PICICA: "E ai fica um questionamento: qual o caminho para
esses potentes atores sociais? Vejo como caminho a ser trilhado as
Políticas como a Cultura Viva – Pontos de Cultura que é uma política
capaz de reconhecer e de afirmar as manifestações que já acontecem nos
territórios produtivos. É preciso reconhecer o que já tem nos
territórios e dar aos meios uma política comum para que esses atores
sociais continuem como singularidades que se relacionam com outras
singularidades. Reconhecer as dimensões produtivas e criativas dos
movimentos culturais é ir além de uma política cultural. A dinâmica de
produção cultural é uma dinâmica fundamental numa economia do
conhecimento que produz formas de vida a partir de forma de vida. Como
já foi demostrado, para os movimentos culturais/sociais não falta
produção, criação e inovação, faltam recursos para que tudo isso se
multiplique. A solução eles tem: é preciso estimular e não bloquear essa
criatividade essa capacidade de resposta, essa capacidade de se
reelaborar e reinventar que já possuem, e são tão cobiçadas pelo
capitalismo contemporâneo."
Metrópole: onde se produz o comum
24/10/2012
Por Rociclei Silva
Rociclei Silva explica
como o comum da metrópole e sua produção se tornaram o terreno central
da disputa política, inclusive na experiência da pobreza. Ao mesmo tempo
em que a criatividade das redes e coletivos produz imediatamente
potências de resistência, — tais como as expressões e os conteúdos do
hip hop, — se projetam sobre ela os circuitos de exploração e
valorização do capital, cujo discurso em voga reduz a criatividade da
cidade viva em “economia criativa”. Para o autor, revisitando vários
exemplos concretos, é preciso ir além das políticas culturais,
reinventar formas de vida e reapropriar-se do comum que nunca deixou de
ser criado e produzido pela multidão.
(versão escrita e ampliada da fala à Casa de Rui
Barbosa (Rio), no colóquio “Desincubando a criatividade da metrópole”,
ciclo “Brasil menor, Brasil vivo!”, em 4 de outubro de 2012, co-organizado pela UniNômade)
—————————————
Por Rociclei Silva, pesquisador e militante, mantém o blogue Polifonia Periférica – Linguagens e vozes que criam e produzem.
O capitalismo está sempre atento e com olhos bem
abertos, observando e aliciando os movimentos culturais e sociais e seus
territórios de atuação. O que incomoda, inquieta e assusta não só ao
movimento Hip Hop, mas também aos demais movimentos culturais, é
exatamente a reação do capitalismo contemporâneo, tentando capturar,
cooptar e domesticar a produção de subjetividade incessante e frenética
que esses movimentos promovem.
O grafite, o Dj, o rap, o break, as gírias e dialetos
em novelas e outros programas da Rede Globo, as lideranças desses
movimentos em comerciais de bancos, telefonia celular etc mostram a
busca por essas subjetividades, que são fundamentais para a produção
capitalista. Mas eles não querem só o Hip Hop. Querem também o funk, o
charme e demais manifestações que dêem a eles a tão desejada
subjetividade que lhes interessa. A razão desse interesse é simples: a
cultura urbana é produção de riqueza, e a metrópole é o espaço dessa
produção.
Apesar de ser um espaço de realidades paradoxais, a
metrópole sempre proporcionou o surgimento de movimentos culturais e
sociais potentes. O hip hop é um grande exemplo disso: uma cultura
forjada nas ruas, fruto da hibridização de linguagens e culturas que se
cruzaram nos guetos da metrópole. O rap nasceu da fusão da cultura
africana, jamaicana e americana. Já o break veio da comunidade
porto-riquenha que residia nos guetos americanos, mas sofreu a
influência da cultura negra dos guetos nova-iorquinos. Já o grafite, que
surgiu de manifestações políticas estudantis em 1968, na França, também
recebeu influências ao chegar a solo americano. O que quero evidenciar é
que por traz das características internas de uma cultura estão os
conflitos sociais, as interações e as inter-relações.
É importante lembrar que a cultura nasceu em meio ao
caos social que assolava os Estados Unidos na década de 1970. Ou seja, a
cultura hip hop representa nesse momento a resistência dos jovens às
adversidades sociais vividas nos guetos, mais que isso, havia sempre uma
ideia criativa para superar uma necessidade que surgisse. No Brasil, a
cultura é sinônimo de hibridização, mestiçagem e antropofagia. O diálogo
estreito com outros movimentos sociais e culturas urbanas potencializam
mais ainda a cultura e, o que é mais importante, diversificam suas
formas de luta e seu poder de criação e produção.
Por tudo isso, o capitalismo investe não só na cultura hip hop, mas em todas as redes e culturas, buscando extrair
valor da cultura, do saber, do afeto e da sociabilidade. Para isso
procura conectar-se a determinadas dinâmicas de produção do intangível. É
nesse momento que assistimos a Nike fazer uma parceria com
Central Única de Favelas (Cufa) ou com o rapper Mano Brow. Assistimos ao
Santander buscando expandir seus serviços nas periferias utilizando a
imagem do grupo AfroReggae ou a Nextel, utilizando o rapper MV Bill.
Recentemente o Metrô Rio promoveu a Copa Grafitti,
com oficina ministrada com o grafiteiro Airá Ocrespo, para alunos da
rede pública onde os alunos que se destacarem irão participar da pintura
oficial dos muros das 15 estações do Metrô da linha 2. Fica uma
pergunta: os grafiteiros que coordenaram os trabalhos de pinturas do
muro serão reconhecidos como artistas e remunerados como tais? Os alunos
das oficinas também serão remunerados dignamente?
Para o capitalismo contemporâneo conectar-se com
essas culturas e com esses territórios, é conectar-se com as dinâmicas
de produção do intangível, é buscar a fonte do valor que se encontra nas
formas de vidas que se produzem e reproduzem continuamente nesses
mundos. Formas de vida que são potentes manifestações de criatividade,
luta e resistência no seio desse novo ciclo de acumulação do capitalismo
globalizado. É conectar-se com atores sociais que hibridizam o saber e o
fazer em novas e potentes soluções tecnológicas, sociais e culturais.
Ou seja, é a aproximação com a potência da vida dos pobres.
Um exemplo dessa potência é o Movimento Enraizados,
que tem sede no centro de Morro Agudo em Nova Iguaçu, em um espaço com
350m², com biblioteca, telecentro, estúdio de áudio e vídeo, lanchonete,
auditório, cineclube e mais diversas atividades para os jovens e
adolescentes. O movimento atendeu 120 crianças, 600 adolescentes e 180
jovens no ano de 2010, em projetos como o Pontão de Cultura Preto Ghóez
Juventude Digital, Projovem Adolescente e Enraizadinhos. A Rede
Enraizados é o Núcleo de Audiovisual que tem produção e difusão de
Filmes, Videoclipes, Músicas, Coletâneas, gravação e venda de CDs e
DVDs; o Cineclube Enraizados, com foco no cinema nacional e
documentários; Rede de Comunicação Alternativa, composta por fanzines,
e-zines, jornais de bairros, internet, rádios comunitárias e livres.
Outro exemplo é o Coletivo Visão da Favela Brasil,
que atua no Morro Santa Marta com diversas atividades para toda a
comunidade. Entre as diversas atividades destacamos: Pintando o Morro:
Toda semana convidados um Graffiteiro da cidade do Rio de Janeiro, para
realizar o graffite dentro do morro Santa Marta. O Graffiteiro tem a
liberdade para escolher o tema da pintura. Seja critica social ou
entretenimento. Cria Filmes: Núcleo de Cinema, onde se
criam filmes, reportagens, edições, oficinas de cinema. Em 2008, o
Núcleo produziu de forma autônoma o Curta Metragem: 788 com 12 minutos
de duração, que ganhou prêmio como melhor filme no Brasil Belo
Horizonte, como melhor Imagem. E na Holanda, como melhor filme de
ficção. Sessão Santa Marta: Cine Clubismo, realizado no
bar cultural do Zé Baixinho, quinzenalmente. Na Sessão Santa Marta, são
exibidos filmes nacionais e lati americano, com debates. – Gratuito. Jornal Comunitário:
O Jornal Visão da Favela Brasil, é um periódico, de formato A4, de
distribuição gratuita, dentro e fora do morro Santa Marta. Neste
veículo, debatemos historia dos trabalhadores, favela, segurança
publica, educação, e comunicação popular. VídeoTeca:
Visão da Favela Brasil. Diversos filmes no acervo da videoteca, para
empréstimos gratuitos. Filme que retrata a historia da ditadura militar
no Brasil, movimentos sociais, educação, segurança pública, sobre
favelas, greves em São Paulo, hip-hop, nazismo e etc. Oficinas de Comunicação Popular:
Ministram oficinas de comunicação Popular. Como montar uma rádio
comunitária, divulgar os fatos na favela que mora, criar seu jornal
comunitário, montar e alimentar um blog, postar fotos e vídeos na
internet, usar o programa: Photoshop, para diminuir fotos e salvar em
diversos arquivos. Biblioteca Evolução: promove
empréstimos de livros, para os moradores do morro de forma gratuita. No
acervo da Biblioteca está disponíveis livros com temas diversos como:
Sociologia, pedagogia, comunicação, psicologia, política, cultura e
história.
No ano de 2001, o rapper e ativista Fiell, integrante
do Coletivo Visão da Favela, criou a grife Movimente-se. A proposta é
produzir uma roupa que represente o pobre, vista bem, de bom material e
que seja acessível para todos: Mcs, estudantes, trabalhadores em geral. E
Por que Movimente-se? Movimente-se foi inspirado na frase da
revolucionária; Rosa Luxemburgo: “QUEM NÃO SE MOVIMENTA, NÃO SENTE AS
CORRENTES QUE O PREDEM”.
O que fica claro é que a criatividade está na
metrópole e é um processo social fruto das interações e relações
sociais. Fruto da miscigenação de linguagens, culturas, afetos. Mas
precisamos ver a criatividade não como um processo excepcional, mas sim
como a construção de toda uma sociedade. Construção de novas formas de
atuar, produzir, organizar, intervir e consumir. Mas se a criatividade
está na metrópole então o que é a metrópole hoje? A metrópole é o local
da produção é o local do comum que se constitui pela cooperação e
colaboração. A cidade é biopolítica. A riqueza não nasce mais da
fábrica, mas das relações sociais organizadas de produção. Conforme
afirma Antonio Negri “A metrópole é um mundo comum. Ela é o produto de
todos – não vontade geral. Mas aleatoriedade comum”.
Dentro dessa nova dinâmica de produção de riqueza os
movimentos sociais/culturais e os territórios produtivos, ricas fontes
de produção, criação e inovação, ficam em evidência e tornam-se alvo do
desejo do capitalismo contemporâneo que se mobiliza para capturá-los
seduzi-lo e fazer uso deles ou até mesmo se apropriar dos mesmos. Uma
vez capturados são domesticados e passam a servir de energia produtora
alimentando o capital. Mas o assédio a esses movimentos e territórios
não vem só dos representantes do capitalismo, parte também de
organizações governamentais e não governamentais que se dizem contra o
capitalismo, mas que não enxergam ou não conseguem enxergar essas
manifestações como multidão, como um conjunto de singularidades que
cooperam entre si, uma multiplicidade de grupos e de subjetividades.
Algumas vezes não reconhecê-los como multidão é pura falta de
conhecimento e a necessidade de trocar os óculos. Mas em muitas das
vezes não reconhecê-los como multidão é a forma de exercer o poder sobre
eles impondo a homogeneização e verticalização. Para tanto, basta
oferecer uma bela ajuda financeira ou a ampliação de suas atividades e
melhorias de seus equipamentos, na sua grande maioria precária e
carente.
E ai fica um questionamento: qual o caminho para
esses potentes atores sociais? Vejo como caminho a ser trilhado as
Políticas como a Cultura Viva – Pontos de Cultura que é uma política
capaz de reconhecer e de afirmar as manifestações que já acontecem nos
territórios produtivos. É preciso reconhecer o que já tem nos
territórios e dar aos meios uma política comum para que esses atores
sociais continuem como singularidades que se relacionam com outras
singularidades. Reconhecer as dimensões produtivas e criativas dos
movimentos culturais é ir além de uma política cultural. A dinâmica de
produção cultural é uma dinâmica fundamental numa economia do
conhecimento que produz formas de vida a partir de forma de vida. Como
já foi demostrado, para os movimentos culturais/sociais não falta
produção, criação e inovação, faltam recursos para que tudo isso se
multiplique. A solução eles tem: é preciso estimular e não bloquear essa
criatividade essa capacidade de resposta, essa capacidade de se
reelaborar e reinventar que já possuem, e são tão cobiçadas pelo
capitalismo contemporâneo.
Encerro minha reflexão com as palavras de Walter Benjamin: “As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente inquieto, eternamente agitado, que entre os muros dos prédios, vive, experimenta, reconhece e inventa tanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes”. É no experimentar, inventar e criar que a multidão resiste. Da força da vida vem à força da produção que é a única maneira de lutar.
Fonte: Rede Universidade Nômade
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