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A Metrópole e uma Ontologia do Desespero-Segurança
Amarelo, Azul e Vermelho -- Kandinsky |
Até que ponto podemos dizer que a esperança e o medo, a dupla-hélice do DNA do discurso tirânico, são dois afetos absolutamente diferentes? A esperança se funda em uma negação da atualidade, um abrir mão do aqui-agora em virtude da Promessa -- o que, embora se deva a um bônus, essa lacuna protelatória é negativa: medo de viver no aqui-agora. E o medo não deixa de ser a espera(nça) da tristeza. O que interessa nos dois, e não me resta muita dúvida, é a promessa e a expectativa. Hoje, contudo, a promessa e expectativa estão postos de outra maneira: é o desespero e a segurança que avançam e se impõem cada vez como a nova matriz do despotismo.
A diferença
está no fato de que as dúvidas sobre a desdita futura, ou passada, são
cada vez mais dissipadas: nunca houve tanta certeza sobre o incerto
quanto hoje, nunca se morreu tanto de véspera. O cidadão recluso e
hipocondríaco das metrópoles pós-pós está certo que, caso saia às ruas e
encontre uma multidão, será vítima de alguma violência ou restará
contaminado por um mal sem cura.
A catástrofe é certa e a única perspectiva que temos, na prática, é das nossas assépticas torres de cristal. Só nos resta a segurança, precisamos lutar por segurança pública -- policialesca e inclemente --, por segurança nos nossos posicionamentos e votos -- estar de lado até mesmo daquilo que é certo enquanto posição minoritária, nunca ousar --, segurança nas nossas mais íntimas relações humanas.
Em Spinoza, a diferença entre o par medo-esperança -- a expectativa ou reminiscência da tristeza-alegria -- e o par desespero-segurança é precisamente a ausência de dúvida. Se temos medo, é em virtude de alguma tristeza que nos marcou -- a exemplo da dor na forja do Contrato, como nos lembra Nietzsche em Genealogia da Moral -- ou que imaginamos que irá nos acometer, mas o desespero é ausência de dúvida sobre o que é por natureza incerto, um senhor abraço à miragem: já não esperamos, irá acontecer.
Na segurança ocorre o mesmo em relação a alegria: mas o suposto aumento de potência da alegria está sempre eivado pelo negativo do deslocamento para o futuro, se dizemos que estamos seguros é porque estamos desesperados, é o desespero pela alegria, ele mesmo, que nos faz paranoicos, estar seguro é estar com a potência reduzida em face de um complexo de coisas que, supostamente, nos faz e fará alegres: a portaria fortificada e blindada do prédio, a cerca elétrica, tudo para o nosso bem passado, presente e futuro, enquanto necessário e insubstituível.
A catástrofe é certa e a única perspectiva que temos, na prática, é das nossas assépticas torres de cristal. Só nos resta a segurança, precisamos lutar por segurança pública -- policialesca e inclemente --, por segurança nos nossos posicionamentos e votos -- estar de lado até mesmo daquilo que é certo enquanto posição minoritária, nunca ousar --, segurança nas nossas mais íntimas relações humanas.
Em Spinoza, a diferença entre o par medo-esperança -- a expectativa ou reminiscência da tristeza-alegria -- e o par desespero-segurança é precisamente a ausência de dúvida. Se temos medo, é em virtude de alguma tristeza que nos marcou -- a exemplo da dor na forja do Contrato, como nos lembra Nietzsche em Genealogia da Moral -- ou que imaginamos que irá nos acometer, mas o desespero é ausência de dúvida sobre o que é por natureza incerto, um senhor abraço à miragem: já não esperamos, irá acontecer.
Na segurança ocorre o mesmo em relação a alegria: mas o suposto aumento de potência da alegria está sempre eivado pelo negativo do deslocamento para o futuro, se dizemos que estamos seguros é porque estamos desesperados, é o desespero pela alegria, ele mesmo, que nos faz paranoicos, estar seguro é estar com a potência reduzida em face de um complexo de coisas que, supostamente, nos faz e fará alegres: a portaria fortificada e blindada do prédio, a cerca elétrica, tudo para o nosso bem passado, presente e futuro, enquanto necessário e insubstituível.
O problema é
o tempo, sempre o tempo, e como ele se articula: se dinheiro é tempo, e
ele o é no capitalismo pós-fordista, testemunhamos a alteração da
percepção do segundo e as relações que envolvem o primeiro; com o
trabalho dissipado pelo dia, do expediente temperado com a página do
facebook aberta até leituras noturnas dos e-mails com os relatórios de
vendas, as coisas saem de lugar.
E quem tem reserva de tempo é quem tem dinheiro, tempo para investir, tempo para recuar e fazer opções melhores, segurança, enquanto quem nada tem, ou tem tempo sob a servidão está em desespero; não é preciso brincar com a ameaça de uso da força ou a promessa do bem-estar (pela adesão aos ditâmes do Estado ou o enriquecimento via trabalho duro), basta negociar o tempo curto e dúctil que resta às pessoas comuns: e elas estão certas do mal que virá, logo, o leque de opções é curto.
Talvez a constatação até intuitiva do império do desespero-segurança leve a pensadores como Badiou a darem um novo estatuto para a esperança: precisamos de esperança nesses tempos, cultivar uma potência entre o tempo de aqui e do porvir. Mas em todo caso, a crença -- e tratamos de algo que será sempre uma crença -- em uma promessa foi o substrato necessário para a construção das redes de segurança social, em outra ponta, da mostra do desespero: "trabalhe e faça parte (da Família, do Estado, da Empresa) porque sem eles você, certamente, estará frito".
O problema, naturalmente, não é criar meios para dar educação e saúde para populações imensas, mas a forma como isso foi criado, de forma tão pueril que acabou perdido e solapado pela reação neoliberal. E esperança não serve nem para as lutas que se iniciam: é preciso de um virtuosismo renascentista como o de Negri -- ou da promessa descumprida do evento Lula, de ser um governo de esperança, quando foi de alegria, apesar de alguma poluição do negativo aqui e acolá.
E quem tem reserva de tempo é quem tem dinheiro, tempo para investir, tempo para recuar e fazer opções melhores, segurança, enquanto quem nada tem, ou tem tempo sob a servidão está em desespero; não é preciso brincar com a ameaça de uso da força ou a promessa do bem-estar (pela adesão aos ditâmes do Estado ou o enriquecimento via trabalho duro), basta negociar o tempo curto e dúctil que resta às pessoas comuns: e elas estão certas do mal que virá, logo, o leque de opções é curto.
Talvez a constatação até intuitiva do império do desespero-segurança leve a pensadores como Badiou a darem um novo estatuto para a esperança: precisamos de esperança nesses tempos, cultivar uma potência entre o tempo de aqui e do porvir. Mas em todo caso, a crença -- e tratamos de algo que será sempre uma crença -- em uma promessa foi o substrato necessário para a construção das redes de segurança social, em outra ponta, da mostra do desespero: "trabalhe e faça parte (da Família, do Estado, da Empresa) porque sem eles você, certamente, estará frito".
O problema, naturalmente, não é criar meios para dar educação e saúde para populações imensas, mas a forma como isso foi criado, de forma tão pueril que acabou perdido e solapado pela reação neoliberal. E esperança não serve nem para as lutas que se iniciam: é preciso de um virtuosismo renascentista como o de Negri -- ou da promessa descumprida do evento Lula, de ser um governo de esperança, quando foi de alegria, apesar de alguma poluição do negativo aqui e acolá.
O despotismo pós-moderno não precisa da força do welfare ou do workfare,
tampouco da ameaça do uso de forças militares, ele apenas e tão somente
negocia a ansiedade alheia frente ao futuro construído, faz apostas
sobre as reservas de tempo, as expectativas e as especulações: o risco,
aquilo que há de mais próprio e belo na vida humana, torna-se problema,
é preciso depositar nossa liberdade para os soberano por conta do
risco.
Foram os removidos ou removíveis que elegeram Paes, enquanto muitos dos que lutaram por eles ficaram no campo eleitoral oposto -- que pouco tinha a oferecer frente ao Um Rio, justamente, por não se aliar ao monstro da classe sem nome. O Rio está mais seguro, afinal. O confronto precisa ser, antes, na concepção de tempo: ao negócio, opôr o ócio. É preciso tornar o tempo não suficiente (segurança), mas devir-abundante. Uma esquerda precisa avança mais e mais no sentido de dizer "ou é para todos ou é para ninguém", na alegria carnavalesca disso, do que "ou tudo ou nada" ou apostar no regime moral da denúncia: "as premissas estão postas, queremos segurança, a falta está introjetada desse modo, eu irei ser complacente com as milícias sim, a minha adesão é funcional, não moral, nem cambiável pela moral".
Em São Paulo, onde o tempo seco da gestão da vida já estão afirmados há tempos, na forma como a polícia planeja a política de habitação e as imobiliárias executam a política de segurança pública, o que está em jogo? Haddad não lidera simplesmente por conta do PT, pela sua campanha, embora ambos catalisem bastante apoio, em contraste com o foi recorrente ao longo do anos 00 com Marta, isso não é suficiente por si só: o que interessa ali, mais do que a presença de corpo e alma de Lula, é o movimento espontâneo da multidão das periferias, nas universidades ou mesmo fora de tudo isso, andando nas ruas; não é Haddad que puxa o movimento, é o movimento que potencializa Haddad e é esse o real evento Haddad: ele está muito além das questões internas do PT, das disputas e das certas poluições burocráticas.
A questão não é que Haddad pouco importe, ele importa, mas importa por nada fazer, por não agir na obstrução dos setores vivos que fazem o partido, dentro e em torno dele. Há tempos não se via algo assim em São Paulo, mas certamente nunca se viu desse modo: é o devir-Brasil de São Paulo, ainda que confrontando-se com o tornar-se Brasil, das disputas, do equilíbrio de poder na base e, é claro, da fome do próprio capital paulistano: sim, o capital paulistano, que sabe muito bem que é o governo federal quem tem dinheiro e disposição para investir na cidade, uma vez que Alckmin, no governo do estado, não tem nenhum nem outro, seja pelo seu plano pouco funcional de economizar em tempos de crise -- o que vai custar muitas prefeituras no interior -- e sua antipatia aguda por Serra.
Como equilibrar, a fome do capital que financia campanhas e controla do mundo e a efetuação das demandas sociais? Foi ser capaz de dar esse nó que permitiu a Lula levar a cabo boa parte das conquistas dos último anos, maquiavelicamente: aliar-se intensivamente com a classe sem nome, sabendo que é você quem está em função dela e que sua força, por sinal, é imensa. São os paradoxos e o jogo complexo de tudo isso que, inclusive, explica Paes no Rio, conservador, capturado e ao mesmo tempo capturante, face direita do Lulismo que não deixa de abrir-se à esquerdização de fora, ao contra-déspota que vem de fora.
O novo biopoder não se volta para organizar o medo da morte, mas o desespero em vida: estar sem tempo, embora a reserva dele não seja nada menos do que anestésico e cancerígeno. Remete o centro da nossa vida para trás, ou para frente, nos prendendo em um ciclo de remorso e angústias, ele se infiltra, o que exige que nos infiltremos: é mais fácil derrota-lo o abraçando e tirando fotos com ele do que o denunciando. Esse biopoder não precisa da nação, mas da pólis, da metropólis global, pequena mônada onde vive um mundo inteiro -- e como diria Clarisse, citada por Negri no Multidão: "O mundo inteiro terá de se transformar para eu caber nele". O nosso mundo é a metrópole, locus mais global do que o próprio globo; nada mais global do que a pautas meramente municipais que pautam, muito mais do que as nacionais, as presentes eleições.
A biopolítica exige um estado de exceção constitutivo, organizar o desejo de vida, de viver intensamente o aqui-agora porque não se ama no amanhã, só no hoje. A emergência dos que foram feito submersos. Se o problema é tempo, que ele seja abraçado e desembaraçado. O novo Brasil entrará em um novo momento nas próximas semanas: a crise mundial, o STF como tribunal de exceção e a fome do capital de um lado, a classe sem nome em sua fúria monstruosa de cupidez do outro.
Fonte: O Descurvo
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