PICICA: "Um
ponto importante é que informação é poder e as pesquisas de opinião não
são diferentes: expressam um tipo de informação que pode fazer que as
pessoas mudem ou consolidem o seu voto. Os países que nós chamamos de
democráticos são muito mais zelosos, digamos assim, por colocarem regras
em tudo que envolve a informação. O tema informação, mídia, publicidade
e propaganda, pesquisa, tem uma liberalidade incrível no Brasil."
"O brasileiro se informa majoritariamente pela
televisão, que no Brasil é muito boa tecnicamente e muito ruim em termos
de conteúdo – é desprovida de conteúdo. Então é claro que ela forma.
Como diz Manuel Castells [sociólogo espanhol, autor de “Sociedade em
rede”], a mídia enquadra a política. Aonde eu quero chegar: se a
experiência de vida conta, também conta a mídia como agente de
manipulação e enquadramento da política."
"A grande imprensa brasileira tem lado e classe social"
Para Francisco Fonseca, professor da FGV-SP, não há dúvidas de que a mídia brasileira, sobretudo a televisão, atua como formadora de opiniões. No entanto, segundo ele, há um choque entre a informação e a experiência concreta do cidadão. Isso fica evidente também nas campanhas eleitorais como a de José Serra, “que sempre nos mostra hospitais equipados, as AMAs, as UBSs, e no fundo quem vive na periferia sabe que não é assim”. "A grande imprensa brasileira tem lado e classe social", defende Fonseca.
Isabel Harari e Mailliw Serafim
São Paulo - Informação é poder. Pode ser um elemento de manipulação ou de democratização de acordo com a forma como é veiculada. No processo eleitoral, a informação torna-se um instrumento valioso que, de acordo com o cientista político Francisco Fonseca, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), pode mudar o destino da sociedade.
À Carta Maior, Fonseca salienta a importância da democratização da informação no jogo político atual e a necessidade da regulamentação da comunicação, que, segundo ele, deve partir do próprio Estado, como forma de garantir a prioridade dos interesses coletivos em relação aos individuais. “No mundo da informação no Brasil há um verdadeiro laissez-faire, em que o Estado brasileiro intervém pouco, é extremamente frouxo na sua regulação. O jogo da informação pública é um jogo privado, pouco fiscalizado, pouco regrado”, diz.
Carta Maior - Como você enxerga a dinâmica entre a informação e o poder no processo eleitoral?
Francisco Fonseca - Na verdade há um conjunto de fatores para fazer essa avaliação. Um ponto importante é que informação é poder e as pesquisas de opinião não são diferentes: expressam um tipo de informação que pode fazer que as pessoas mudem ou consolidem o seu voto. Os países que nós chamamos de democráticos são muito mais zelosos, digamos assim, por colocarem regras em tudo que envolve a informação. O tema informação, mídia, publicidade e propaganda, pesquisa, tem uma liberalidade incrível no Brasil.
CM - Se a informação é poder, como driblar as promessas e realizações expostas pelos candidatos, muitas vezes irreais?
FF - O que mais afeta o cidadão na sua decisão do voto é a sua própria experiência. Há um choque, se assim posso chamar, entre informação e experiência. A campanha do Serra, que é uma campanha de continuidade do governo, sempre nos mostra hospitais equipados, as AMAs [Assistência Médica Ambulatorial], as UBSs [Unidades Básicas de Saúde], e no fundo quem vive na periferia sabe que não é assim. Existe aí o choque entre informação e experiência. O brasileiro se informa majoritariamente pela televisão, que no Brasil é muito boa tecnicamente e muito ruim em termos de conteúdo – é desprovida de conteúdo. Então é claro que ela forma. Como diz Manuel Castells [sociólogo espanhol, autor de “Sociedade em rede”], a mídia enquadra a política. Aonde eu quero chegar: se a experiência de vida conta, também conta a mídia como agente de manipulação e enquadramento da política.
CM - Pode haver manipulação pelos meios de comunicação na forma da divulgação dos resultados das pesquisas? No site do Ibope, por exemplo, está escrito que sua maior função é “fornecer conhecimento estratégico”. A Globo encomendou uma pesquisa para o Ibope na semana passada, mas o resultado, com o Haddad bem na frente, foi divulgado no SPTV, e não no Jornal Nacional. Se o Serra estivesse na frente, a Globo veicularia o resultado no JN?
FF - A veiculação tem uma importância crucial. Ao meu ver uma lei eleitoral deveria regular não só pesquisas, mas também sua veiculação. O que é básico para ser informado? O voto espontâneo, a rejeição e o grau de tendência das regiões mais populosas. O resto poder dar também, mas isso tem de ser divulgado. O jogo da informação pública é um jogo privado, pouco fiscalizado, pouco regrado. Já foi pior, mas ainda temos de caminhar muito.
Evidentemente, os liberais, os conservadores vão dizer: “é censura, é intervenção. Nem pesquisa mais eu posso fazer!”. Só que não é uma pesquisa sobre se você gosta mais de chocolate ou bolacha, é uma pesquisa que envolve os destinos públicos e coletivos. Tudo que envolve o destino de uma comunidade tem de ser regulado pelo Estado. O direito coletivo, em última instância, se sobrepõe ao direito individual, essa é a marca da democracia. E as pesquisas, tal como são feitas hoje, significam o contrário: o direito individual se sobrepõe ao coletivo.
CM - O Serra disse que poucas vezes as pesquisas foram tão erradas, mas que isso não é por conta de má fé, e sim por dificuldades metodológicas. A consequência disso, segundo ele, é o condicionamento das pessoas, o que traria um prejuízo enorme.
FF - Nós não sabemos o que é erro técnico, má fé ou interesse político. A fala do Serra tem de ser circunscrita, porque ele estava na frente, então é um momento de oportunidade, circunstância. Nessa época, os candidatos, em particular o Serra, que é um candidato que joga as últimas fichas de sua carreira política, quer tirar proveito da pesquisa. É uma fala conjuntural, oportunista. Mas, tirando a questão da conjuntura, é possível dizer que as pesquisas erram.
CM - Existe um choque, no uso das informações, entre os interesses dos institutos de pesquisa privados e os da sociedade?
FF - Todo mundo tem o direito de montar um instituto de pesquisas. Esse é o direito individual, mas e o direito coletivo? Se o instituto faz uma pesquisa na quinta ou na sexta [últimos dias antes da eleição], período em que o grau de confiabilidade é pequeno, então é uma irresponsabilidade o Estado permitir que o direito individual se sobreponha ao coletivo. Nós como comunidade não podemos estar sujeitos a uma informação potencialmente falsa, pois há um incrível transe de mudança de voto do sábado para o domingo e que a pesquisa não vai captar.
CM - Você acha que os institutos de pesquisa têm um viés ideológico?
FF - Em particular o Datafolha, um instituto ligado a um jornal que claramente tem lado. A grande imprensa brasileira tem lado e classe social. Para o meu livro [“O consenso forjado”] eu entrevistei o Otávio Frias Filho. Perguntei a ele o que era opinião pública, o que a Folha de S. Paulo entendia como opinião pública. Ele respondeu que era a classe média: “nós somos um jornal de classe média para a classe média”. E a classe média vota no Serra. Me parece que essa politização da imprensa está respingando nos institutos. Me chama mais a atenção os erros do Datafolha do que os do Ibope. Não estou dizendo que este seja imune, mas o Datafolha tem essa relação com o jornal que claramente tem classe e uma visão de mundo muito específica.
Esses erros podem ser trágicos para o destino do país. No mundo da informação no Brasil há um verdadeiro laissez-faire, em que o Estado brasileiro intervém pouco, é extremamente frouxo na sua regulação, e as pesquisas – embora tenha uma lei, o que já é um avanço – possuem muitas falhas, muitos buracos que precisam ser preenchidos.
Fonte: Carta Maior
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