Foto: bibliotecaibge.gov.br - Delegacia de Jutaí - Amazonas - Brasil
Data: 23/12/2008 23:33Rio-Mar - Tonantins/Jutaí
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Por Hiram Reis e Silva – Jutaí (15/dez/2008)
- Véspera da largada
O Romeu fez contato com o professor Cristovão, diretor da Escola Estadual Irmã Terezinha, que nos autorizou a utilizar a internet da escola para subir os arquivos de imagem e de áudio. Deslocamos-nos para a escola por diversas vezes para esse fim, interrompendo o jantar e o agradável bate-papo com os donos do bar e restaurante Dona Ray, Sr. Raimundo e sua querida esposa Raimunda e o dileto amigo Sr. Álvaro Cabral e esposa. O Raimundo, um mestre contador de histórias, esmerou-se em desfiar um longo repertório de piadas com matizes regionais. Com o amigo Cabral, discorremos sobre a questão indígena, abordando, dentre outros temas a polêmica questão da demarcação contínua da Raposa e Serra do Sol em que nossos magistrados do Supremo Tribuna Federal deram, mais uma vez, sobejas demonstrações de que estão submissos às pressões de organizações estrangeiras e totalmente alheios aos interesses nacionais. O voto dos magistrados demonstra sua total ignorância sobre a história da demarcação e da manipulação criminosa dos dados e da realidade pelos técnicos encarregados que contavam com o beneplácito da FUNAI, totalmente submissa a interesses alienígenas. Graças ao professor Cristovão, consegui enviar todo o material relativo ao projeto até nossa parada em Santo Antonio do Içá. Na primeira oportunidade, talvez em Jutaí, enviarei os arquivos de Tonantins em diante.
(Nota do blog: Respeitosamente, discordo da opinião do ilustre navegador. Joaquim Nabuco já reconhecia a importância dos povos indígenas nas fronteiras do país, como uma espécie de guardiães do território nacional. Como brasileiros que são, os indígenas sabem da importância das forças armadas no controle dos limites territoriais. O Supremo Tribunal Federal agiu de modo soberano, salvaguardando legítimos interesses dos povos indígenas de Raposa Serra do Sol.)
- Café da manhã frustrado
Às 5h20min do dia 14 de dezembro, quando pedimos para abrir as portas do Hotel Garcia, os Policiais Militares já estavam a postos para carregar o material até os caiaques. Deixamos os caiaques em condições e fomos até o restaurante da Ray, que nos prometera um café antes da partida. Aguardamos por 20 minutos e como não verificássemos nenhuma movimentação, decidimos partir sem o café prometido. Meu relógio de pulso parou e vou ter de utilizar a hora do GPS doravante.
- Alterações na programação
As inúmeras incorreções na localização de comunidades e nome das mesmas nos fizeram alterar nosso deslocamento até Jutaí. A previsão inicial era de três paradas e agora planejamos para apenas duas e aumentamos em um dia nossa permanência em Jutaí.
- Largada para Prosperidade
Largamos às 6h20min com uma chuvinha fina caindo e uma agradável temperatura de 22º C. Fizemos a primeira parada às 8h e a segunda às 10h já no extremo sul da ilha, em frente à comunidade indígena Prosperidade, da etnia Cocama.
- Prosperidade
Apresentamos-nos, como é de praxe, imediatamente ao cacique Salim, que embora seja um homem sério e de poucas palavras, franqueou-nos as instalações da Escola Municipal. O Romeu improvisou um almoço com sardinha em lata e farinha e deitamos um pouco para recuperar as energias, aguardando o cacique Almir, mais conhecido como Pacú.
- Professor Romeu
O Romeu instou os amigos indígenas a andar de caiaque. O seu Rui deu um show de habilidade desembarcando com desembaraço, de pé, ao chegar à margem. O Antonio, filho do cacique Almir, obsequiou-nos com um Matrinxã acompanhado de arroz e farinha, que foi degustado com muito prazer. Ao anoitecer, novamente nos trouxe um café à base de ‘beijus’. Retribuímos a gentileza com uma camiseta do projeto e um saco de alimento não perecível.
- Cacique Almir
O cacique chegou junto com os carapanãs que o Sr Rui nos informara que eram poucos. A noção de quantidade do amigo Rui é bastante questionável. Nunca havíamos enfrentado tamanha quantidade de insetos. O cacique é um homem lúcido, inteligente e preocupado com as questões que afetam sua comunidade. Presenteou-nos com algumas velas, já que Prosperidade não possui energia elétrica. O telhado da escolinha não possuía forro e os carapanãs kamikazes zuniam sobre nós sem respeitar o ‘Boa noite’ aceso pelo Romeu e as camadas de repelente que passáramos pelo corpo.
- Café da manhã com o cacique
Tomamos o café da manhã com o cacique e partimos em direção à comunidade de Jerusalém. Tinha chovido muito à noite e a manhã estava fresca e nublada, ideal para a navegação.
- Furo Urutuba
Antes de chegarmos ao Furo, o Romeu resolveu pescar um pouco e conseguimos apanhar apenas dois bodós (cascudos). Fomos acompanhados à retaguarda por um enorme boto cor-de-rosa. Chegamos ao extremo oeste do furo por volta das 12h. Segundo informações obtidas em Tonantins, procuramos Jerusalém no extremo oeste. Sem sucesso, avistamos ao longe, rio abaixo, uma comunidade e nos dirigimos a ela. Um enorme bando de botos tucuxis nos acompanhou com alegres volteios até a comunidade, que, mais tarde, constatamos se tratar de Porto Alegre.
- Porto Alegre
Depois de contatarmos o presidente da comunidade, fomos autorizados a ocupar o Centro Cívico. O Romeu preparou um miojo com farinha, montamos a barraca e o Romeu, novamente, dedicou-se a ensinar as crianças na arte de dominar a técnica de remada nos caiaques.
- Alças invertidas
Partimos de manhã às 6h05min e nos preparamos para enfrentar dificuldades adicionais na orientação. No trajeto que iríamos percorrer, o rio apresentava duas grandes alças como um enorme ‘m’ visto do espaço. Sabíamos que esse tipo de traçado, mais que qualquer outro, significava que o rio mostrava sua ‘inconstância tumultuária’. Os furos se transformam em canais principais e estes por sua vez em trechos assoreados e imprestáveis à navegação, áreas de praia em ilhas e ilhas arrasadas pela força formidável do colossal Solimões. Apesar das dificuldades, conseguimos progredir com sucesso, ora comparando o terreno com os mapas, ora seguindo apenas o instinto e o bom senso aliados a um conhecimento da geografia de um rio em constante mudança.
- Chegando à Jutaí
Em Jutaí, nos dirigimos diretamente ao flutuante do Daniel, como já tinham aconselhado alguns amigos. Nossa recepção, apesar da ausência do Daniel, em tratamento em Manaus, não poderia ser mais cordial. Autorizaram-nos a desembarcar no flutuante e nos convidaram para o almoço. Eles próprios entraram em contato com os policiais militares e nos auxiliaram a carregar o material até a viatura que nos deixou no Tuchaua Palace Hotel. Quando estava escrevendo este artigo, recebi a notícia que o prefeito eleito de Tonantins, que tão gentilmente hipotecara-nos seu apoio, faleceu em um ‘acidente’ logo após sua diplomação, quando se dirigia de voadeira para santo Antonio do Içá.
- Paulo Coelho
De manhã, 17 de dezembro, respondi a alguns e-mails, e fomos até o flutuante do Daniel cumprimentar nossos amigos. A Silvana ligou para o Paulo Coelho e ele ficou de nos receber. Paulo é acostumado a este tipo de tratativas e não se furtou a nos relatar toda sua incrível história de vida. Fomos até o seu sítio, onde cria animais exóticos, peixes como o tambaqui e o pirarucu em lagos ornados por açaís e buritis e diversos locais encantadores para lazer. No local mais alto, contemplando sua magnífica obra, iniciamos a entrevista. Nascido no Espírito Santo, filho de uma família muito religiosa, era considerado a ovelha negra da família. Envolveu-se com a droga e por fim rumou para o norte do país em busca de garimpos. O lucro da faina diária era consumido à noite com drogas, até que um dia resolveu mudar e se tornou um próspero empresário muito bem quisto pela comunidade local. Seu sítio é palco de comemorações locais e Paulo só tem uma cobrança: de que no final dos eventos tudo esteja limpo e arrumado.
O jovem empresário nos levou até o melhor restaurante de Jutaí, restaurante Natureza, com sua magnífica vista para o encontro das águas do rio Solimões com o Jutaí e depois deixou o Romeu no Hotel e eu em uma Lan House. Paulão, como é conhecido, fez questão de pagar 50% das despesas de hospedagem.
(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
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