setembro 03, 2014

"Poética menor em Manoel de Barros", by Rafael Lauro

PICICA: "Trecho selecionado do artigo “É possível pensar em devires-animais do homem e poética menor em Manoel de Barros?” de Victor Silveira do Carmo" 

Poética menor em Manoel de Barros


Trecho selecionado do artigo “É possível pensar em devires-animais do homem e poética menor em Manoel de Barros?” de Victor Silveira do Carmo

Manoel-de-Barros-ALEXIS-PRAPPAS 

Em seu livro “Matéria de Poesia” (1970) Manoel de Barros constrói um método diante da seguinte questão: o que serve para a poesia? A pergunta poderia ser recolocada: Como sustentar a experiência poética no interior de uma língua marcada por determinações simbólicas e de significâncias? Como extrair de uma língua seus afectos e perceptos?

As coisas que não se pretendem, como
Por exemplo: pedras que cheiram
Água, homens
Que atravessam períodos de árvore,
Se prestam para poesia


Ainda nos dirá o poeta, “as coisas que não levam a nada tem grande importância” A indagação do poeta recoloca constantemente o problema da matéria expressiva e as possíveis respostas se abrem para um lugar das inutilidades e marginalidades, lugar das “coisas que não se pretendem”, das “coisas ordinárias”, das “coisas que não levam a nada”. Em uma segunda parte do poema, Manoel se questiona sobre o que se poderia fazer em favor da poesia, e a partir disso desenvolve respostas, que se subdividem nas letras do alfabeto, com isso ele cria pequenos fragmentos, que podem ser vistos como planos de composição, extensões, do qual advém afectos e perceptos. Abaixo exporei alguns desses planos:

b- Perder a inteligência das coisas para vê-las.
c- Esconder-se por trás das palavras para mostra-se.
e- Penguntar distraído: – O que há de você na água?
f- Não usar colarinho duro. A fala de furnas brenhentas de Mário-pega-sapo era nua. Por isso as crianças e as putas do jardim o entendiam.

Júlia Almeida, em seu livro “Estudos deleuzenanos da linguagem” (2003) introduz o tema do literário em Deleuze pretendendo buscar suas interferências na concepção de linguagem do filósofo. E ao se perguntar sobre quais operações efetuadas pela literatura na linguagem, a autora chega à questão do impessoal: “O impessoal em Deleuze não designa um modo de individuação que não é aquele que conhecemos dos indivíduos, sujeitos e objetos”. Isso significaria, “pensar o ser a partir de uma realidade pré-individual. Contra um princípio de individuação a partir de um indivíduo já formado, já constituído”. A individuação é então concebida em termos de devir, e o individuo sendo apenas uma fase, de uma operação que é metaestável, ou seja, nunca alcançando um equilíbrio permanente. “A arte é o reino dessas individuações sem sujeito”. E nesse campo intenso de individuações, a literatura, diz Deleuze em “Crítica e Clínica”, “só se instala descobrindo sob as aparentes pessoas a potência do impessoal, que de modo algum é generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau: um homem, uma mulher, um animal” (p. 13). A singularidade não seria então da ordem da individualidade, “mas, são os trajetos e devires os traços singulares não-pessoais que a arte é capaz de compor”.


Retomemos a questão do poeta, “o que se deve fazer em favor da poesia?” Deixar-se conduzir pelos trajetos da palavra em devir. Para isso, “esconder-se por trás”, abdicar-se do eu em favor de uma enunciação impessoal, mostra-se a partir daí como um puro ser de sensações. No que nomeio como plano de composição f, Manoel diz de uma “fala de furnas brenhentas”. Da furna, deduzimos um antro, uma extensão. Extensão de emaranhado, de selva, de labirinto, de rizoma. Fala nua, de Mario-pega-sapo, sem eixo central, fala aberta a conexões efetuadas por diferença, que atingem assim o entendimento das putas e das crianças. “Silêncio das coisas anônimas, passaram essa tarefa para os poetas”. Falar em nome de um povo que não existe, de uma minoria, falar ao entendimento das “putas e das crianças”;  a partir daí poderíamos estender à questão para os agenciamentos coletivos de enunciação, sendo este, mais um dos critérios propostos por Deleuze e Guattari, na constatação de uma literatura menor. E tal questão é recorrente na poética manoelina, no entanto, nos cabe agora apenas essa sinalização.

- tela de Martha Barros
– tela de Martha Barros

(Havendo interesse na leitura integral do artigo, basta entrar em contato com o autor através do email: victor.silveira.carmo@gmail.com)

Fonte:  Razão Inadequada

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