha opinião, o Lula engana. Na Abraço – eles não gostam que eu fale – está cheio de petistas que infelizmente não são petistas como a Marilena Chauí, que tem a ousadia de criticar o próprio partido. São petistas que querem agradar.
Eu propus uma ação direta, jogar um sapato em um evento, ou qualquer coisa, para poder chamar a atenção para a nossa causa. No outro dia, a presidente da TV Brasil [Tereza Cruvinel] nos encontrou num evento e falou: “Abraço, o que é isso? Nunca ouvi falar”. Se eu tivesse jogado um sapato na Dilma Roussef, tenho certeza que ela saberia.
Fórum – O senhor acredita que há vontade política por parte do governo para estimular a radiodifusão comunitária e democratizar a comunicação?
Heitor Reis – Eu defendo a tese de que não estamos em uma democracia. A Marilena Chauí concorda comigo, mas ela é muito politicamente correta, é acadêmica. Eu falo rasgado: estamos numa ditadura do poder econômico. É uma plutocracia, um governo dos ricos, dos ladrões. A Marilena Chauí fala que o Estado brasileiro é oligárquico e autoritário e que precisamos democratizar o Estado brasileiro. Concordo plenamente com ela, mas prefiro falar isso de forma mais contundente: estamos num Estado privatizado, isso não é uma República, é uma Re-particular.
Não estamos em um Estado democrático, pois estamos em um Estado democrático de direito, e não de fato. Você pode estar dentro de uma democracia de direito e fazer qualquer cachorrada. Quem quiser que se defenda, mas um processo na Justiça leva anos, ou não é julgado. Os empresários nunca ganharam tanto dinheiro como no governo Lula. Então você crê que o capital vai querer rádio comunitária para o povo se organizar, trocar idéia e querer mudar a própria realidade? O capital não tem interesse nisso, quer é manter o povo alienado, ignorante, para que o imposto cobrado atenda o interesse dos ricos!
No Brasil, 90% das empresas brasileiras, que são pequenas e médias, recebem 10% do financiamento total para o setor privado, e 10% das outras empresas, as grandes, recebem 90% do financiamento. É a política de salvar os bancos, e não o pobre que está morrendo de fome. Recentemente o presidente da Vale do Rio Doce declarou que estamos em crise e por isso deveriam ser tomadas medidas de exceção, como reduzir os direitos trabalhistas, que é o que o Lula já vem fazendo. Esse contexto é muito maior que o da comunicação, tirando algumas exceções como com relação ao movimento negro, aos movimentos por direitos humanos – porque rico não vai ser contra os direitos humanos.
Se você fala que o cara tem direito a um salário conforme está na Constituição, básico para a sobrevivência, ele deveria receber R$ 2 mil, mas cada trabalhador brasileiro que vive com o mínimo está sendo explorado em R$1600. Mas a grande mídia não quer que isso seja dito. Poderia ter espaço nas rádios comunitárias, mas o rico é muito inteligente. Ele sabe que se o povo tem um meio de comunicação na mão, a coisa vai aumentando, ele sabe que se você dá algo para o pobre, ele vai querer mais. O rico quer então impedir essa iniciativa. A Fenaj [Federação Nacional dos Jornalistas] dá abertura a essas iniciativas e é contra a campanha para destruir as rádios piratas. O que é rádio pirata? É rádio sem autorização. Nesse ponto, eu falo em nome da Abraço, defendemos que a rádio comunitária de fato seja respeitada, não vale apenas dar a outorga. Temos mais de 10 mil processos parados e existem poucos funcionários públicos para cuidar do assunto.
Leia a continuação da entrevista
Camila Souza Ramos
Fonte: Revista Fórum
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