agosto 31, 2014

"Maternidade condenada", por Andrea Dip (PÚBLICA - AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO)

PICICA: "Mesmo protegidos por diversas leis e tratados internacionais, mães encarceradas e seus filhos têm direitos violados" 

Maternidade condenada


Mesmo protegidos por diversas leis e tratados internacionais, mães encarceradas e seus filhos têm direitos violados

Clarice* abre a porta de casa com o filho no colo, um menino bonito e falante de dois anos de idade, que mostra a roupa nova, o cachorro, se agarra no pescoço dela e diz “ó, essa é minha mãe”. Lá dentro, a avó ajuda a dar conta dos outros dois filhos, uma menina de 15 e um menino de 13, que chegam da escola.

Quando a entrevista começa a avó tira as crianças da sala e o sorriso desaparece do rosto de Clarice. “Eu tive dois filhos dentro do sistema penitenciário. O primeiro algemada pelos pés e pelas mãos”, diz. “Morava na rua por causa do crack e aos 18 anos me chamaram para participar de um assalto a um ônibus. Estava doente e grávida, e quando você está na fissura, não pensa. Fui presa, sentenciada a 5 anos e 4 meses. Tomei banho gelado os nove meses de gravidez. Quando minha bolsa estourou, fiquei umas quatro horas esperando a viatura. Fui de bonde (camburão) pro hospital, sentada lá atrás na lata, sozinha e algemada. Tive meu filho algemada, não podia me mexer. Fui tratada igual cachorro pelo médico. De lá fui pra unidade do Butantã com meu filho, achando que iria amamentar os seis meses, mas tinham reduzido pra três. Lembro que encostei a cabeça na grade e vi os pés da minha mãe e os da minha filha por debaixo da porta e pensei ‘é agora’. Pedi, implorei pra não levarem. Quando entreguei, nem olhei pra trás. Fiquei todo o período sem ver meus filhos porque era muito sofrido pra todo mundo. Nem perguntava se ele já estava andando, se tinha dentinho… Até hoje meu filho não é meu, é da minha mãe, a gente não conseguiu criar esse vínculo. Quando fui solta tive outro surto e voltei a morar na Cracolândia. Faz dois anos fui presa de novo, peguei aquela época da revitalização do centro, que eles prendiam todo mundo, a maioria usuário, não traficante. Eu tenho sete passagens por tráfico e se você pegar meus papéis vai ver que foi sempre uma pedra, um cachimbo e 5 reais …”

Ela respira fundo e retoma a história dessa última prisão: “Estava grávida de novo e tinha acabado de descobrir que meu namorado era HIV positivo. Pensei ‘pronto, acabou. Não vou fazer meu filho sofrer’”. Pegou então um dinheiro dado pela sogra e gastou tudo em pedras de crack: “Queria morrer de uma vez”. Antes de acender o primeiro cachimbo, porém, foi presa, acusada de tráfico. “Os policiais dizem que me viram pegando um dinheiro mas é mentira, juro pelo meu filho que naquele momento eu tava tão louca que só queria morrer”, diz.
Clarice foi levada para a Penitenciária Feminina da Capital quando fez o exame e descobriu que nem ela nem o filho tinham o vírus. Dali saiu de ambulância para o seu segundo parto. Desta vez ela não foi algemada – o uso de algemas durante o parto só foi proibido em 2012, apesar de consistir em óbvia violação de direitos humanos. A Pública teve acesso a uma decisão judicial de 30 de julho passado, condenando o Estado de São Paulo a pagar indenização  a uma mulher algemada durante o parto em 2011 (a decisão na íntegra está no fim da reportagem).

Mas o tratamento recebido por Clarice depois do parto não melhorou.”Passei 15 dias fechada com meu bebê em um quarto muito pequeno, sem escovar o dente, lavar o cabelo, pentear, porque só me deram um pedaço de sabão”, conta. Para vestir, “uma calcinha descartável e o avental sempre sujo porque eles dão aquele aberto e eu tinha vergonha de ficar pelada na frente dos policiais (que vigiavam o quarto). Daí quando me traziam um limpo, colocava na frente e deixava o sujo atrás. Eu não reclamava porque sabia que ia ouvir: ‘Não tá feliz? Entrega o filho pra sua mãe ou manda pro abrigo e volta pra onde você tava’ porque é isso que a gente ouve 24 horas por dia.”

Do hospital Clarice foi com o bebê para o COC (Centro de Observação Criminológica) mas dessa vez não foi obrigada a se separar do filho; conseguiu um habeas corpus por problemas de saúde e, longe do crack, ficou morando com a mãe e os filhos, fazendo faxina, doce, sem conseguir emprego fixo nem mesmo no programa do governo para egressos. Há alguns dias recebeu a sentença do juiz, que a condenou a seis anos por tráfico. “A defensora que está me ajudando disse que a gente ainda tem uns recursos pra tentar mas eu durmo e acordo todo dia agarrada no meu bebê, com medo de tirarem ele de mim. Eu preciso de emprego fixo pro juiz. Se me mandarem pra lá de novo, eu não vou ter força. Se eu voltar pra lá, eu vou morrer”.

Clarice e seu bebê / Foto: Ruy Fraga
Clarice e seu bebê / Foto: Ruy Fraga

A história de Clarice, paulistana de 35 anos, é semelhante à de milhares de mulheres mães encarceradas no país. Ela também se encaixa no perfil da mulher em situação prisional no Brasil: “Jovem, de baixa renda, em geral mãe, presa provisória suspeita de crime relacionado ao tráfico de drogas ou contra o patrimônio; e, em menor proporção, condenadas por crimes dessa natureza” segundo a pesquisa “Dar a Luz na Sombra”, realizada por Ana Gabriela Mendes Braga (doutora e mestre em Criminologia e Direito Penal) e Bruna Angotti (mestre em Antropologia Social e especialista em Criminologia), do projeto “Pensando o Direito” da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o IPEA, que deve ser lançada nos próximos dias. As pesquisadoras visitaram penitenciárias em vários estados do país durante oito meses.

A quantidade de mulheres encarceradas no Brasil cresceu 42% entre 2007 e 2012, segundo o levantamento mais recente do InfoPen Estatística, do Ministério da Justiça. Em dezembro de 2007, havia 24.052 mulheres nas prisões brasileiras; cinco anos depois, 35.072 presas, correspondentes a 6,4% de um total de 548.003 presos. Entre 2007 e 2012, o crescimento das presas por tráfico de drogas foi de 77,11%, sendo o que mais encarcera mulheres, com 10,3% das condenações, de acordo com os dados do InfoPen. Em São Paulo, Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), 12.198 mulheres estão presas, sendo 9376 por tráfico de drogas.

O número de mulheres grávidas, com filhos pequenos ou amamentando começou a ser contabilizado e acompanhado recentemente no Estado de São Paulo – onde está a maior população carcerária do país – pelo programa “Mães do Cárcere” da Defensoria Pública de São Paulo. Em 2012 entraram para o sistema penitenciário paulista 2579 mães, com 6.027 filhos no total – 2.923 deles com menos de 7 anos; 74 estavam amamentando e 110, grávidas. Segundo informações da SAP, o estado tem hoje 118 bebês em unidades prisionais do estado.

São Paulo tem 8 unidades prisionais teoricamente preparadas para que as presas exerçam o direito à maternidade e as crianças o de ficar junto da mãe, principalmente nos primeiros anos de vida. Um direito violado mesmo no período de amamentação  apesar das orientações do ministério da Saúde sobre a importância do leite materno até dois ou três anos de idade, como enfatiza o defensor público Bruno Shimizu, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária. “O Estado diz para fazer de um jeito e o Estado mesmo não cumpre”, diz.

Violação de direitos de mães e filhos

O artigo 5o da Constituição Federal assegura às presidiárias “condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”; A Lei de Execução Penal (LEP) exige que “os estabelecimentos penais destinados a mulheres” sejam dotados de “berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade”, além de “seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos”. A LEP também estabelece preferência para “penas não privativas de liberdade” para mulheres grávidas e com filhos dependentes. Isso sem mencionar o Estatuto da Criança e do Adolescente e as Regras de Bangkok para o tratamento da mulher presa, aprovadas pela ONU em dezembro de 2010.

“Nós temos todas estas leis mas a maioria delas não é aplicada minimamente” diz o defensor Bruno Shimizu. “Em São Paulo a gente pode dizer com propriedade que estas creches não existem e que a criança fica no máximo 6 meses com a mãe. Depois é arrancada, mandada para a família da presa ou para um abrigo. Se não há vagas nas unidades preparadas, elas são separadas dos bebês na hora”, denuncia o defensor.

A ONG Artemis, que atua na promoção da autonomia feminina através de políticas públicas, tem acompanhado casos assim: “Nós recebemos a denúncia de que bebês de mulheres presas têm sido separados das mães alguns dias após o parto e encaminhados para abrigos com explicações por vezes muito vagas” diz a diretora jurídica da organização Ana Lúcia Keunecke. Procurada pela reportagem, uma voluntária do abrigo que não quis se identificar confirmou: “Chegaram três recém nascidos aqui nos últimos meses. Os relatórios dizem coisas como ‘ela teve um surto psicológico portanto não é capaz de cuidar’. Não existe muito rigor, depende da visão pessoal dos profissionais”, disse.

Por violações como essas a Artemis pretende levar o Brasil à Corte de Haia. “A questão das mães encarceradas é muito séria, principalmente do ponto de vista da Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não podemos mais permitir que essas mulheres tenham suas penas transformadas em perpétuas, tendo vínculos quebrados de forma tão dramática, perdendo a guarda de seus filhos e tendo tantos direitos violados”, diz Keunecke.

Condenadas por tráfico

Para a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Kenarik Boujikian Felippe a relação do judiciário com as presas é atravessada por conflitos de gênero e pelo rigor excessivo em relação a determinados crimes. “O Judiciário é muito duro com o tráfico e já existe culturalmente uma dureza em relação à conduta da mulher em relação a criminalidade. No meu gabinete, a pilha maior é de processos de tráfico mas a maioria não é presa com um volume grande de drogas”. Sobre as mães no cárcere, Kenarik diz: “Muito da não concordância com a permanência das crianças nos presídios é por conta das más condições dos locais. Mas você não pode tirar um direito porque não deu condições”.

A reportagem não obteve a autorização judicial antes do fechamento da matéria para visitar as unidades prisionais preparadas, mas ouviu queixas de falta de vagas, de inadequação de ambiente e de cuidados com mães e filhos. “A gente já recebeu várias denúncias tanto da falta de equipe médica quanto de alimentação, do local ser frio, na Penitenciária Feminina da Capital” diz a defensora pública Verônica Sionti sobre a unidade que recebe atualmente 74 bebês. Apesar de, segundo a SAP, mães e crianças receberem um kit com roupas, cobertor, itens de higiene e frequentar regularmente o pediatra, Laura*, funcionária do Sistema Penitenciário de São Paulo, conta que na ala de puérperas da PFC “não tem pediatra e tem poucos ginecologistas para uma população carcerária enorme”. A terapeuta ocupacional Luiza*, que trabalhou em uma unidade prisional hospitalar, também aponta problemas sérios. “Elas não recebiam nem um brinquedo para os bebês nem roupas suficientes. Muitos tinham algum tipo de atraso no desenvolvimento pelo simples fato de não terem estímulo, nada para pegar, morder.” O mais grave, porém, é a separação brutal de mães e bebês. “Imagine que esse bebê acorda e dorme olhando para essa mãe por seis meses. De repente isso acaba. Do ponto de vista do desenvolvimento dele e da constituição enquanto sujeito a gente não pode prever o que vai acontecer”, explica Luiza*. 

Joana vai presa, os filhos também

A prisão de Joana por tráfico, há 4 anos, deixou marcas profundas em sua família. Mãe solteira de três filhos, única responsável pelo sustento da casa, ela ficou durante dois anos e sete meses na Penitenciária Feminina Sant’ana. “Quando eu fui presa espalhou, né? Minha menina de 12 foi para a casa da minha irmã, o mais velho, com 20, estava preso e o do meio, com 16 ficou morando sozinho na casa” lembra. Grávida de 4 meses ao entrar na prisão, acabou perdendo o bebê pela demora em obter socorro hospitalar, conta, mas logo começou a trabalhar dentro da penitenciária para mandar dinheiro pra casa. Com sua ausência, porém, o filho adolescente começou a roubar. “Eu ligava pra ele e ele dizia ‘olha mãe, tô saindo pra roubar. Não tenho o que comer e não vou ficar mendigando prato de comida pros outros’. Faz pouco tempo, ele também foi preso”, diz, já em liberdade – ela acabou de cumprir a pena em 2012.

A funcionária Laura* confirma que a maior parte das presas trabalha e continua sustentando as famílias, já que os pais costumam ser completamente ausentes. Como não existe licença maternidade na prisão, quando dão a luz tem de escolher entre entregar o filho e voltar para o trabalho ou deixar de mandar dinheiro para casa.

A juíza Kenarik aposta em uma mudança no próprio judiciário – citando como positivos encontros que têm sido realizados pelo CNJ sobre a questão de gênero. Na pauta do debate, a desagregação familiar provocada pela reclusão da mulher, que poderia ser minorada respeitando a preferência estabelecida pela lei por regimes semiabertos ou de prisão domiciliar. Nesse sentido, a dureza da legislação contra o tráfico e a visão discriminatória da mulher citadas pela juíza estão entre os primeiros obstáculos.

Quando Joana foi presa, o filho começou a roubar / Foto: Ruy Fraga
Quando Joana foi presa, o filho começou a roubar / Foto: Ruy Fraga
Estrangeiras

A situação das mulheres detentas é ainda pior quando são estrangeiras. Sem família ou amigos no país, sem residência fixa para ter direito à prisão domiciliar e geralmente com dificuldades de comunicação, elas têm de contar com a boa vontade dos profissionais do sistema penitenciário e dos consulados de seus países para seus filhos não irem direto para abrigos, como explica Isabela Cunha, do “Projeto Estrangeiras” do Instituto Trabalho e Cidadania (ITTC), que faz um acompanhamento jurídico e social dessas mulheres: “As estrangeiras não tem para quem entregar os bebês e o contato com as famílias ás vezes é bem difícil. Tem consulado que ajuda e tem consulado que não faz nada. E se a família não tem dinheiro para buscar a criança, a mãe é obrigada a mandar para o abrigo. Aí eles ficam sob custodia do judiciário da vara da infância”.
Michael Mary Nolan, presidente do ITTC, complementa que grande parte das estrangeiras presas têm filhos pequenos e passam por graves dificuldades financeiras. “Uma ou outra são presas por  pequenos furtos. A maioria vai por tráfico e é presa com pequenas quantias, muitas vezes delatadas pelos próprios traficantes para alguém com mais drogas passar”, diz.

A filipina Muriel* é uma delas. Foi presa no Aeroporto de Guarulhos por tráfico de drogas, ainda no início da gravidez. Falando inglês com dificuldade, ela conta que teve muitos problemas para entender os funcionários, e teve que lutar para conseguir manter o filho com ela na Penitenciária Feminina do Butantã até os oito meses. “Eu sabia que sairia em pouco tempo e não queria que ele fosse para um abrigo”.Então o bebê foi enviado para o abrigamento. “Sofri muito, foi muito ruim ficar longe, mas o ITTC me ajudou a saber onde ele estava e quando eu saí para o regime aberto, três meses depois, fui atrás dele”. Com ajuda do ITTC, ela conseguiu um trabalho, um lugar para morar e hoje está com seu filho. Mas nem todas têm a mesma sorte.

“A gente conseguiu algumas prisões domiciliares de estrangeiras porque elas iam para a Casa de Acolhida, que é um espaço que recebe egressas e refugiadas. Mas a casa está lotada, e para prisão domiciliar elas precisam de endereço fixo. Até agora não tem nenhuma política pública nesse sentido. A prefeitura está abrindo um espaço e o Governo do Estado vai abrir outro, mas ainda não estão prontos e serão para refugiados apenas. As mulheres encarceradas teriam de concorrer às vagas com estas pessoas em óbvia desvantagem”, diz Isabela.

Segundo o ITTC há atualmente 4 estrangeiras gestantes na Penitenciária Feminina da Capital ; 3 estrangeiras na mesma unidade junto com seus filhos de 2 a 3 meses de idade; 5 estrangeiras presas com filhos abrigados e uma estrangeira no CPP Butantã cujo filho também está abrigado.

A filipina Muriel conseguiu recuperar o filho que estava abrigado / Foto Ruy Fraga
A filipina Muriel conseguiu recuperar o filho que estava abrigado / Foto Ruy Fraga
Veja aqui, em primeira mão, a decisão que condena o Estado de São Paulo a pagar indenização a uma mulher por dar à luz algemada:


*Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas

"“A população clama por saúde”, afirma Ana Costa" (CEBES)

PICICA: "Como toda eleição, a discussão sobre saúde é um dos pontos mais polêmicos. Não está sendo diferente nas eleições gerais de 2014, que englobam presidência da República, senado, deputados estaduais e federais, além de governadores. O tema é de tamanha relevância que a candidata à reeleição, a presidenta Dilma Roussef, foi duramente questionada no Jornal Nacional do último dia 18/08, segunda-feira, sobre o tema."


“A população clama por saúde”, afirma Ana Costa

“A população clama por saúde”, afirma Ana Costa

Como toda eleição, a discussão sobre saúde é um dos pontos mais polêmicos. Não está sendo diferente nas eleições gerais de 2014, que englobam presidência da República, senado, deputados estaduais e federais, além de governadores. O tema é de tamanha relevância que a candidata à reeleição, a presidenta Dilma Roussef, foi duramente questionada no Jornal Nacional do último dia 18/08, segunda-feira, sobre o tema.

Em uma conversa franca com o site do Icict, Ana Costa, presidente do Cebes, fala sobre a atual política brasileira, o Sistema Único de Saúde (SUS), a questão dos recursos humanos, o gasto público e o que os políticos devem levar a sério nestas eleições.

Que pontos a senhora destacaria na atual política de saúde do Brasil?

O aspecto positivo mais importante a ser destacado é o início do enfrentamento da questão dos recursos humanos para o SUS, que nunca havia merecido atenção na política de saúde. Não há melhoria de qualidade e universalidade de cobertura sem trabalhadores suficientes, comprometidos e adequados. O Mais Médicos, que precisa se tornar Mais Trabalhadores, assume a mudança na ampliação de vagas e no modelo da graduação e na residência e com isso dá um grande passo. A necessidade da presença dos intercambistas no país exibe a dimensão da falta desses profissionais e de toda a equipe. Estamos no rumo de uma verdadeira mudança.

Entretanto, sobrevive o subfinanciamento. Embora o PIB (Produto Interno Bruto) setorial tenha aumentado substantivamente nos últimos anos, esse aumento não ocorreu pelo investimento público. O gasto público com saúde é muito baixo e as famílias que ficam com o maior gasto do setor, sentem no bolso o desamparo com a saúde. Mesmo com políticas voltadas a redução do custo de medicamentos, é com medicamentos que as pessoas e famílias gastam mais, particularmente aquelas de menor renda. Estas contradições precisam ser enfrentadas.

Mas, o SUS avança e precisa avançar ainda mais. Os seus impactos positivos são evidentes e as atuais e próximas mudanças no padrão demográfico e epidemiológico tornam o SUS cada vez mais uma política de Estado fundamental no cuidado da população, especialmente dos idosos que requerem abordagem domiciliar e institucional, tratamentos prolongados e caros.

Neste momento político, algumas vozes pregam a segmentação da atenção à saúde e a privatização, em contradição à ideia universalista do Sistema Único de Saúde. 

Isso seria inconstitucional já que nossa Constituição define o sistema de saúde brasileiro como único, universal, integral e público.

Que impactos teria a segmentação da atenção à saúde para a população brasileira?

Para a população seria um retrocesso de seu direito à saúde. A saúde, mesmo que aberta às iniciativas do mercado, não pode ser regida pelas suas lógicas.

Sabemos que entre os candidatos, há um projeto de campanha registrado no TSE que rompe com o sistema público e defende solução para a saúde pela via da privatização. Esperamos que o povo saiba distinguir o significado dessa proposta política e reagir a seu favor.

Em recente pesquisa publicada pelo Datafolha, feita sob encomenda do Conselho Federal de Medicina (CFM), foram divulgados os seguintes dados: “Para os entrevistados que disseram ter utilizado algum serviço do SUS, 26% consideram a qualidade do atendimento como ruim ou péssimo; 44% avaliam como regular; e 30% considera a qualidade boa ou excelente”. O que pode parecer – à primeira vista – que a população não tem uma ideia tão negativa do SUS, embora o pensamento “predominante” seja que o SUS deixe muito a desejar ou simplesmente não funcione. O que falta para a população acreditar no SUS e defendê-lo?

Primeiro, é importante registrar que existem muitas pesquisas realizadas em diversos anos com resultado assemelhados, que convergem para a constatação de que a população avalia mal o acesso ao SUS, apontando dificuldades, mas ao serem atendidos, o avaliam positivamente.
Repare que, apesar dessa pesquisa do CFM estar no campo das pesquisas de opinião com pequenas amostras, o que indica de partida que seus resultados necessitem confirmação por futuros estudos mais representativos, chama a atenção que a nota para a saúde em geral é pior do que para o SUS: 46% da população confere nota cinco e mais para o SUS e, para saúde, que inclui o setor privado, a nota é somente 40%.

Um dos problemas desse limite da amostra é que provavelmente não seja suficiente para fazer avaliações sobre procedimentos específicos como cirurgias, radioterapia ou hemodiálise, já que esse tipo de pesquisa somente poderia ser realizado com pessoas que passaram pela experiência de uso deste tipo de serviço. Em outras pesquisas, justamente estes procedimentos são muito bem avaliados. Estamos esperando a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, que é de fato uma pesquisa robusta e poderá nos oferecer melhores informações sobre o assunto.

A regionalização da saúde é um caminho para melhorar a política de saúde do Brasil?

Desde sempre a regionalização é um caminho para melhorar o acesso e garantir direito à saúde. Um município sozinho não dá conta de resolver e oferecer o conjunto de recursos de saúde que uma população necessita. É preciso retomar o abandonado projeto da regionalização com o apoio e o compromisso dos estados, das secretarias estaduais, com mecanismos inovadores de gestão regional, com o estabelecimento de relações interfederativas pautadas pelos princípios do SUS e com o compromisso dos interesses públicos da saúde.

Os consórcios entre municípios que já foram experimentados precisam ser retomados na perspectiva das regiões de saúde hoje definidas. As secretarias estaduais de saúde devem assumir a regência do processo, garantindo acesso aos serviços de saúde inclusive quando os territórios vivos e reais expandem os limites formais de suas responsabilidades administrativas.

A presidenta e candidata à reeleição, Dilma Roussef, em entrevista ao Jornal Nacional, falou sobre os avanços no atendimento à atenção básica com a implantação do Programa Mais Médicos e a Samu – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Mas, além disso, o que poderia ser implementado para melhorar o sistema de saúde brasileiro?

Os últimos governos expandiram de 16 mil em 2002 para 35 mil equipes de saúde da família em 2013, logo a expansão da atenção básica nos últimos anos foi muito grande. Ainda temos problemas de qualificação da atenção primária, de vinculo e responsabilização com a “coordenação” da saúde da população do território ou seja, ainda não “mudamos” a cultura como esse modelo proposto exige. As mudanças nas diretrizes curriculares de formação dos profissionais é um passo importante para isso.
O Samu cobre esse enorme contingente das populações urbanas e é muito bem avaliado. Mas ainda há gargalos nas emergências e prontos-socorros que precisam de melhorias.

É também preciso melhorar o acesso a exames e às consultas especializadas, os ambulatórios especializados de retaguarda para a atenção primaria. Assim como o acesso as UTIs (unidades de terapia intensivas). Avançaram a oferta de cuidados domiciliares, muito importante para as pessoas com doenças crônicas e que não são oferecidos pelos planos privados. Mas, é preciso ampliar mais.
Há muito o que fazer, embora o muito já feito. Sem recursos, é impossível. Os recursos são necessários para investimento nestas prioridades. Daí, voltamos ao que foi mencionado incialmente: a saúde precisa ter um lugar privilegiado e a política econômica não pode entender a saúde como gasto. Saúde é investimento, é setor produtivo e é direito a ser garantido pelo Estado.

A população clama por saúde e o candidato ou candidata que não ouvir isso provavelmente não terá performance boa nas urnas. Chega de milagres de marqueteiros que tiram da cartola programas mirabolantes que nada têm a ver com a consolidação do SUS. O que esperamos é um debate eleitoral que aponte soluções para valer para a saúde: para todos, com prontidão, com todos os serviços e com muita qualidade. Com o fortalecimento do setor público.

Fonte: Icict/Fiocruz, Por Graça Portela

Fonte: Cebes

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"En casa de Borges, un día de 1985", por Christian Ferrer

PICICA: "Para no abundar en citas pertinentes basta con recordar que, ya de grande, había dicho a Joaquín Soler Serrano, el bien conocido periodista de la televisión española: “Soy anarquista. Siempre he creído fervorosamente en el anarquismo. Y en esto sigo las ideas de mi padre. Es decir, estoy en contra de los gobiernos, más aún cuando son dictaduras. Y de los estados”. En el prólogo a El informe de Brodie, su última ficción publicada, de 1970, incluyó este pronóstico: “Con el tiempo nos mereceremos que no haya gobiernos”. Borges era un “modesto anarquista” que creía en los individuos, no en el Estado. Tampoco era individualista, al revés que los compatriotas, que todo se lo reclaman al Estado sin disposición alguna de entregarle algo a cambio."

por Christian Ferrer


Éramos tres anarquistas a la puerta de la casa de Jorge Luis Borges, en la calle Maipú, año 1985. Conseguir la cita fue sencillo. Sólo consistió en buscar el número de teléfono en la guía correspondiente. Estaba. Luego fue cosa de hacer una llamada, ser atendido por una voz de mujer, probablemente Fanny, la señora que siempre trabajó allí, y preguntar por él. ¿Motivo? Solicitarle una entrevista para conversar exclusivamente sobre anarquismo. De inmediato Borges se puso al habla, algo sorprendido por los desusados interlocutores, pero ningún problema, muy contento de recibirnos, el tema le concernía, nos esperaba. Dos días después hicimos acto de presencia. Éramos Josefina Quesada, Juan Perelman y yo mismo.

El tiempo que siguió al final de la dictadura militar fue una buena época para las revistas. Los lectores se multiplicaban, sobraba entusiasmo, la calle Corrientes era campo orégano. Las había periodísticas y las había culturales, y ninguna revista obviaba manifestar las razones políticas que las propulsaban, es decir que todas eran razonables y demócratas. Había otras, más enfáticas, algunas de tradición izquierdista, y un porcentual pequeño, muy pequeño, de publicaciones jacobinas, satíricas y “contraculturales”. Una de tantas se llamaba Utopía.

Nada más ajeno a Borges que esta publicación anarquista, de las que pasan ignotas por la vida. Sus editores provenían de experiencias diversas y paralelas. Juan Perelman y Josefina Quesada habían sido integrantes de la revista surrealista Signo Ascendente, que ya salía durante de dictadura. Carlos Gioiosa, Juan Carlos Pujalte, Raúl Torres y yo mismo éramos anarquistas “con carnet”, literalmente, pues cotizábamos en “Oficios Varios” de la FORA, la vieja central sindical, y también estuvimos en los Grupos de Autogestión, cuyo subgrupo “Fife y Autogestión” daba la nota en las paredes de la Capital Federal mediante pintadas ingeniosas, faena que también cumplían otras cuadrillas recónditas que firmaban como “El Bolo Alimenticio” y “Los Vergara”. Otros dos miembros de la revista andaban sueltos, el sociólogo uruguayo Alfredo Errandonea y el librero Carlos “Gallego” Torres, redactor de La Protesta a comienzos de la década de 1960.
        
A Carlos “Cutral” Gioiosa y a mí el surrealismo nos importaba mucho. El hermano de Carlos había participado de El Hemofílico, una de esas revistas lanzadas y mordaces que sólo edita la gente irreductible. Dado que se imprimió en época de militares, su director, que respondía al misterioso seudónimo “Metzergenstein”, terminó en la cárcel de Villa Devoto. De Metzergenstein se decía que era propietario de un chiringuito móvil de venta de libros viejos, al cual apostaba por unos días en esquinas seleccionadas de la Recoleta, a la espera de alguna viuda reciente u otro familiar directo que quisieran desprenderse de la biblioteca del difunto a precio vil. Así fue que logró agenciarse una primera edición del Marques de Sade.

Se nos ocurrió hacer entrevistas. Dejar registro de experiencias de vida, intereses, influencias, simpatías libertarias. ¿Por qué no comenzar por Borges, que de tiempo en tiempo venía haciendo referencias al anarquismo? A veces decía de sí mismo que era un anarquista conservador, otras veces un conservador anarquista, y otras aún, anarquista a secas. Se conocían sus memorias de adolescencia, allá en Ginebra, Suiza, de cuando su padre (“filósofo anarquista en la línea de Spencer”) lo había llevado a pasear por la ciudad para mostrarle los cuarteles, las iglesias, las banderas y las carnicerías (los anarquistas eran mayormente vegetarianos), y le dijo que se fijara bien, porque en el futuro esas cosas iban a desaparecer y algún día él iba a poder decir que las había visto. En ese mismo relato autobiográfico Borges añadió este lamento: “Desgraciadamente, no se ha cumplido la profecía”. Repetiría la anécdota durante su encuentro con los miembros de Utopía.

Para no abundar en citas pertinentes basta con recordar que, ya de grande, había dicho a Joaquín Soler Serrano, el bien conocido periodista de la televisión española: “Soy anarquista. Siempre he creído fervorosamente en el anarquismo. Y en esto sigo las ideas de mi padre. Es decir, estoy en contra de los gobiernos, más aún cuando son dictaduras. Y de los estados”. En el prólogo a El informe de Brodie, su última ficción publicada, de 1970, incluyó este pronóstico: “Con el tiempo nos mereceremos que no haya gobiernos”. Borges era un “modesto anarquista” que creía en los individuos, no en el Estado. Tampoco era individualista, al revés que los compatriotas, que todo se lo reclaman al Estado sin disposición alguna de entregarle algo a cambio.

De quienes estuvimos con Borges, Josefina Quesada era pintora y vivía en Belgrano y Piedras, a metros del lugar de reunión del grupo editor. Había sido alumna de Juan Batlle Planas y era plenamente surrealista. Rememoro ahora sus collages. Para hacerlos compraba revistas de moda o bien catálogos de ropa en determinadas subastas de libros y publicaciones de otros tiempos. Recortaba con tijerita los modelitos o las figuras de señoritas bien vestidas y los disponía sobre fondos tenebrosos o encantados. En un rincón de su casa –la imagen se me conserva perenne– tenía unas vitrinas con botellones y probetas enormes de formas raras y caprichosas. Parecía un altar. Juan Perelman, el otro miembro de la revista, era filósofo y había llegado unos años atrás desde Bolivia. Un hombre culto. Muchas veces lo vi en compañía de un marinero desembarcado, ya de edad, alguna vez trotskista y decantado luego por ideas más libertarias.

Poco antes de la llamada telefónica, Carlos Gioiosa y yo habíamos intentado aproximarnos al escritor. La ocasión la proporcionó un encuentro de luminarias en el Teatro Coliseo. Borges estaba anunciado en la convocatoria, además de Mario Vargas Llosa y Octavio Paz. Según recuerdo, en esos días comenzó a editarse la versión argentina de la mexicana Vuelta, revista de Octavio Paz que pretendía aventar el ideario liberal por Buenos Aires, con resultados más bien módicos. A último momento Borges fue sustituido por José “Pepe” Bianco. No obstante se hizo presente entre el público del Coliseo, eminentemente gorila, demasiado para nosotros dos, que hicimos abandono del acto. Tampoco era el lugar para abordar a Borges, que había ingresado por el pasillo central junto a María Kodama, caminando de a pasitos. Recurrimos entonces al servicio telefónico.

No teníamos plena conciencia de la importancia de Borges. Si bien muchos la asumieron en su momento, ni de lejos fueron todos. Borges todavía era, en la década de 1980, un autor “discutido”, especialmente entre gente de izquierda y peronistas, prominentes en los ámbitos culturales y con quienes tratábamos a diario. A nosotros, sin embargo, sus declaraciones nos parecían menos los estertores de la antigua clase de literatos liberales y mucho más los pronunciamientos de una personalidad autárquica, por más que hubiera dado su venia al régimen vecino del general Pinochet no menos que al autóctono. De hecho, cuando algunos del grupo nuestro abrieron librerías en San Francisco Solano y en la calle Corrientes, les pusieron de nombre “El Aleph”. La cuestión es que el emblema de escritor políticamente asimilable por entonces era Ernesto Sábato, o bien Julio Cortázar. De allí en más la atribución no tendrá mayor relevancia y su ponderación quedará a cargo de departamentos universitarios específicos, los suplementos culturales de la semana, y las cucardas que de vez en cuando concede el Estado Nacional.

Nos aparecimos acarreando un aparato de grabación tipo mastodonte, incómodo de transportar. Después descubriríamos que el audio era defectuoso. Se escuchaba mal, como de lejos. La entrevista nos pareció mala, o insuficiente, o no se ajustaba a nuestras necesidades, y tampoco es que venerábamos el prestigio de Borges por sí mismo, de modo que no procedimos a la desgrabación, y el cassette fue pasando de mano en mano y al fin se perdió. Es por eso que cuento estas cosas como si visitara un patio olvidado de mi memoria. Sólo conservo algunos fogonazos.

La entrevista sucedió en el vestíbulo de su departamento, al lado de una sala con bibliotecas. Los libros no parecían modernos u actuales. Borges llegó caminando despacito, auxiliado por un secretario o ayudante o familiar. No daba la impresión de estar bien de salud. Se sentó junto a su acompañante en un sillón apto para dos personas. Lo primero que nos dijo fue un chiste privado: “Yo pensaba que la única anarquista viva en Argentina era Alicia Jurado”. Nos mencionó que alguna vez había disertado en una biblioteca anarquista de Avellaneda. Cierto: ese lugar todavía existe. Como en la semana previa había sucedido lo del Teatro Coliseo inquirimos su opinión sobre la obra de Vargas Llosa. Riéndose, respondió que conocía uno de sus libros, Pantaleón y las visitadoras, pero no lo había leído pues el título le pareció “infortunado”, caso similar al de La seducción de la hija del portero, de Mario “Pacho” O‘Donnell, por entonces secretario de Cultura de la Ciudad de Buenos Aires. Nos dijo algo socarronamente que todo el mundo sabía que a los encargados de edificios les fastidiaba sobremanera ser designados como porteros, “oficio de abridores de puertas”.

Lentamente fuimos aproximándolo al tema que nos importaba. Nos expresó su “extremo interés” por las ideas anarquistas aunque no por las que suponían ejercicio de la violencia. Dijo que los estados eran creaciones desventuradas, que necesariamente extinguían las libertades individuales. Su preocupación por la suerte del individuo no era abstracta, producto de alguna idea sobre la libertad que es lanzada al campo de batalla cultural. No. Nacido con el siglo XX, Borges era contemporáneo del ascenso de los estados totalitarios, y la gente fascista, comunista o meramente autoritaria le suscitaba repulsión personal y no sólo genérica. Había visto mucho y sabía lo que estaba pasando en China, en Cuba y en el orbe soviético. Además, como bien se sabe, consideraba que los peronistas eran más ciegos aún que él mismo.

Pero por más que lo orientáramos hacia las ideas ácratas la verdad es que Borges no parecía haber leído a los clásicos libertarios. De todos modos sus opiniones eran firmemente contrarias al ejercicio de la autoridad. Cuando ya nos parecía que nada especial diría sobre el tema, repentinamente enunció una frase que nunca olvidé. Dijo que el Estado iba a derrumbarse “cuando las personas dejaran de creer en él”. Era una verdad simple y contundente. Aún más, nos dijo que una vez sucedido ello, sería necesario colocar una placa al frente de cada uno de los antiguos edificios del gobierno. Esa placa contendría dos palabras: “NO CREER”.

Luego de pasada una hora de tiempo se hizo evidente el cansancio de Borges. Por momentos, largos momentos, hablaba él solamente, en una suerte de desvarío sobre un salpicado de temas, como si mantuviera un soliloquio consigo mismo o como si no hubiera nadie frente a él. Sobre el final, y antes de que su escolta nos hiciera una seña, mencionamos a Rimbaud. Hizo silencio, echó la cabeza hacia atrás, los ojos cerrados, dirigidos hacia arriba, como evocando, y comenzó a desgranar, en francés, los versos de  “El barco ebrio”. Lo escuchamos como a un decidor de sonidos mágicos, próximo pero alejado, en intimidad con la gracia, salvando para siempre ese día del año 1985.

(se agradece a Luis Diego Fernández:  http://ldflounge.blogspot.com.ar/)

Fuente: Lobo Suelto

agosto 30, 2014

"Magia ao luar e o amor como síntese", por José Geraldo Couto

PICICA: "Dizer que Magia ao luar é entretenimento inteligente é dizer pouco. Trata-se do filme mais engenhoso e “redondo” de Woody Allen em muitos anos. Mais que isso: sintetiza à perfeição suas reflexões de maturidade a respeito da vida e seus mistérios insolúveis. Tudo isso com a leveza e o savoir-faire dos melhores momentos do diretor."

Magia ao luar e o amor como síntese

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Woody Alen retoma velha forma, expõe a dúvidas misantropo arrogante e sugere: entre ceticismo e ingenuidade, saída pode ser sentimento que, sem explicar, evidencia 

Por José Geraldo Couto, no blog do IMS



Dizer que Magia ao luar é entretenimento inteligente é dizer pouco. Trata-se do filme mais engenhoso e “redondo” de Woody Allen em muitos anos. Mais que isso: sintetiza à perfeição suas reflexões de maturidade a respeito da vida e seus mistérios insolúveis. Tudo isso com a leveza e o savoir-faire dos melhores momentos do diretor.


Numa narrativa em que tudo gira em torno do engano e do autoengano, a trama é, ela própria, enganosamente simples: Stanley (Colin Firth), um célebre mágico inglês que atua sob o nome artístico de Wei Ling Soo, é incitado por um velho colega de profissão (Simon McBurney) a desmascarar uma jovem médium norte-americana, Sophie (Emma Stone), que está causando furor na Europa. A ação se passa em 1928 no sul da França, onde Sophie está prestes a ficar noiva de um rapaz milionário (Hamish Linklater).


Crer ou não crer

Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o desenvolvimento e as reviravoltas da história, mas apenas atentar para a ideia básica que conduz a narrativa: a tensão entre a credulidade e o ceticismo. O interessante, na evolução dramática do filme, é fazer com que essa oposição se instale no íntimo do protagonista Stanley, abalando sua firme posição inicial de misantropo arrogante e sarcástico. A frase que resume sua filosofia de vida, antes da crise, parece ter saído diretamente da boca do diretor: “Nascemos e, apesar de não termos cometido nenhum crime, somos condenados à morte”.


Crer ou não crer, eis a questão. Na dialética proposta por Woody Allen, se a fé é a tese e a descrença é a antítese, uma síntese possível seria o amor, capaz de evidenciar, sem explicar, a substância mágica de todas as coisas do universo, inapreensível tanto pela ciência como pela religião.


O método de construção aqui é o que, com alguma liberdade, poderíamos chamar de socrático: o diálogo que solapa certezas e introduz a dúvida. O discurso do protagonista se enche progressivamente de expressões adversativas, do tipo “apesar de”, “se bem que”, “não obstante” (“in spite of”, “though”, “notwithstanding that”).


Essa argúcia discursiva atinge o ápice no diálogo entre Stanley e sua tia Vanessa (Eileen Atkins) a respeito da médium Sophie, no qual tudo o que se fala quer dizer exatamente o seu contrário. O efeito é reforçado pelo fato de se tratar de dois estupendos atores ingleses tarimbados na arte do understatament e do subtexto.


Cena de “Magia ao luar” mostra Stanley (Colin Firth) e Sophie (Emma Stone)

Epifania e sacanagem


Já se disse com razão que Woody Allen é muito mais um escritor, um dramaturgo, do que propriamente um grande cineasta. Ao contrário de um Welles ou de um Kubrick, não é na expressão visual que reside a sua força. Mesmo tendo como locações a paisagem deslumbrante da Riviera francesa, bosques e palácios majestosos, o filme poderia ser uma peça de teatro sem grande perda de substância.


Ainda assim, há momentos visualmente inspirados. Um deles é antológico. O mágico e a médium refugiam-se da chuva num velho observatório à beira-mar. Quando a chuva passa – e a intimidade entre os dois aumenta –, Stanley aciona o mecanismo que abre parcialmente a cúpula do observatório, deixando ver as estrelas e uma lua minguante. É um momento de epifania e, ao mesmo tempo, uma imagem quase pornográfica, em que o fálico telescópio está prestes a penetrar a fresta em forma aproximada de vagina. Poesia e safadeza juntos, mostrando que o velho Woody Allen, quando quer, também sabe ser um tremendo cineasta.

"Materialismo sonhático: o acontecimento-Marina", por Murilo Duarte Costa Corrêa

PICICA: "Seja como for, um pouco de ceticismo é bem-vindo. Marina é verde por fora e, se eleita, será da cor que convier ao capital, ao empresariado, ao agronegócio e aos bancos. Esse é o limite de Marina – limite que Aécio e Dilma não se importam em reconhecer também para si. Todavia, e para além do fato de que sua ascensão eleitoral meteórica desarranja todo o tabuleiro do cálculo eleitoral, o traço mais positivo do acontecimento-Marina talvez esteja no potencial de colocar em circulação um significante aberto como o da “nova política”. Algo que, embora não signifique nada em si mesmo, mobiliza, no limitado interior de um processo eleitoral, no qual nos ressentimos de não encontrar nada que corresponda aos processos políticos reais, elementos potentes da recusa das manifestações e protestos de 2013/2014. Marina encarna, de alguma maneira, nas urnas, o retorno do que foi recalcado (e reprimido) nas ruas: a nota fundamental e comum que percorria todo o mais recente ciclo de lutas populares no Brasil: uma estética política da recusa e uma multiplicação de pautas e demandas com potencial comum."

Materialismo sonhático: o acontecimento-Marina





1. No mesmo dia em que Marina divulgou seu programa de governo, conseguiu ultrapassar Dilma nas projeções das pesquisas de opinião sobre a sucessão presidencial de outubro. Isso se produz em um cenário marcado pelo esgotamento ideológico e eleitoral da oposição que pautou as eleições de 2010 – as tão sonhadas eleições “plebiscitárias” de Luiz Inácio Lula da Silva: aquela entre PSDB e PT, entre modelos neoliberal e de bem-estar social de gestão. Até há poucas semanas, antes do acontecimento-Marina, Campos gozava de boa saúde e Dilma, de uma folga confortável nas pesquisas de opinião. Quando o acidente aéreo vitimou o candidato e o PSB decide por lançar Marina, tudo se altera. Porém, o acontecimento-Marina se explica menos pelo seu conteúdo que pelas condições materiais em que se produz. O fato de que Marina logrou subtrair percentis de intenção de votos tanto ao PT, quanto ao PSDB, como ao teocrático PSC talvez se explique menos por sua plataforma de governo que pelo esgotamento das oposições tradicionais. PT e PSDB insistiriam na cisão. O PT acusa Marina de ser uma “segunda via do PSDB”; este, acusa-a de ser “verde por fora, mas petista por dentro”.



2. Recusando radicalmente a cisão, Marina serve-se de significantes abertos e fluidos: dentre todos, o da “nova política”, signo máximo dessa recusa e golpe que reduz à unidade – sensível pelo eleitorado – a mal calculada insistência na oposição entre PT/PSDB. Há uma fissura sensível na equivalência entre arranjo eleitoral e processo político real – fissura que Marina ocupa habilmente, e que Eduardo Campos não tinha o mesmo talento para desenvolver em direções imprevistas. Aparentemente, duas causas convergem para a vertiginosa ascensão de Marina: (1) a rejeição medular de parcela significativa do eleitorado às alternativas tradicionais e sua oposição (PT/PSDB); (2) sua habilidade de encarnar essa figura que desterra a oposição sem sentido em proveito de significantes tão abertos quanto vazios. Eis aí todo seu infinito enigma, suas desconcertantes contradições, suas promessas e seus perigos: a promessa de uma relação menos predatória com a Natureza e, ao mesmo tempo, o perigo de a promessa ser tragada em um jantar com representantes do Agronegócio. Suas promessas de direitos civis e o perigo de estes serem destruídos por cálculos políticos. A tensa relação entre o fator Marina e o risco fisiologista.



3. Nesses significantes abertos cabem tanto as promessas quanto os perigos. Marina não deve mudar nenhuma estrutura fundamental – portanto, lasciate ogni speranza. Um sinal disso é que, supostamente para honrar acordos previamente firmados por Campos e pelo PSB, Marina tem feito contato com setores do empresariado e do agronegócio aos quais, em outras circunstâncias, talvez não endereçasse qualquer reverência ou atenção. Ao contrário de Aécio e Dilma, Marina tem rejeições setorizadas e começa a trabalhar para revertê-las. Nem toda naïveté sonhática dos mundos e redes que gravitam em torno de Marina bastará para encobrir o fato meramente pragmático de que Marina quer vencer as eleições e, como efeitos de cálculos políticos, fará concessões. Uma vez eleita, fará concessões pela governabilidade. Resta esperar que não sejam nem tão amplas, nem tão desastrosas em relação a direitos fundamentais como foram as concessões de Dilma.




4. Seja como for, um pouco de ceticismo é bem-vindo. Marina é verde por fora e, se eleita, será da cor que convier ao capital, ao empresariado, ao agronegócio e aos bancos. Esse é o limite de Marina – limite que Aécio e Dilma não se importam em reconhecer também para si. Todavia, e para além do fato de que sua ascensão eleitoral meteórica desarranja todo o tabuleiro do cálculo eleitoral, o traço mais positivo do acontecimento-Marina talvez esteja no potencial de colocar em circulação um significante aberto como o da “nova política”. Algo que, embora não signifique nada em si mesmo, mobiliza, no limitado interior de um processo eleitoral, no qual nos ressentimos de não encontrar nada que corresponda aos processos políticos reais, elementos potentes da recusa das manifestações e protestos de 2013/2014. Marina encarna, de alguma maneira, nas urnas, o retorno do que foi recalcado (e reprimido) nas ruas: a nota fundamental e comum que percorria todo o mais recente ciclo de lutas populares no Brasil: uma estética política da recusa e uma multiplicação de pautas e demandas com potencial comum.



5. Nem Marina é a nova política, nem a nova política é apenas um significante vazio. Sequer é preciso inventá-la. A nova política já existe – e fomos testemunhas oculares de sua gênese. Ela continua a circular nos subterrâneos, um pouco como a toupeira revolucionária de Marx, esse autor de um ensaio delirante e real de materialismo sonhático. Trata-se de algo que não pode pertencer a ninguém individualmente. A força de Marina, que também constitui o seu limite, é ser a figura de carne e osso capaz de catalisar o materialismo sonhático de que é feita a nova política que as multidões das ruas inventaram em um processo eleitoral formal. Depende de nós arrancarmos ao real essa força que não pertence a ninguém, mas é capaz de deformar as estruturas que demoramos tanto tempo para recusar. A dose de realidade de que o sonho depende adverte que este é o momento de arrancar todos os compromissos por ampliações de direitos que pudermos de Marina. Esse materialismo sonhático não passa de um outro nome, aberto e iridescente, para a potência política de um desejo comum que, legitimamente, não se pode atribuir a ninguém.



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Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro (Cultura e Barbárie))

PICICA: "O fim do mundo é um tema aparentemente interminável — pelo menos, é claro, até que ele aconteça. O registro etnográfico consigna uma variedade de maneiras pelas quais as culturas humanas têm imaginado a desarticulação dos quadros espaciotemporais da história. Algumas dessas imaginações ganharam uma nova vida a partir dos anos 90 do século passado, quando se formou o consenso científico a respeito das transformações em curso do regime termodinâmico do planeta. Os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular quanto a reflexão acadêmica. Este livro é uma tentativa de levar a sério os discursos atuais sobre o “fim do mundo”, tomando-os como experiências de pensamento acerca da virada da aventura antropológica ocidental para o declínio, isto é, como tentativas de invenção, não necessariamente deliberadas, de uma mitologia adequada ao presente."

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Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro


Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins

Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro

 
O fim do mundo é um tema aparentemente interminável — pelo menos, é claro, até que ele aconteça. O registro etnográfico consigna uma variedade de maneiras pelas quais as culturas humanas têm imaginado a desarticulação dos quadros espaciotemporais da história. Algumas dessas imaginações ganharam uma nova vida a partir dos anos 90 do século passado, quando se formou o consenso científico a respeito das transformações em curso do regime termodinâmico do planeta. Os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular quanto a reflexão acadêmica. Este livro é uma tentativa de levar a sério os discursos atuais sobre o “fim do mundo”, tomando-os como experiências de pensamento acerca da virada da aventura antropológica ocidental para o declínio, isto é, como tentativas de invenção, não necessariamente deliberadas, de uma mitologia adequada ao presente.


Orelha de Bruno Latour | Capa: André Vallias e Alexandre Nodari | Foto da capa: José Márcio F. Fragoso | 176 pgs, 2014 |  Co-edição com o Instituto Sócioambiental

Preço: R$35,00 [frete incluso]  |  Compre pela nossa loja virtual


Sobre o livro

“Aquilo que Isabelle Stengers chama de intrusão de Gaia é algo que nos faz perder todas as nossas referências. Sim, Gaia é uma intrusa, no sentido de que nada havia sido preparado, pensado, planejado, previsto, instituído para vivermos sob seu signo. Nada, ao menos, durante aquele período histórico que não cabe mais chamar de Modernidade. Havia, decerto, a Natureza, aquela grande figura fria, eterna e distante, capaz de ditar suas leis a todas as ações humanas — inclusive as leis da economia. Mas essa divindade nos parece, hoje, demasiado antiquada, de um antropocentrismo excessivamente ingênuo. De qualquer modo, ela também acabou por ser secularizada. Como então poderemos nos familiarizar com Gaia, a Intrusa? É aqui que intervêm os dois autores deste ensaio de mitocosmologia: um antropólogo meio filósofo, uma filósofa meio ecologista. E, claro, eles não começam pelo começo (como se fosse preciso ir do Big Bang até a crise ecológica, passando por Lucy, Lascaux…), mas pelo único ponto pelo qual é possível começar, a saber, pelo fim. Não o fim dos tempos, ao modo de São João, mas com a suspensão das maneiras como o tempo costumava passar. O ensaio principia como um inventário, uma espécie de visita guiada ao pátio dos milagres das monstruosidades filosóficas e literárias em curso, algumas delas bastante em voga, outras menos conhecidas, mas todas sintomáticas do estado de alarme atual. Em seguida, passa-se à antropologia, àqueles mundos indígenas que nunca precisaram se dotar nem de uma Natureza, nem de uma Cultura. O tom muda, porque mudam os mundos. Finalmente, é preciso passar à política. É com ela e por ela que o livro conclui, evocando a mobilização febril de todos os coletivos que sabem que já não têm mais o tempo a seu favor. E assim tudo recomeça — ou tudo recomeçará, deixando para trás muito daquilo em que nos habituáramos a acreditar. Este livro deve ser lido como se toma uma ducha gelada. Para nos acostumarmos. Para nos prepararmos. Esperando o pior.” (Bruno Latour)


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Livraria Quixote: Matriz: Rua Fernandes Tourinho, 274 – Savassi 
Filial: FAFICH (UFMG) – Avenida Antônio Carlos, 6627 – Pampulha