PICICA: "Relativizar o direito à informação, como
ocorre atualmente com o formato de mídia brasileira – pouco
estratificada, encabeçada por um grupo de detentores do capital
simbólico – suscita inúmeros debates. E tantos pequenos disparates. A
militância pela democratização da mídia se dá através da mudança
estrutural e não da simples regulamentação de leis utópicas que viriam –
superficialmente – apenas atacar a hegemonia em sua grade de
programação.
Não. O fato de a imprensa necessitar de
uma regulamentação, porque a percepção contemporânea nos mostra os meios
de comunicação como instituições centrais em regimes democráticos,
expõe a fragilidade pública de nosso sistema midiático. Mas assim como a
necessidade de democratização, elas não surgem de uma vontade quimérica
e interesseira, como tentam criar os factoides da hegemonia.
Regulamentar e democratizar representa colocar em correspondência com os
direitos constitucionais dos brasileiros também o seu formato de
imprensa."
DEMOCRATIZAR A MÍDIA: NÃO BASTA FUGIR O REI, É PRECISO MUDAR O REGIME
– 28/03/2014
Lembrando o conceito de instrumento de
dominação que age por meio de convencimento, a militância pela
democratização da mídia e, por consequência, sua regulamentação, parece
bater em tecla impossível: mudar o que já está no ar, difundido aos
quatro cantos do país. Mas não é aí que vivem os debates e as análises
quanto ao nosso atual modelo de imprensa. A crítica à mídia brasileira
não parte da tão leviana condenação em buscar por transformar a
programação da Rede Globo, por exemplo, ou, por sinônimo de
argumentação, esperar uma capa venerável da revista Veja.
Para quem flutua na rede de influências
de capital econômico, cultural e social, basta reivindicar o direito à
livre expressão, quando, no fundo, seus intuitos são reservadamente de
interesse econômico. Se as consequências de uma democratização da mídia
afetarem radicalmente os corações da grande imprensa, seus pares e
participantes apenas vivenciariam, em experiência própria, o sistema de
fazer mais com menos, de fazer com o conjunto, de pautar desde as
pessoas e não para as pessoas. Ora, de se fazer imprensa de igual para
igual, resgatando cada um seu público, oferecendo ao máximo de pessoas
conteúdo de qualidade sem atropelos desleais.
Aqui, contudo, seria necessário
considerar: a imprensa não-hegemônica de hoje luta com o pouco que seus
pares conseguem agregar, principalmente em razão da colaboratividade. No
caso de uma democratização da mídia, a construção de diferentes canais
de comunicação, em razão do direito constitucional dos brasileiros à
informação – atualmente atacada quanto a questões em termos
constitucionais, nas quais não se admitiria e não se toleraria qualquer
tipo de preconceito, sendo a diversidade de pensamento, de culturas, de
opiniões um norte que deveria ser seguido pelo Estado – colocaria em
horizontalidade os acessos a financiamentos públicos a meios de
comunicação. Em suma, democratizar, tornar acessível a todos, desde que
todo acesso seja mediado e regulamentado. A construção de uma
regulamentação vem a ser, portanto, uma relação entre Estado e direitos
sociais básicos.
Relativizar o direito à informação, como
ocorre atualmente com o formato de mídia brasileira – pouco
estratificada, encabeçada por um grupo de detentores do capital
simbólico – suscita inúmeros debates. E tantos pequenos disparates. A
militância pela democratização da mídia se dá através da mudança
estrutural e não da simples regulamentação de leis utópicas que viriam –
superficialmente – apenas atacar a hegemonia em sua grade de
programação.
Não. O fato de a imprensa necessitar de
uma regulamentação, porque a percepção contemporânea nos mostra os meios
de comunicação como instituições centrais em regimes democráticos,
expõe a fragilidade pública de nosso sistema midiático. Mas assim como a
necessidade de democratização, elas não surgem de uma vontade quimérica
e interesseira, como tentam criar os factoides da hegemonia.
Regulamentar e democratizar representa colocar em correspondência com os
direitos constitucionais dos brasileiros também o seu formato de
imprensa.
Lutar pela democratização da mídia não é
lutar pela mudança de viés das próprias mídias pejorativamente
criticadas. Nenhum manifestante contrário ao aumento do preço das
tarifas do transporte procura que a RBS dê uma guinada social e parta a
apresentar a pauta pelo viés de quem paga mais para andar de ônibus e
recebe os menores salários na cidade. O manifestante apenas usa seu
poder de fala para tentar influenciar a imprensa, tendo momentaneamente o
poder de, como nas manifestações de 2013, receber apoio de quem antes
jamais apoiaria. Aqui surgem empirismos ainda novos, porém relevantes.
Enquanto as massas começam a dominar formatos diferentes de mídias e
plataformas, como as redes sociais, a hegemonia midiática é forçada,
como em 2013 e 2014, a se explicar, posicionar ou até mesmo
culpabilizar-se pelos vieses corriqueiramente envolvidos com o discurso
das assessorias de imprensa de órgãos consignados ao plano hegemônico.
Porém, isso não é o bastante, nem de longe perpassa o ideário da
democratização.
A pauta não é fazer o grupo Globo guinar
ou esperar da Zero Hora um aprofundamento histórico-social sobre o MST
através da visão dos próprios sem-terra. A luta dos movimentos que
debatem a democratização da mídia é, muito antes, a de dizer que os
canais desses poucos grupos – onze famílias controlam a mídia brasileira
-, por exemplo, usam o espectro de teledifusão, uma concessão do
governo brasileiro outorgada a empresas de comunicação, fundamentada em
termos de compromisso de tais empresas com a população, para denegrir
etnias, rotular religiões e afrontar a laicidade, para citar aqui alguns
dos ataques constantes (e velados pela ideologia comum) difundidos a
minorias diariamente.
Há muitos anos, a Globo trabalha sem
passar por uma regulamentação ou qualquer tipo de controle. Diz a
Constituição que é dever do Estado organizar a difusão, gerir e conceder
outorgas de acordo com os interesses que ele julgar serem do Brasil. Se
grande parte da programação da grande imprensa é considerada como de
interesse do Brasil, algo, desde antes, como a Educação, precisa ser
questionado.
No Brasil, a falta de controle sobre a imprensa é visível a quase todos nós. Como lembra um artigo do Conversa Afiada, emissoras
afiliadas da Rede Globo entregues a políticos amigos, como Sarney e
ACM, garantem que no Congresso o grupo Rede Globo jamais seja
questionado. Lobbys criados
entre empresas e instituições civis, como o caso do prêmio concedido a
magistrados brasileiros pela Rede Globo – o Inovare – demonstram o
parecer da hegemonia através de seus instrumentos de dominação por meio
de convencimento. Parecem eventos inocentes, mas servem para a
aproximação sempre desmedida do conglomerado com o poder político. O
Innovare é uma iniciativa da Globo alegadamente constituída para
reconhecer boas práticas na Justiça brasileira. No fundo, quem
presidente o conselho superior do instituto é o ex-ministro Ayres
Britto. Estavam presentes na última cerimônia do instituto Joaquim
Barbosa, Gilmar Mendes e Roberto Irineu Marinho. O acontecimento
abocanhou uma cobertura de 2 minutos e meio durante o Jornal Nacional.
Por fatos declarados como estes, nenhum
manifestante tem como utopia um novo mundo de justiça social onde
conglomerados de mídia, fundamentados no setor lucrativo como os
empresariais do Brasil, se transformem em redes comunitárias ou
cooperativas midiáticas. Existe mídia além da grande, existe
jornalismo além da Globo e da Veja. O que não há é justiça na partilha
dos patrocínios governamentais, nem uma regulamentação sobre patrocínios
que vise além da integridade do meio de comunicação, o interesse social
de existência da mídia. Democratizar não é censurar prepotentemente
aquilo que não julgamos correto em ser difundido. Se for consequência da
democratização e da possível politização social sobre seus direitos à
informação, aí é outra história. Quem cala, neste momento, é a
hegemonia, através dos conchavos da imprensa com diferentes instâncias
do poder. A mídia deve ser tão plural e os espectadores
inconcebivelmente rastreáveis, que nenhum discurso sobre o que deve ser
apresentado na TV, nos jornais, nos sites e em quaisquer tipos de mídia
será aceito verticalmente por quem debate a democratização.
A crítica não é levianamente direcionada
à Globo, ao SBT ou qualquer outro grande meio de comunicação, como se
todo o problema fosse resolvido com seu fechamento. Quem fez isso foram
os militares, não esqueçamos. Reivindicar mudanças significativas nas
estruturas sociais, culturais e econômicas de um país é algo mais
profundo do que manter o debate constante com a hegemonia, que usa de
argumentos chulos como o ataque à liberdade de expressão.
Se a população, munida de redes
informativas horizontais, como canais que recebem a mesma verba
publicitária do governo, regulamentados por uma lei idêntica a todos e
estruturada pela coletividade social, formar uma nova vivência de
consumo de informação, as consequências serão produto da oferta
igualitária e justa, e não da imposição do capital simbólico. Quando os
“vândalos”, segundo os jornais, se posicionam em sentido de luta a
paredes brancas e vidros da empresa em diferentes cidades, tais
manifestantes sabem muito bem que destruir a estrutura física é balela, é
apenas uma forma de propaganda pela ação. Destruir o castelo para fazer
fugir o rei ficou no passado. A luta, agora, dá-se muito antes nos
campos dos saberes. E o direito à mídia democrática, quer a hegemonia ou
não, é nosso.
DEMOCRATIZAR A MÍDIA: NÃO BASTA FUGIR O REI, É PRECISO MUDAR O REGIME, pelo viés de Bibiano Girard*texto originalmente publicado no JornalismoB
Fonte: Revista Viés
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