PICICA: "Mesmo
em uma situação anômala mundial e levando-se em conta que a propriedade
dos grandes meios de comunicação está concentrada em uns poucos
monopólios do grande capital, como você analisa o fenômeno da canalha
midiática na América Latina? Parece que, paulatinamente, vão perdendo a
credibilidade...?
O que bem qualificas
como canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem substituindo os
partidos políticos da direita que caíram no descrédito e que não têm
capacidade de prender a atenção nem a vontade dos setores conservadores
da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o que, Gramsci muito bem
profetizou há quase um século, quando disse que diante da ausência de
organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes
diários, assumem a representação de seus interesses e isso está
acontecendo na América Latina."
“Na América Latina, monopólios midiáticos substituem partidos de direita”, diz Atilio Boron
Em entrevista, o cientista político argentino
afirma que, em praticamente todos os países da região, os conglomerados
midiáticos converteram-se em "operadores políticos”
25/10/2012
Fernando Arellano Ortíz,
do Cronicon.net
Tradução: Adital
O cientista político argentino Atilio A. Boron Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
"Não
há erro: os meios de comunicação simplesmente são grandes conglomerados
empresariais que têm interesses econômicos e políticos. Na América
Latina, os monopólios midiáticos têm um poder fenomenal que vêm
cumprindo na função de substituir os partidos políticos de direita que
caíram em descrédito e que não têm capacidade de chamar a atenção nem a
vontade dos setores conservadores da sociedade”. Assim o politólogo e
cientista social argentino Atilio Boron caracteriza a denominada canalha
midiática.
Nesse sentido, explica, "cumpre-se o
que muito bem profetizou Gramsci há quase um século, quando disse que
diante da ausência de organizações da direita política, os meios de
comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus
interesses; e isso está acontecendo na América Latina”. Em praticamente
todos os países da região, os conglomerados midiáticos converteram-se em
"operadores políticos”.
A Crise do Capitalismo e o triunfo de Chávez
Boron,
que dispensa apresentação por ser um importante referente da teoria
política e das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos expositores
principais do VI Encontro Internacional de Economia Política e Direitos
Humanos, organizado pela Universidad Popular Madres de la Plaza de Mayo,
que aconteceu em Buenos Aires, entre os dias 4 e 6 de outubro.
Tópicos
como a crise estrutural do capitalismo, o fenômeno da manipulação dos
monopólios midiáticos e o que significa para a América Latina o triunfo
de Hugo Chávez foram tratados com profundidade por esse destacado
politólogo, sociólogo e investigador social, doutorado em Ciências
políticas pela Universidade de Harvard e, atualmente, diretor do
Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais do
Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na capital argentina.
Para aprofundar sobre alguns desses temas, o Observatorio Sociopolítico Latinoamericano (www.cronicon.net) teve a oportunidade de entrevistá-lo no final de sua participação em dito fórum acadêmico internacional.
Rumo a um projeto pós-capitalista
No
desenvolvimento de sua exposição no encontro da Universidad Popular de
Madres de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da crise
capitalista.
"Hoje em dia é impossível referir-se
à crise e à saída da mesma sem falar do petróleo, da água e das
questões meio ambientais. Essa é uma crise estrutural e não produto de
uma má administração dos bancos das hipotecas subprime”.
Recordou
que, recentemente, foram apresentadas propostas por parte dos Prêmios
Nobel de Economia para tornar mais suave a débâcle capitalista. Uma, a
esboçada por Paul Krugman, que propõe revitalizar o gasto público. O
problema é que os Estados Unidos estão quebrados e o nível de
endividamento das famílias nos Estados Unidos equivale a 150% dos
ingressos anuais. "Krugman propõe dar crédito ao Estado para que
estimule a economia. Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro porque
decidiram salvar os bancos”.
A outra proposta é
de Amartya Sem, que analisa a situação do capitalismo como uma crise de
confiança e é muito difícil restabelecê-la entre os poupadores e os
banqueiros devido aos antecedentes desses últimos. Por isso, essas não
deixam de ser "pseudo explicações que não levam à questão de fundo. Não
explicam porque caem os índices do PIB e sobem as bolsas. Ambos índices
estariam desvinculados e as bolsas crescem porque os governos injetaram
moeda ao sistema financeiro”.
A crise capitalista
serviu para acumular riqueza em poucas mãos, uma vez que "o que os
democratas capitalistas fizeram no mundo desenvolvido foi salvar os
banqueiros, não os endividados, ou seja, as vítimas”.
Exemplificou
com as seguintes cifras: enquanto o ingresso médio de uma família nos
Estados Unidos é de 50.000 dólares ao ano, o daqueles de origem latina é
de 37.000 e o de uma família negra é de 32.000, o diretor executivo do
Bank of America, resgatado, cobrou um salário de 29 milhões de dólares.
Então,
é evidente que cada vez mais há uma tendência mais regressiva de
acumular riqueza em poucas mãos. Em trinta anos, o ingresso dos
assalariados foi incrementado em 18% e o dos mais ricos cresceu 238%.
"No
capitalismo desenvolvido houve uma mutação e os governos democráticos
transformaram-se em plutocracias, governos ricos”. Porém, além disso, "o
capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos recursos”.
Por isso, citando o economista egípcio Samir Amin, Boron afirma sem medo que "não há saída dentro do capitalismo”.
Como
alternativa, Boron sustenta que "hoje, pode-se pensar em um salto para o
modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que apareçam os
sujeitos sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’ no capitalismo. O
que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o capitalismo
mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim, estaremos em
condições de ver o amanhecer de um mundo mais justo e mais humano”.
A reeleição na Venezuela
Sobre
a matriz de opinião que os monopólios midiáticos da direita têm tentado
impor no sentido de que a reeleição do presidente Chávez é um sintoma
de que ele quer se perpetuar no poder, a análise de Boron foi
contundente:
"Há um grau de hipocrisia enorme
nesse tema, porque os mesmos que se preocupam com o fato de Chávez estar
por 20 anos no governo, aplaudiam fervorosamente a Helmut Kohl, que
permaneceu no poder por 18 anos, na Alemanha; ou Felipe González, por 14
anos, na Espanha; ou Margaret Thatcher, por 12 anos, na Inglaterra”.
"Há
um argumento racista que diz que somos uma raça de corruptos e imbecis;
que não podemos deixar que as pessoas mantenham-se muito tempo no
poder; ou há uma conveniência política, que é o que acontece ao tentarem
limar as perspectivas de poder de líderes políticos que não são de seu
agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde seu filho e seu
neto herdassem o poder, eu estaria em desacordo. Porém, o que Chávez faz
é dizer ao povo que eleja; e, em âmbito nacional, por um período de 13
anos, convocou o povo venezuelano para 15 eleições, das quais ganhou 14 e
perdeu uma por menos de um ponto; e, rapidamente, reconheceu sua
derrota. Então, não está dito em nenhum lugar serio da teoria
democrática que tem que haver alternância de lideranças, na medida que
essa liderança seja ratificada em eleições limpas e pela soberania
popular”.
Confira a entrevista:
A canalha midiática assume a representação de interesses da direita
Hoje,
no debate da teoria política, fala-se de "pós-democracia”, para
significar o esgotamento dos partidos políticos, a irrupção dos
movimentos sociais e a incidência dos meios de comunicação na opinião
pública. Que alcance você dá a esse novo conceito?
Eu
analiso como uma expressão da capitulação do pensamento burguês que, em
uma determinada fase do desenvolvimento histórico do capitalismo,
fundamentalmente a partir do final da I Guerra Mundial, apropriou-se de
uma bandeira -que era a da democracia- e a assumiu. De alguma maneira,
alguns setores da esquerda consentiram nisso. Por quê? Bom, porque
estávamos um pouco na defensiva e, além disso, o capitalismo havia feito
uma série de mudanças muito importantes. Por isso, a ideia de
democracia ficou como se fosse uma ideia própria da tradição liberal
burguesa, apesar de que nunca houve um pensador dessa corrente política
que fizesse uma apologia do regime democrático. Estudavam sobre isso,
possivelmente, a partir de Thorbecke ou de John Stuart Mill; porém,
nunca propunham um regime democrático; isso vem da tradição socialista e
marxista. No entanto, apropriaram-se dessa ideia; passaram todo o
século XX atualizando-a. Agora, dadas as novas contradições do
capitalismo e ao fato de que as grandes empresas assumiram a concepção
democrática, a corromperam e a desvirtuaram até o ponto de torná-la
irreconhecível, perceberam que não tem sentido continuar falando de
democracia. Então, utilizam o discurso resignado que diz que o melhor da
vida democrática já passou; um pouco a análise de Colin Crouch: o que
resta agora é o aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das
grandes transnacionais; os mercados sequestraram a democracia e,
portanto, temos que nos acostumar a viver em um mundo pós-democrático.
Nós, como socialistas, e, mais, como marxistas jamais podemos aceitar
essa ideia. Creio que a democracia é a culminação de um projeto
socialista, da socialização da riqueza, da cultura e do poder. Porém,
para o pensamento burguês, a democracia é uma conveniência ocasional que
durou uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se dela.
Mesmo
em uma situação anômala mundial e levando-se em conta que a propriedade
dos grandes meios de comunicação está concentrada em uns poucos
monopólios do grande capital, como você analisa o fenômeno da canalha
midiática na América Latina? Parece que, paulatinamente, vão perdendo a
credibilidade...?
O que bem qualificas
como canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem substituindo os
partidos políticos da direita que caíram no descrédito e que não têm
capacidade de prender a atenção nem a vontade dos setores conservadores
da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o que, Gramsci muito bem
profetizou há quase um século, quando disse que diante da ausência de
organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes
diários, assumem a representação de seus interesses e isso está
acontecendo na América Latina. Em alguns países, a direita conserva
certa capacidade de expressão orgânica, creio que é o caso da Colômbia;
porém, na Argentina, não, porque nesse país não existem dois partidos,
como o Liberal e o Conservador colombianos; e o mesmo acontece no
Uruguai e no Brasil. O caso colombiano revela a sobrevivência de
organizações clássicas do século XIX da direita que se mantiveram
incólumes ao longo de 150 anos. É parte do anacronismo da vida política
colombiana que se expressa através de duas formações políticas
decimonônicas [do século XIX], quando a sociedade colombiana está muito
mais evoluída. É uma sociedade que tem uma capacidade de expressão
através de diferentes organizações, mobilizações e iniciativas populares
que não encontram eco no caráter absolutamente arcaico do sistema de
partidos legais na Colômbia.
Com
essa descrição que encaixa perfeitamente na realidade política
colombiana, o que poderíamos falar, então, de seus meios de
comunicação...
Os meios de comunicação
naqueles países em que os partidos desapareceram ou debilitaram-se são o
substituto funcional dos setores de direita.
O que significa para a América Latina o triunfo do presidente venezuelano Hugo Chávez?
Significa
continuar em uma senda que se iniciou há 13 anos, um caminho que,
progressivamente, ocasionado algumas derrotas muito significativas ao
imperialismo norte-americano na região, entre elas, a mais importante, a
derrota do projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que
era a atualização da Doutrina Monroe para o século XXI e isso foi
varrido basicamente pela enorme capacidade de Chávez de formar uma
coalizão com presidentes que, não sendo propriamente de esquerda, eram
sensíveis a um projeto progressista, como poderia ser o caso de Lula, no
Brasil e de Néstor Kirchner, na Argentina. Ou seja, de alguma maneira,
Chávez foi o marechal de campo na batalha contra o imperialismo; é um
homem que tem a visão geopolítica estratégica continental que ninguém
mais tem na América do Sul. O outro que tem essa mesma visão é Fidel
Castro; porém, ele já não é chefe de Estado, apesar de que eu sempre
digo que o líder cubano é o grande estrategista da luta pela segunda e
definitiva independência, enquanto que Hugo Chávez é o que leva as
grandes ideias aos campos de batalha, e, com isso, avançamos muito.
Inclusive, agora, com a entrada da Venezuela ao Mercosul, conseguiu-se
criar uma espécie de blindagem contra tentativas de golpe de Estado.
Caso a Venezuela permanecesse isolada, considerado um Estado paria,
teria sido presa muito mais fácil da direita desse país e do império
norte-americano. Agora, não será tão fácil.
Você vê algumas nuvens cinzentas no horizonte do processo revolucionário da Venezuela?
Creio
que sim, porque a direita é muito poderosa na América Latina e tem
capacidade de enganar as pessoas. E os grandes meios de comunicação têm a
capacidade de manipular, enganar, deformar a opinião pública; vemos
isso muito claramente na Colômbia. Boa parte dos colombianos compraram o
bilhete da Segurança Democrática com uma ingenuidade, como aqui na
Argentina compramos o bilhete de ganhar a Guerra das Malvinas. Portanto,
temos que levar em consideração que, sim, existem nuvens no horizonte
porque o imperialismo não ficará de braços cruzados e tentará fazer algo
como, por exemplo, impulsionar uma tentativa de sublevação popular,
tentar desestabilizar o governo de Chávez e derrubá-lo.
Fonte: Brasil de Fato
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