maio 23, 2014

"Territórios da paz: territórios produtivos?", por Giuseppe Cocco

PICICA:… aqueles que, reservando à massa dos pobres os vícios próprios de todos os mortais, dizem que o povo é completamente desregrado, que dá medo quando não tem medo, dizem que os pobres (…) não são feitos para a verdade. Ao contrário, a natureza é uma só e ela é comum a todos” Spinoza


Territórios da paz: territórios produtivos?

21/05/2014
Por Giuseppe Cocco


Por Giuseppe Cocco, publicado originalmente pelos Cadernos IHU (somente impresso), em 22/4/14

IHU

… aqueles que, reservando à massa dos pobres os vícios próprios de todos os mortais, dizem que o povo é completamente desregrado, que dá medo quando não tem medo, dizem que os pobres (…) não são feitos para a verdade. Ao contrário, a natureza é uma só e ela é comum a todos
Spinoza

Introdução

As reflexões que apresentamos a seguir se articulam em três partes: uma primeira parte diz respeito à discussão específica sobre o processo de “pacificação” das favelas do Rio de Janeiro; a segunda propõe uma reflexão mais teórica sobre as “jazidas” de crescimento pró-pobres, entre capitalismo contemporâneo e milícias; a terceira parte propõe enfim, algumas linhas de políticas de mobilização produtiva das favelas pacificadas. 
1. Transição: Paz, exceção e segurança
A transição pode qualificar (ou desqualificar) a pacificação como uma política que visa (ou não) aumentar a justiça social, bem nos termos da afirmação de Amartya Sen (1992): toda procura de justiça exige um aprofundamento da deliberação democrática e nesse sentido da liberdade1.
O que está acontecendo na política de segurança é uma mudança do paradigma. Contudo, ainda não se definiu qual será o próximo modelo, e muitos caminhos possíveis estão em disputa. Grosso modo, o regime discursivo que acompanha (e se alimenta de) a implementação das UPPs é o seguinte: havia “territórios” (favelas ou complexos de favelas) dominados por um “poder paralelo” e a novidade estaria no fato de o Estado retomar (ou tomar) o controle, expulsando o comando do narcotráfico e (re)estabelecendo o monopólio do uso da força. O episódio da Vila Cruzeiro (Complexo do Alemão) é emblemático desse discurso: embora naquele momento não se tratasse de uma UPP, a “ocupação” se caracterizou pela mobilização maciça e massiva de forças (exército, marinha, polícias) e meios (helicópteros, tanques, blindados), bem como uma série impressionante de clichês midiáticos e políticos. Falou-se de guerra (a manchete de O Globo foi “O dia D”, lembrando o desembarque dos “aliados” na Normandia em 1945!); de uma guerra do “bem” contra o “mal” (na manchete do Extra o “bem” tinha como imagem alguns policiais atirando e o “mal” era ilustrado pela foto de dezenas de jovens traficantes fugindo da Vila Cruzeiro). Em outro jornal, os mesmos eram adjetivados de “baratas” (sic). Falou-se enfim de reconquista do território, o que foi simbolizado pela cerimônia de hasteamento da bandeira nacional (que se tornaria rotina nas ocupações seguintes). Trata-se de um regime discursivo, para além das diferenças de tons, fundamentalmente consensual e que consiste na aplicação à questão da violência nas favelas do paradigma clássico (liberal) da teoria política. Como ironiza Adair Rocha, chega a parecer que se queira “levar a ‘civilização’ para a favela”. Ou seja, as favelas são tratadas como se constituíssem um “estado de natureza”, um “estado de selvageria”. As favelas (e territórios aparentados) se caracterizariam por uma ausência, a ausência do Estado. Por Consequentemente, sem monopólio estatal do uso da força, esses territórios estariam (ou “estavam”) na situação mítica da “guerra de todos contra todos”. Dito de outra maneira, as favelas ocupadas (e/ou a serem ocupadas) seriam, do ponto de vista institucional e político, realidades “vazias” (no plano da presença do Estado) e totalmente negativas (no plano das formas institucionais e sociais que as caracterizariam e se resumiriam à barbárie dos comandos e dos soldados do tráfico e, mais em geral, do crime e seu “poder paralelo”). Enfim, estaríamos assistindo “à chegada da república” nas favelas2.
Sem entrar no mérito e sem pretender uma avaliação positiva ou negativa das externalidades desse regime discursivo, precisamos logo dizer que o próprio processo de implementação da nova política de segurança (a “pacificação”) nos diz que ele é falso. Dizer que é um regime discursivo inadequado (e, portanto, falso) não significa “condenar” as UPPs, mas indicar que esse discurso pode paradoxalmente construir mais obstáculos do que apoios à consolidação dessa política tão inovadora. 
1.1 A reorganização da presença de uma ausência
Trata-se de um discurso falso com relação ao papel das forças de segurança do Estado. Sem querer ir muito longe na reflexão, podemos ficar na própria evolução do episódio cardinal constituído pela ocupação ultra-midiatizada do Complexo do Alemão: um ano depois, não sobrou (quase) nenhum dos membros das forças do Estado que protagonizaram aquela operação de “desembarque do bem”, a não ser o Secretário de Segurança (José Mariano Beltrame, que inclusive não é carioca). Aliás, o tal do “bem” que estava chegando apareceu – com base nas operações da Polícia Federal – como sendo uma parte do… “mal”3.
Episódio emblemático disso foi a prisão pela PF de policiais cariocas envolvidos nas operações no Complexo do Alemão de 2010 e de 2007, por ocasião dos preparativos para o PAN. Na época, a operação policial tinha mobilizado 1350 agentes e matado dezenove pessoas4. A figura de um policial nos dá uma imagem adequada do trágico paradoxo em que mergulham os discursos sobre segurança no Rio de Janeiro: em junho de 2007 o principal jornal do Rio de Janeiro dedicava a este policial matéria de página inteira, estampando duas fotos nas quais ele aparecia uniformizado e fumando glamurosamente um charuto depois da “batalha”. O editorial do mesmo jornal tinha como título “Vitória policial”. O conteúdo da vitória foram dezessete “autos de resistência”, ou seja, dezessete mortes de supostos traficantes, comemoradas como se fosse jogo de futebol: “não há registro de uma ação policial no Rio de tamanha dimensão e com resultados à primeira vista tão positivos”. O editorial também expressa a esperança de “que a operação inaugure um estilo de atuação policial(…)”5. É com essa legitimidade que o mesmo policial e a mesma polícia foram afirmando seu “estilo” em 2010, no “dia D”, da guerra do “bem contra o mal”, inicialmente na Vila Cruzeiro e depois no Complexo do Alemão. Porém, no dia 12 de fevereiro de 2011, o mesmo jornal publica a foto do mesmo policial. Desta vez numa página interna, são listados os crimes e delitos dos quais é acusado, boa parte deles tendo acontecido durante a midiática ocupação do Alemão, sob os olhos das câmeras de TV do mundo todo. Desta vez o editorial consiste em um sóbrio e prudente comentário sobre a “crise policial” e a “banda podre da polícia”6. Não cabe nenhuma autocrítica por ter glamurizado e legitimado a prática do roubo e do homicídio por parte dos que deveriam defender a lei. Que tipo de cidade essa imprensa quer? Será que esqueceram os episódios anteriores? Como aqueles que acompanharam a “Operação Rio” do exército em 1994: Juliana Resende, jornalista de OEstado de São Paulo, relata o massacre, com requintes de crueldade e sadismo, de treze pessoas, durante invasão policial no dia 13 de outubro de 1994 no Complexo do Alemão, dias antes de Operação Rio7. Da mesma jornalista e sempre no complexo do Alemão, temos mais um relato sobre outra chacina policial no dia 8 de maio de 1995, quando quatorze pessoas foram mortas – a maioria com tiros na cabeça, como anteriormente – disparados por quinze policiais civis8. Não interessa aqui discutir a elegância com a qual a imprensa se “auto-absolve”, mas a constatação evidente de que o regime discursivo que ela produz e veicula sobre a questão da segurança no Rio (e no Brasil) é – muito simplesmente – falso e tem impacto nefasto sobre a própria segurança9.
Voltando à nossa preocupação inicial, esse episódio nos mostra que a pacificação não diz respeito ao preenchimento de uma “ausência” por uma “presença”, mas a uma reorganização dos modos e dos sujeitos da presença de uma ausência que se tornou obsoleta e inadequada. De outra maneira, diremos que a pacificação é a face mais visível – e talvez mais importante no curto prazo – de uma reorganização do Estado e particularmente de suas forças policiais diante da emergência de uma nova realidade sócio-econômica. Reorganização que está longe de se resumir a uma medida administrativa, pois se apresenta como um processo complexo e extremamente conflituoso dentro da própria instituição policial. Os alertas lançados pelo Secretário de Segurança sobre a necessidade de as UPPs serem acompanhadas por políticas complementares mostram que mesmo a presença “renovada” (pelos novos contingentes de “policiais novos” que compõem a Polícia Pacificadora) corre o risco de vir a ser homologada pelas práticas que está tentando debelar. Paradoxalmente, o que estava ausente (e continua estando) é a cidadania das populações pobres. A duração e o conteúdo da paz dependerá da reversão ou não desse quadro.
A presença do Estado nos bolsões de exclusão que são as favelas era (e continua sendo) caracterizada por um objetivo de regulação norteada pela expectativa de um roteiro de “inclusão”. Quanto mais essa inclusão demorava a se objetivar, nem que fosse no plano de uma possibilidade futura, mais a regulação dos favelados (dos “pobres”, moradores dos bairros “subnormais”, como define o IBGE) ficava pura e simplesmente delegada à Polícia e aos próprios favelados. Por um lado, os pobres multiplicaram suas táticas e estratégias de resistência e de produção (a começar pela auto-construção de suas moradias e de seus espaços urbanos). Pelo outro, a presença estatal (das diferentes polícias) foi “tomando conta” dos negócios. Quanto mais precários, informais, ilícitos, ilegais e até criminais os negócios se tornavam nesses bolsões de exclusão, mais sua regulação institucional e econômica tornava-se uma atividade policial10. Contudo, esta dimensão policial adquiriu níveis econômicos de penetração e consolidação proporcionais aos níveis de violência e arbítrio delegados às policias. O que havia de “paralelo” não era o poder dos narcotraficantes (um poder bem miserável, pois eles nem têm para onde fugir, como demonstrou o recente episódio da captura do “chefão” da Rocinha, o Nem), mas o modo de funcionamento das polícias, inclusive de sua hierarquia (como as diferentes operações da Polícia Federal e os desdobramentos do assassinato da juíza Accioli mostraram). A base desse poder – paralelo mas interno ao Estado – foi (e continua sendo em grande medida) o “direito de vida e de morte” sobre os pobres (cuja definição legal é “auto de resistência). Enquanto a Polícia puder justificar a morte de um pobre de maneira administrativa (quer dizer decidindo administrativamente que era traficante, marginal ou mais simplesmente que se encontrava no caminho de uma das muitas “balas perdidas”) esse poder irá se reproduzindo e o pobre será Homo Sacer, aquela figura ambígua do “sagrado” no Direito Romano. Relembrando Maquiavel, o homem “sagrado” é aquele que pode ser morto, porém não sacrificado; o pobre pode ser morto, mas sem passar por um tribunal. A ambiguidade da figura jurídica do Direito Romano se revela no paradoxo da condição do “pobre” no Rio de Janeiro: protegido pela Constituição (que não prevê a “pena de morte” e contem o ECA) e pelas Convenções internacionais sobre Direitos Humanos, ele é mesmo assim assassinado e até torturado sumariamente, uma realidade que já não encontramos apenas nas nuas estatísticas sobre homicídios e autos de resistência, mas também na estética cinematográfica de sucesso nacional e internacional, em filmes como Tropa de Elite 1 e 2 ou Cidade de Deus11. José Cláudio Alves fala de uma “cultura que, de um lado, é homicida e, de outro, é suicida: a polícia que mais mata é também a que mais morre”.12
Resumindo, podemos dizer que a política de pacificação não é o fato da “intervenção” das forças do Estado onde elas não estavam presentes, mas de uma reorganização dessas mesmas forças, uma reorganização que passa pela pacificação. Dizer isso não diz respeito (apenas) a uma preocupação moral ou política, mas ao fato de enxergar com clareza que o maior desafio da consolidação (em geral fala-se de “sustentabilidade”) dessa política depende do sucesso dessa reorganização, sabendo que a condição de sua duração é mesmo a paz. 
1.2 Cidadania e favelania
Como já foi dito, o regime discursivo sobre a não-presença do Estado nas favelas é falso em relação às questões da segurança (presença e/ou ausência das forças de Polícia na afirmação do “monopólio estatal da força”), mas também no que diz respeito à situação social e institucional dos territórios que estão sendo “ocupados”. Dizer que é falsonão significa estigmatizar automaticamente todo tipo de discurso deste tipo. Pelo contrário, por falso que seja, esse regime discursivo é fortemente hegemônico e não usar seu registro implica aceitar um certo grau de “marginalidade” por parte de quem desrespeita essa hegemonia. Ter o cuidado de observar esse tipo de constrangimento não significa relativizar a crítica, mas afirmar que as dimensões quase consensuais deste regime não podem ser usadas como base para a sua aceitação na reflexão sobre os desafios para a inovação e democratização das políticas junto às favelas e, mais em geral, junto aos pobres.
Obviamente, é pleonástico lembrar que há muita gente morando nas favelas para dizer que não existe nenhum “vazio”. Contudo, as favelas são enxergadas como sendo, nas palavras de Adair Rocha (2005), um “não-lugar da cidade”.13 Mas, como o próprio autor lembra, nas favelas tampouco há vazio institucional. O fato de as instituições não serem formais e/ou legais não significa que não existam e que não tenham sua legitimidade. Uma governança pode existir e ser ela mesma regressiva ou opressiva. O desafio não é, pois, alcançar qualquer nível de governança, mas saber qual á a governança “boa”. Não é pouca coisa dizer isso. As boas práticas das agências internacionais de fomento implicam critérios e indicadores (muitas vezes quantitativos) que respondem a lógicas oriundas das ideias (ideologias) que essas instituições mobilizam (individualismo, iniciativa privada, accountability) a partir de um determinado corpus burocrático e técnico (com sua economia política). Assim, o que interessa é o “corpus” mobilizado, ou seja, “quem” define os critérios de implementação e eficácia das instâncias de governança da pacificação. Trata-se, portanto, de saber se ela (a pacificação) é função do aprofundamento da democratização ou se, ao contrário, em nome dela, é a participação democrática que será “sacrificada”.
É evidente que a pacificação e a formalização se sobrepõem a uma camada de instituições já existentes. O Fórum da UPP dos Morros da Mangueira e do Telégrafo (em 18 de novembro de 2011) oferece um exemplo bem simples. Depois das várias falas mais ou menos institucionais, lá pelo final, um jovem tomou a palavra e usou uma metáfora bem explicita: “Se eu for na Prefeitura, tenho que pedir permissão para falar. Mas aqui o BOPE vem, não pede permissão para ninguém e abre uma rua que sempre ficou fechada” e emendou: “é preciso falar com a associação, saber o que a gente faz aqui, quais são as nossas regras”. Adair Rocha enfatiza a necessidade de se respeitar “a história de organização, de criação e resistência de tantas décadas pelos moradores (…) que dão vida pra Rocinha e selo pro Rio”14. As dificuldades de leitura e homologação desta institucionalidade de fato (o jurista Roberto Lyra Filho falava de “direito achado na rua”) são muitas vezes resolvidas pelos responsáveis políticos e até pelos pesquisadores pela emissão de dúvidas ou outras críticas quanto a sua representatividade. Como se esses problemas não atravessassem toda forma de representação, inclusive aquelas mais formais e legais que existem (ou que podemos imaginar).
Como não lembrar a criminalização consensual que foi feita do movimento conhecido como “favelania, nos idos de 2000?! “Manifestação de favelados põe PM do Rio em alerta” podíamos ler na manchete do Jornal do Brasil de 29 de agosto de 2000. No mesmo dia, o então Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro tinha espaço para escrever uma coluna cujo tiítulo era: “Manifestar para quê?”, onde podíamos ler que “(…) os moradores das comunidades de favelas não precisam de agitações com objetivos pouco definidos, mas da presença cada vez mais constante da proteção (sic) do poder público” (Jornal do Brasil, 29/08/2000, p. 21). Não é de democracia que se precisa, é de “mais” poder público! No mesmo dia, o diário mais difusode maior difusão do Rio publicava um artigo com titulo ainda mais extravagante (do ponto de vista do democrático direito de manifestar): “PM estará de prontidão para evitar badernano ato marcado para hoje”.
Manifestação de pobres é “baderna” e podemos estar tranquilos, pois “filmagens ajudarão polícia a identificar participação de traficantes” (O Globo, 29/08/2000). Rumba, o líder do Jacarezinho (que aparece em foto com o secretário Josias Quintal), acabará tendo problemas judiciários. A mesma imprensa comemorou o fracasso da tentativa democrática, base de qualquer horizonte de governança: “Manifestação convocada por líderes de favelas reúne apenas 400 no Centro”. Nisso, o jornal se apóia na declaração do Secretário de Segurança que “assiste a passeata de seu gabinete e diz que ato foi um fiasco”. O próprio jornal não pode sonegar a informação (embora coloque em caixa bem baixa o subtítulo) de que a tal passeata era para “(…) lembrar os sete anos de Vigário Geral” (O Globo, 30/08/2000). A passeata é associada a à baderna, mas a chacina de moradores realizada por policiais tem apenas um nome que continua estigmatizando a favela onde aconteceu. Quando falamos de governança não devemos esquecer a extrema atualidade deste caso ainda representativo de como a prática da democracia não faz parte do horizonte político e discursivo do conjunto da cidade do Rio de Janeiro15.
Da mesma maneira que se admite tranquilamente que o Estado precisa de operações de guerra (de baixa intensidade, mas experimentadas no Haiti) para expulsar um suposto “poder paralelo”, acredita-se inadmissível a existência de negociações entre as realidades institucionais dos moradores e aquelas do tráfico que – em articulação com forças públicas (da polícia) –constituíram aquele território como base operacional (para o atacado e o varejo do comércio de drogas e outras atividades ilegais e até criminais). Mas não se trata apenas disso. Sabe-se que nas favelas há um dinâmico mercado imobiliário e de aluguel e que a legitimidade das Associações de Moradores muitas vezes deriva do fato de elas preencherem o papel de cartório, registrando os atos de compra e venda. Os trabalhos de Pedro Abramo confirmam não apenas a vitalidade desse mercado imobiliário dentro das favelas, mas também a interdependência entre esse mercado interno e aquele do entorno. Por sua vez, a pesquisa histórica e jurídica de Rafael Soares Gonçalves nos mostra que do ponto de vista do direito formal (da “legalidade”) nunca houve vazio na relação com as favelas, mas políticas propositais de tolerância precária. Uma articulação legal do “precário” com o “provisório” que, aliás, se desdobrou por um período na classificação territorial e funcional das favelas em úteis (aquelas situadas na Zona Norte que deviam abrigar trabalhadores industriais e, por isso, podiam passar a usar alvenaria); e parasitárias (as da Zona Sul, que se mantinham em madeira por causa da precariedade jurídica que inibia os investimentos de melhoria). Longe de estar ausente, o Estado sempre articulou tolerância e marginalização. Mesmo quando os alvarás eram concedidos, eles sempre eram títulos precários.16
Nesse sentido, precisamos problematizar as relações entre “informalidade” e “formalização”: haja vista o “choque de formalização” que está sendo proposto e que implica, desde a primeira hora, “entregar deveres (juntamente) com os direitos (segurança, propriedade etc.)”.17 Algo que devemos discutir também com relação ao processo de regularização fundiária da propriedade.
1.3 Pacificação: qual exceção? 
Assim chegamos a apreender uma das primeiras questões estratégicas colocadas às políticas de consolidação do processo de pacificação, ou seja, a questão da “transição”. A pacificação não é uma intervenção no vazio, mas num pleno social, econômico e institucional e deve ser enxergada como uma mudança de governança que, para durar e ser democrática, precisa associar sua efetividade (a ocupação) a certo grau de legitimidade (e vice versa). Um dos grandes desafios é, pois, o de definir o conteúdo desta fase de transição, seu funcionamento e sua definição. Um primeiro desdobramento diz respeito à situação paradoxal do poder de exceção que a UPP acaba criando. Mesmo admitindo (o que contestamos acima) a presença nas favelas de um “poder paralelo” de exceção (o poder do “crime”), o papel das UPPs no lugar desse poder paralelo não deixa de ser, ele também, um poder de exceção. Aliás, um tipo de poder que ninguém sabe como substituir. Isso apareceu, por exemplo, na proposta de definir uma “autoridade local”: há um certo consenso sobre a situação de “anormalidade”, mas total indefinição quanto ao caminho que pode ser trilhado para a governança das favelas pacificadas, ou para uma governança da pacificação. As dificuldades da UPP Social são bem emblemáticas desses impasses.
Como “construir um novo poder?”, pergunta-se. Quem decide como se negociam os ajustes de conduta? Quem regula, por exemplo, uma companhia de moto-táxi num determinado morro? Quais os parâmetros da “regulação” de um serviço de táxi por motos? Quem avalia os “incômodos” para a vizinhança de um baile funk? É preciso ter autoridade local e/ou de transição? Essa autoridade seria definida como? Ela é mesmo necessária? E se for, qual seu alcance? Qual seria a melhor modelagem? É mesmo papel da polícia pacificadora organizar bailes de debutantes, casamentos e batizados coletivos? Trata-se de uma série de perguntas que por enquanto não encontram resposta, a não ser na prática dos Fóruns das UPPs promovidos pelo IPP com o mote “Vamos combinar?!”.
Parece-nos que a resposta poderia ser construída em quatro momentos (ou níveis):
(i) – Reconhecimento do “estado de exceção”: por incrível que pareça, encontramos uma indicação parecida com a nossa em um editorial do jornal O Globo. Discorrendo sobre como manter “os soldados (das UPPs) blindados contra esperadas investidas corruptoras do tráfico e da banda podre (…)”, o editorial afirma que “o bom gerenciamento das UPPs pressupõe mantê-los no terreno da exceção 18. Mas isso implica uma mudança radical do regime discursivo e assumir o fato de que a exceção comporta dois lados:um, ruim mas já dado, com relação ao Estado de direito (ou seja, o não respeito do Estado de direito); um outro, que pode ser “positivo” de afirmação de uma nova legitimidade, de uma nova governança rumo à “produção de direitos”. O reconhecimento do estado de exceção permite colocar as políticas de governança numa perspectiva constituinte (que retomaremos na terceira parte deste artigo, tentando conectá-la às dimensões constituintes dos próprios territórios produtivos).
(ii) – Assumir todas as implicações da “presença de uma ausência”, ou seja, da representação dentro (e com relação a) desses territórios “intersticiais” (do ponto de vista dos direitos e da legalidade), mas que constituíram na década de 2000 jazidas potentíssimas de crescimento e valor: nos termos de Marcelo Neri, trata-se de jazidas que contêm alto potencial para o desenvolvimento de políticas pró-pobres.
(iii) – O mapeamento do “direito achado na rua”, ou seja, das formas degovernança que já existiam(e ainda existem) para tê-las como bases de referência para uma nova governança. Talvez seja nesse sentido que poderemos entender as reflexões de Cezar Vasquez: “É preciso acabar com os mitos da pós-pacificação. O primeiro é a idéia de que, sem choque de serviços e programas sociais, os criminosos recuperarão os territórios. É preciso inverter a equação. É o fim do controle armado e as UPPs que possibilitam o acesso facilitam a oferta de serviços. Não são os serviços que garantirão as UPPs, mas a liberdade por elas instalada que abre o caminho para a melhoria nessas comunidades”.19 Duas questões se colocam aqui: o que é essa liberdade da qual fala Vasquez? Qual pode ser a governança que pode definir “novas normas”? Parece-nos que a resposta deve ser encontrada na “história (…) das comunidades” e também naquilo que funciona e já está funcionando e que pode passar, no novo marco da PAZ, para outro patamar. De maneira mais específica, precisamos retomar o debate sobre transição do ponto de vista da economia que já está funcionando nas favelas pacificadas, sobretudo no que diz respeito ao processo de “formalização” e à política tarifária que acompanha a cobrança dos serviços de eletricidade, água, esgoto, TV e internet.
(iv) – Problematizar as dimensões espaciais dos territórios envolvidos. Se as favelas nunca foram um vazio, tampouco constituem uma realidade paralela e/ou separada do conjunto metropolitano. Os temas da integração do “morro” e do “asfalto” popularizados por Zuenir Ventura são certamente positivos e estão na base das mudanças que levaram até as UPPs. Mas em termos de uma análise material, tendem a colocar o problema pelo avesso. As favelas já são integradas (ou “cerzidas”, como diz Adair Rocha) à cidade “legal”. O que temos pela frente è o desafio de reorganizar, redesenhar essa integração, rumo a outro tipo de integração. Isso implica, por consequência, que um dos objetivos para as políticas de fomento das UPPs Produtivas é a definição de uma escala territorial adequada: (a) quando falamos da Rocinha/Vidigal falamos necessariamente também de São Conrado, Leblon e Ipanema, por um lado, e da Gávea, por outro; (b) quando falamos do Chapéu Mangueira, falamos – no mínimo – também do Leme, Copacabana, Botafogo e Flamengo como um todo. O que isso significa? Que pensar a pacificação como mudança do paradigma de segurança simplesmente no morro (como se este fosse o único espaço a se caracterizar pelo modo de funcionamento espúrio do aparelho do Estado) acaba deixando de lado que esta é uma realidade de todo o território e que a mudança precisa encontrar sua métrica territorial, metropolitana.
 2. As novas jazidas do capitalismo cognitivo na Sociedade Pólen
Antes de desdobrar a reflexão sobre pacificação e favelas produtivas naquela sobre desenvolvimento local, parece-nos fundamental atualizá-la do ponto de vista do que seria o novo regime de acumulação, ou seja, o tipo de capitalismo que foi se tornando hegemônico a partir do final da década de 1970. 
2.1 Territórios: o novo papel dos serviços
Parece-nos fundamental saber em qual regime de acumulação a mobilização produtiva dos “territórios da paz” vai se inserindo (e com quais contradições esse mesmo regime já está lidando mundo afora). Podemos caracterizar o capitalismo contemporâneo a partir de dois de seus grandes traços estruturais: (a) seu “valor” é cognitivo (intangível, cultural); (b) sua base é “uma sociedade pólen” (novo tipo de trabalho).
(a) O valor cognitivo/cultural: as jazidas de sentido estão nas favelas
Além desses três traços estruturais, diremos também que esta economia (ou este “regime” de acumulação) é articulado entre o local e o global por meio de redes e, até os dias de hoje, governado por meio da expansão exponencial do crédito (as finanças). Esse capitalismo apresenta-se hoje, visto do Brasil, de maneira paradoxal: a crise profunda e de época (“nada será como antes” depois da crise dos subprimes de 2007-8e agora da dívida soberana europeia) transforma os emergentes e o próprio Brasil na mais nova fronteira de crescimento (e acumulação)20. As classes médias do Norte estão em curva descendente (a pobreza aumentou de 15,1% em 2010 nos Estados Unidos, no nível mais alto nos últimos 17 anos, para um total de 43,6 milhões de pessoas). No Brasil, é um movimento oposto que está acontecendo: a base da pirâmide está mostrando, usando as palavras de Marcelo Neri, seu lado brilhante. Ora, essa fronteira de crescimento brasileira não se resume, como dizia André Urani, ao petróleo ou mais em geral à vasta produção de commodities da qual o Brasil é o teatro. Na realidade, anova fronteira são os pobres e, sobretudo, os territórios metropolitanos que concentram seus grandes contingentes: as periferias e as favelas. Os pobres que, nos últimos anos passaram a ser chamados de Classe C e de “nova classe média”. Assim, a TIM anuncia a expansão na banda larga, que terá como local inaugural do serviço de Wifi a Rocinha. Assim, encontramos na Rocinha ocupada (antes da UPP) um panfleto de mobilização da população com base na telefonia celular da TIM.
A nova fronteira representada pelos pobres não é apenas uma reserva de mercado de consumo, mas também uma reserva de “geração” (em geral fala-se de criação, mas o termo geração me parece mais adequado). Uma vez que a cultura é hoje a base de todo e qualquer valor, os pobres constituem uma jazida bem mais estratégica do que se está acostumado a aceitar. E esta não é uma especificidade brasileira: é também na periferia de Paris que se procura pela “arte contemporânea”;21 é do bairro marginal que era SoHo que vem o bairro mais chique de Nova York. Algo muito próximo do Projeto Bela que está em desenvolvimento no Complexo da Maré. Encontramos outro exemplo de como a favela pode constituir uma jazida de “sentido” na proposta de estratégia urbana para a Rocinha apresentada pelo arquiteto Kyle Beneventi no Arch Daily. Trata-se de uma “estratégia destinada a transformar a Rocinha em uma cidade particularmente adequada a uma nova urbanidade”.22
Retornemos ao regime de acumulação. Dissemos que estamos num regime que acumula valor cognitivo e/ou intangível (alguns autores falam de economia do conhecimento, outros de um capitalismo cognitivo23). Podemos exemplificar essa definição em três níveis, a partir de três grupos de autores-trabalhos: (i) o peso do cognitivo na composição dos preços dos bens24; (ii) o papel crescente da economia ou classes “criativas”25 ou, mais em geral, das atividades culturais26; (iii) e finalmente o tornar-se “terciário” das economias (KALETSKY, 2010, p. 33)27:
(i) – A economia do conhecimento ou capitalismo cognitivo não se define, obviamente, apenas por usar o conhecimento. A mudança está no fato de que, enquanto no capitalismo industrial produziam-se bens por meio de conhecimento, no capitalismo contemporâneo, produz-se conhecimento por meio de conhecimento. O valor do conhecimento antes era incorporado no bem manufaturado. Hoje, é o bem que é, poderíamos dizer, desincorporado no valor do conhecimento. Em vários trabalhos pioneiros, o economista evolucionista (ou neoschumpeteriano) Enzo Rullani definiu a economia do conhecimento a partir da descrição da composição do preço de bens manufaturados tradicionais, por exemplo, um par de óculos, um sapato ou uma água de toalete. Ele diz que 95% do preço que o consumidor paga é destinado a remunerar as atividades de design, marketing, merchandising, logística, distribuição, propaganda, gestão. Os 5% restantes são destinados a remunerar a produção do suporte material do bem (a armação onde serão colocadas as lentes), sendo que – cada vez mais – esta produção material é terceirizada e muitas vezes numa cadeia de global sourcing. Ou seja, pode ser fabricada em qualquer lugar… na China ou no Brasil. Ao mesmo tempo, se a essa armação se junta a imagem de uma grande marca de luxo (da haute couture parisiense por exemplo ou do prêt-à-porter de Milão), o valor do intangível pode ser multiplicado por dois. Fala-se também de mass customization, no sentido de que hoje a tecnologia de produção permite tornar compatível a padronização e a personalização: a personalização em massa destrói as especificidades que diferenciavam as grandes empresas das pequenas, mas também os países desenvolvidos dos países em desenvolvimento, pois permitem a “redução do grau de infraestrutura industrial convencional”.28 Para os incrédulos, o episódio da repressão de trabalho escravo em fornecedoras paulistas da multinacional Zara será explicativo.29
(ii) – Mas então, o que é esse valor cognitivo que não está mais embutido no tempo de trabalho (seja esse trabalho humano ou das máquinas)? É um valor relacional, quer dizer, cultural (e criativo neste sentido). De maneira genérica, mas nem por isso imprecisa, podemos dizer que se trata de “mundos”, o glamour de uma grife. No entanto, o “mundo da Nike”, por exemplo, precisa de investimentos sui generis. Para vender aos jovens da nova classe média e das periferias a Nike poderá contratar Mano Brown ou a CUFA, da mesma maneira que a Nextel fará sua propaganda com MV Bill ou Neymar, jovens de sucesso, para adequar sua telefonia aos gostos da periferia. O banco Santander fará sua propaganda com Junior do AfroReggae, para abrir duas agência no Complexo do Alemão antes da pacificação30. Esses “mundos” (modas, estilos, tecnologias, redes) dos quais estamos falando são, na realidade, “formas de vida” e as formas de vida só se produzem a partir de outras formas de vida. É nessa inflexão que se inseriram uma série de contribuições sobre a “economia das singularidades”31, as “classes criativas” (Florida) e a economia do intangível. Muitas vezes, tudo isso é novamente “setorializado” (fala-se então de cadeias da indústria criativa ou de setor da economia criativa) num movimento que integra o novo paradigma e o reduz. O valor cognitivo não é algo que diz respeito a um determinado setor, mas ao processo de acumulação como um todo. Assim, a cultura e a comunicação não são apenas mais importantes em tamanho, mas porque elas passam a estar na base do valor de qualquer bem, sendo que os bens são cada vez mais serviços: relações (cultura!).
Em 2006, em relatório encomendado pelo governo francês podíamos ler: “Seria errado reduzir o imaterial a determinados setores (…). Com efeito, a lógica do imaterial (…) se difunde bem além desses setores específicos e envolve hoje a quase totalidade das atividades econômicas” (LÉVY e JOUYET, 2006).: É exatamente o contrário da definição de economia criativa proposta no Plano da Secretaria da Economia Criativa do MinC. E isso porque não estamos diante da emergência de “uma” economia criativa, mas das dimensões culturais (e nesse sentido criativas) da economia como um todo.32 Um bom exemplo disso seria as sandálias Havaianas, um produto commodity (foi item de cesta básica em alguns estados do Nordeste nos anos 1980, quando já vendia 80 milhões de pares!) que é o suporte de um valor intangível: as praias do Rio, as cores do Brasil, as ondas do Havaí.33 A importância desse paradigma se apresenta com força no crescente peso relativo dos intangíveis (patentes, propriedade intelectual, goodwill) nos ativos das empresas em seu conjunto.
(iii) – Se na economia contemporânea o valor é cognitivo e intangível, sua geração passa a depender (bem como todos os setores e segmentos de produção) dos serviços, quer dizer da circulação (das relações, das redes). É o que analisam os teóricos do welfare das redes ou de um capitalismo capaz de se adaptar continuamente às “variações de mudanças de regras, o Capitalismo 4.0”. Por isso, estatisticamente, as economias se caracterizam por terem um setor terciário cada vez mais importante. Junto com a terciarização vem a terceirização, ou seja, as empresas tendem a externalizar parte crescente de sua produção ou a se organizar pela internalização de fluxos produtivos que já existem nos territórios.
Numa economia terciária e terceirizada, a relação de trabalho se transforma radicalmente. Por um lado, o trabalho se torna cada vez mais qualificado, pelo outro ele tende a acontecer por fora da relação salarial de tipo industrial. Essa tendência se explicita na substituição (na tendência, no paradigma) do emprego pela empregabilidade. Mesmo o servidor público (por exemplo, o professor universitário) precisa sistematicamente demonstrar sua produção intelectual e esta será não apenas avaliada em quantidade, mas em qualidade (com métodos parecidos aos empregados pelas agências de rating que hoje tanto assustam as grandes economias da zona do Euro e também os Estados Unidos). Ora, o mundo da empregabilidade tem duas características: em primeiro lugar, ele depende de investimentos em um capital de novo tipo (que será chamado de “social”, “intelectual”, “humano”: saúde, educação, moradia, conectividade, relações sociais); em segundo lugar, diante da crise do Welfare (como realidade ou como projeto) e da privatização dos serviços públicos, quem deve fazer esses investimentos é o próprio trabalhador. Algo que se passou a fazer com base na expansão exponencial do crédito (que chega ao ponto de substituir a criação monetária operada pelos Bancos Centrais). Ao mesmo tempo, as redes de serviços (privatizadas) foram se tornando as atividades mais interessantes para o processo de acumulação. Estamos assim em meio à dinâmica da crise do capitalismo global. Se na relação de trabalho anterior os direitos (educação, saúde, habitação) estavam atrelados à relação salarial, hoje a inserção na empregabilidade depende do fato de ter havido previamente uma determinada capacidade de investimento.
O que tem tudo isso a ver com o nosso debate sobre mobilização produtiva dos pobres das favelas? Em primeiro lugar, ressignifica a relação entre políticas sociais (particularmente as de distribuição de renda) e políticas de desenvolvimento (neste caso, de mobilização produtiva) e coloca o desafio da concepção e implementação de políticas de tipo transversal. Em segundo lugar, implica apreender as dinâmicas dos nano, micro e médios negócios (um sem número de empresas formalizadas em pouquíssimo tempo) não apenas na perspectiva do empreendedorismo, mas do trabalho: ou seja, de um trabalho que acontece de outra maneira, sem passar pela tradicional relação salarial de tipo industrial. Por isso os custos de transação se tornam estratégicos.
(b) A Sociedade Pólen
Sociedade Pólen constitui a metáfora adequada da transformação social atrelada ao novo regime de acumulação. Yann Moulier Boutang34 retoma o debate clássico sobre economias externas e custos de transação. Não por acaso, na apresentação de seus artigos seminais, R.H. Coase refere-se aos trabalhos de Meade sobre as abelhas polinizadoras por demonstrarem que o “mercado não consegue lidar com (esse tipo) de interações”.35 Na sociedade industrial, a fábula da cigarra e da formiga dava conta da divisão social do trabalho e dos valores. A formiga representa o trabalho de produção e seu valor econômico e moral. A cigarra o não-trabalho, algo imoral. A partir do segundo pós-guerra, a cigarra também veio a ter um papel, enquanto figura daquele consumo sem o qual a riqueza produzida na fábrica (na relação salarial) não consegue um mercado (uma validação social). A formiga tornou-se assim a figura do tempo de trabalho e a cigarra aquela do tempo de lazer, sendo que os dois tempos iam se integrando reciprocamente. A formiga fabricava o carro dentro do chão-de-fábrica e se transformava em cigarra no ato de comprar o carro. Contudo, nesta sequência, o processo de valorização tinha uma direção bem precisa e, pois, uma ordem (ou uma hierarquia): a valorização do carro (agregação de valor) acontecia dentro da fábrica onde os investimentos eram realizados. Uma vez que o bem material saía das portas da fábrica, ele começava a perder valor (a ser consumido!).
No capitalismo cognitivo, o bem material se torna tendencialmente o suporte de um valor intangível que, através da circulação, ao invés de ser consumido, aumenta seu valor. A economia das redes teve seu lançamento formal com o plano das Infovias do vice-presidente de Bill Clinton, Al Gore, enquanto Robert Reich, ministro do trabalho, falava do trabalho de manipulação de símbolos. As infovias, autoestradas da informação, teriam que desempenhar o mesmo papel que desempenharam no Fordismo. Só que as redes não são estradas de rolagem. As informações, quanto mais circulam, mais adquirem sentido e valor. E isso não diz respeito apenas a determinados setores ou níveis de desenvolvimento. Trata-se do funcionamento de toda a economia e de toda a sociedade, exatamente como as redes sociais vêm explicitando e “abocanhando”.
Mas o que é essa circulação na qual o valor dos bens se acrescenta? Trata-se exatamente das relações de serviços (ao mesmo tempo terciarização e terceirização). O trabalho que se torna empregabilidade é um trabalho diferente: muito mais qualificado intelectualmente (inclusive nos setores mais tradicionais) e totalmente relacional (comunicativo). Podemos então usar outra metáfora, aquela da colmeia e das abelhas. Sabemos que as abelhas têm duas atividades: elas produzem mel e cera (dentro da colmeia) e para isso vão de flor em flor procurar o pólen e realizar essa atividade tão fundamental para a geração vegetal silvestre e doméstica que é a polinização (fecundação que permitirá às flores produzir frutos, frutificar!). Para o apicultor, as colmeias são fundamentais na medida em que produzem um excedente de mel (com relação ao que as abelhas precisam para sua reprodução). Em um de seus memoráveis sermões, o padre Antônio Vieira (2011) comparava as abelhas aos escravos dos engenhos: “As abelhas fabricam o mel, sim; mas não para si” (p. 205).36
Por sua vez, para a produção e reprodução vegetal doméstica e selvagem o que é fundamental é a polinização. Antônio Vieira não esqueceu que são as “flores que sustentam o mundo (e) frutificam” (ibidem, p. 138-145). Com A diferença é que a polinização tem um impacto produtivo “n” vezes maior (que inclui a própria produção material do mel) do que o impacto do próprio mel. Temos aqui uma metáfora adequada, elaborada por Yann Moulier Boutang, do que é o trabalho hoje: as atividades relacionais (o “ir de flor em flor” equivalendo à relação de serviço) das abelhas polinizadoras (empregáveis, empreendedoras e dotadas de um certo nível de conectividade) são mais importantes do que o trabalho instrumental (na colmeia) de produção material. Não porque não haja mais produção material, mas porque esta depende duplamente das atividades imateriais: do ponto de vista do valor (é nas relações que se produzem formas de vida, mundos) e do ponto de vista da própria produção (é nas relações que se produz o capital social, humano e intelectual que permite gerar o novo tipo de trabalho, inclusive nos segmentos mais tradicionais: tecnologia).
2.2 Territórios, Serviços e Milícias
A mudança do paradigma de segurança está atrelada às novas relações entre território (metrópole) e acumulação. O fenômeno das milícias pode ser analisado numa perspectiva diferente de como é feito pela mídia e também pelas forças políticas. Comecemos por esta segunda abordagem (as milícias) retornando aos temas mais gerais do desenvolvimento local e da cidade para, no final desse tópico, discutir duas variáveis estratégicas de todo o processo: a questão da propriedade e a da “punição”.
2.2.1 O pulo do gato do capitalismo cognitivo37: milícias e territórios
Muito esquematicamente, o fenômeno das milícias no Rio de Janeiro (do qual se começou a falar com força desde a década de 1990 e que tinha a Favela de Rio das Pedras como caso de referência) constituiu-se numa inovação na “economia” criminal do Rio de Janeiro. A inovação não está, como se tende a achar, no envolvimento de setores importantes do Estado (polícias e bombeiros) com o “crime” (basta ler os jornais e acompanhar alguns casos mais midiáticos para saber disso) e no nível de violência das milícias.38. Sequer as milícias em si são uma inovação (antes, elas eram chamadas de polícias mineiras). A inovação está em seu ciclo econômico e nos níveis de poder – inclusive no campo da representação – que hoje as milícias alcançam. É o ciclo econômico que faz a diferença.
A partir de um dado momento, passou-se a falar de milícias para caracterizar a transformação do comportamento dos segmentos do Estado que até então operavam de maneira complementar aos poderes e interesses econômicos de um determinado território. De uma atividade de “mineração” (empresas e grupos de extermínio e proteção dos comerciantes, muitas vezes extremamente violenta, como o caso da Candelária simboliza embora infelizmente não resuma)39, as polícias passaram aexercer negócios por conta própria. Eis a novidade. E que tipo de atividade passaram a exercer? Por que houve essa inflexão? Em alguns territórios, as milícias passaram a cobrar impostos diretamente dos moradores ou por meio dos comércios (às vezes em troca da “paz” e da expulsão do narcotráfico, outras vezes nem isso). Ou seja, elas passaram a agir como o Estado (só que não “paralelo”, mas dentro do Estado legal, tendo inclusive assento em seus parlamentos e passando pelos partidos mais diferentes). Mais em geral, nos territórios, as milícias passaram a tomar conta dos serviços, por vezes exercendo-os diretamente: fornecimento de água (pública!), terrenos em barrancos, vans, TV a cabo, gás, energia elétrica, moto-táxi, sem falar da “segurança”40.
Por um lado, a própria situação das favelas pacificadas mostra que essa realidade não é especifica das milícias, mas de todos os territórios; pelo outro, sabe-se que o que a pacificação e as denúncias das milícias tornam visível não é novo: o gato é uma instituição antiga e generalizada, eventualmente um desses “direitos achados na rua” do qual falamos anteriormente mas também uma dessas formas de tolerância precária. Mais uma vez, onde está a novidade? Antes, as populações que recorriam ao gato eram de excluídos e sem poder de compra a espera de um roteiro de integração (década perdida nos anos 1980, fraco crescimento nos 1990). O acesso aos serviços era do tipo Welfare State, mas de um welfare que não existia, a não ser na forma da “bica d’água”: por um lado o Estado era incapaz (ou não queria) de levar o bem estar; pelo outro, “tolerava” a difusão dos serviços deixando proliferar o gato; hoje, essas populações são incluídas: elas têm uma renda (são atravessadas pela mobilidade ascendente da Classe C ou da Nova Classe Média). O novo regime de acumulação – bem nos moldes da telefonia celular – passou a incluí-los sem esperar por sua homogeneização prévia dentro da relação salarial de tipo industrial (ou, mais em geral, de tipo formal).
Temos, nos elementos dessa reflexão, não apenas uma indicação sobre a dimensão econômica do processo de pacificação, mas também uma indicação sobre política territorial (metropolitana) de dinâmicas produtivas das quais dependem os serviços. Isto nos leva a mais duas reflexões sobre as UPPs produtivas: a primeira indica a necessidade de se explicitar a dimensão econômica da própria UPP e, mais em geral, do novo paradigma da segurança da qual ela é a parte mais visível e prestigiosa; a segunda diz respeito ao que deve ser o cerne das preocupações para as políticas das UPPs produtivas – os “territórios” produtivos. Poderíamos dizer o seguinte: o novo paradigma da segurança (a pacificação) já tem uma dimensão econômica. O grande desafio é fazer com que ela se torne a mais virtuosa e horizontal possível.
2.2.2 Cidade Partida, Cerzida, Integrada …
No auge do ciclo ascendente da violência urbana, logo depois das chacinas de Vigário Geral, Acari e Candelária, o tema da “Cidade Partida” se tornou referência para um novo debate sobre o Rio. Enfatizando a separação, Zuenir Ventura visava propor uma nova era de integração entre o “morro” e o “asfalto”, entre a Zona Norte e a Zona Sul. Haveria uma cidade partida e, realmente, uma parte dela partiu mesmo, indo para outro lugar ao longo da estrada de ferro ou subindo os morros íngremes. Essa cidade está “perdida no tempo”, exatamente como exemplificava André Urani, dizendo que a diferença entre a Rocinha e a Gávea, embora vizinhos, é de oitenta anos em termos de indicadores de desenvolvimento humano: “atravessando a rua você perde treze anos de esperança de vida” (AZIZ FILHO e ALVES FILHO, 2003).. Só que, paradoxalmente, mais uma vez reafirmava-se o mito da marginalidade e, apesar das boas intenções, tudo era mobilizado numa direção oposta, de generalização e confirmação da violência não apenas como condição, mas também como (impossível) solução. Basta lembrar que naquele momento se abria o caminho apara a volta do exército às ruas com a “Operação Rio”.41 Luiz Antonio Machado descreve a passagem nos seguintes termos: “a hiperpolitização da questão da segurança provocada por medidas tomadas ainda no começo do primeiro governo Brizola (1983-1986), que foram consideradas por parcela significativa das camadas médias como proteção de criminosos comuns”, iria ser “a pá de cal no já enfraquecido (…) consenso tácito que associava proteção social a direitos(s)”. A linguagem da violência urbana se torna hegemônica.42 E a violência se generaliza novamente, confirmando o horizonte autoritário.
Como dizia Fernando Henrique Cardoso, a marginalidade é sim um mito, mas seu “enfeitiçamento (…) só pode dar-se porque o talismã é forte”. E o talismã é a reprodução dentro das relações sociais e econômicas contemporâneas das formas de dominação oriundas da escravidão. Em 1995, a política de segurança voltava-se não para responder adequadamente ao desafio estrutural colocado por uma violência crescente e descontrolada, mas ao medo e ao desamparo generalizados que ela engendrava. A resposta, sem contar o aprofundamento das relações perversas entre crime organizado e aparelhos estatais de repressão, só fazia aumentar a violência e o medo, numa espiral enlouquecida. A procura hipócrita por uma solução maniqueísta que permita contar com a pressão dos pobres e ao mesmo tempo chantagear suas formas de organização democráticas (como vimos no caso do Favelania) acabou entregando cada vez mais poder nas mãos de um aparelho repressivo totalmente descontrolado. Brizola, Nilo Batista e, mais em geral o espectro do “populismo” com suas “bicas d’água”, continuam sendo apontados como os grandes culpados, apesar de todas as evidências indicarem que a virada de 1994 foi desastrosa para a segurança e a cidadania dos cariocas. Ainda hoje a imprensa relata que um dos sessenta e cinco policiais militares presos – em um único batalhão de Caxias – está envolvido em trinta autos de resistência!43
A política de extermínio voltava à moda (inclusive com figuras militares da ditadura alçadas à gestão da segurança pública) e eram instituídos prêmios de produtividade para os policiais que acabavam incentivando a multiplicação dos autos de resistência. A organização política do medo chegou ao ponto de transformar os ensaios de políticas pró-pobres dos governos Brizola (como nos Cieps, com a imposição de critérios de direito para as práticas policiais nas favelas) nas improváveis causas de todos os males. Marcus Faustini (2009), em seu belo Guia Afetivo da Periferia, oferece um ponto de vista bem diferente, de alguém que estava dentro deste embate pela vida: “Só conheci leite tipo B por causa do governo Brizola. Antes dele era raro leite lá em casa. Um saco tipo C, geralmente da marca CCPL, tinha que durar a semana inteira, e, para isso, a maior parte do copo americano tinha que ser de café. A fiscalização de minha mãe e de meu padrasto era permanente. Misturar Claybom no café era minha saída para a situação. Ganhar o saquinho individual de leite diariamente na Escola Estadual Euclydes da Cunha fez o nome de Brizola circular no recreio mais do que o medo da professora de Educação Moral e Cívica” (p. 34).44 E, já que Faustini fala de comida, por que não lembrar o que dizia Keynes (1919) da perversidade da retórica de fazer crescer o bolo para depois distribuir: “a virtude do bolo estava em nunca ser consumido, nem hoje, nem no futuro” (p. 13).45
Contudo, confirmando as dimensões paradoxais e ambíguas das políticas públicas junto às favelas, nesse período aparecem também algumas inflexões na direção oposta. Inflexões insuficientes em termos de escala para constituir uma alternativa, mas que acabarão funcionando como sementes de uma virada maior que somente agora está aparecendo. A primeira inflexão acontece com a nova política de urbanismo e a segunda com a criação da Secretaria Municipal do Trabalho. O protagonista foi Luiz Paulo Conde, inicialmente secretário de urbanismo de César Maia e em seguida Prefeito Municipal. No meio do debate sobre um “Rio que esta(va) em plena recuperação”46 (com o planejamento estratégico importado de Barcelona), o espaço urbano começou a ser enxergado como um espaço de produção cuja vitalidade não mais dependia da pujança econômica geral mas da própria mobilização das redes sociais que o desenham. Mais do que isso, começou-se a pensar que a tradução positiva das dinâmicas macroeconômicas (a sustentabilidade) dependia da mobilização das cidades ou do desenvolvimento local. Nasceu assim a reurbanização dos grandes eixos comerciais do Rio de Janeiro, com o Rio Cidade e, de maneira complementar, o Programa Favela-Bairro, sob a direção do arquiteto Sérgio Magalhães, então Secretário Municipal de Habitação. Quatro anos mais tarde, a criação de uma Secretaria Municipal do Trabalho, da qual André Urani foi mentor e animador, seria mais um passo na direção de pensar e implementar políticas de mobilização produtiva dos territórios metropolitanos. A política de trabalho passava a ser também um problema da metrópole. Torna-se central sua capacidade de “cerzir” a cidadania e seus territórios.47
O Programa Favela-Bairro visava à construção de uma cidade-integrada. Na apresentação de suas bases metodológicas, o então prefeito escrevia: “a moradia é um direito do cidadão; a habitação não é só casa, mas integração à estrutura urbana” e isso implica “urbanização e regularização fundiária de favelas e loteamentos de baixa renda”.48 O Programa começou em 1994, contava com apoio do BID, parceira entre o IAB-RJ e a Prefeitura (através da então Empresa Municipal de Informática e Planejamento IPLANRIO, hoje IPP)49. Licia Valladares escreve: “Finalmente, os últimos anos do século XX assistem ao reconhecimento oficial da existência das favelas pelos poderes públicos através da Constituição de 1988, do recém-promulgado Estatuto da Cidade e do usucapião urbano. O Programa Favela-Bairro, comprova que erradicar e remover correspondem a políticas urbanas do passado, concordando todos quanto à necessidade de integrar as favelas ao tecido urbano” (VALLADARES, 2005, p. 120, grifos nossos)50. A “Solução Final”, como Jaílson de Souza e Jorge Barbosa (2005) definem “o antigo sonho da remoção”, parece ter sido abandonada (p. 45)51.
O Favela-Bairro era um programa de pequeno alcance (apenas 50.000 moradores num universo total de 962.793 habitantes de acordo com o censo de 1991), mas que significava a afirmação de um novo paradigma: não mais remover, mas integrar e integrar urbanizando. “O que fazer?” pergunta o então Presidente do IAB/RJ, Demetre Anastassakis (1996). “A resposta rápida, óbvia é integrar. Integrar a favela na cidade constituída, na cidade formal, torná-la um bairro sem adjetivos. Favela-bairro. Enfrentando pelos favelados da então FAFEG o fantasma da remoção, em uma história que tem lances de guerra e de guerrilha, o paradigma a perseguir é o da integração” (p. 11)52. Falando do concurso para as bases metodológicas do Programa, os organizadores enfatizavam: “O desafio lançado (…) era grande. Integrar as favelas e a cidade oficial deveria representar muito mais do que uma integração física que permitisse a troca e a convivência harmônica (e não mais segregada) entre moradores de ambos os ‘lados’ da cidade” (DUARTE, SILVA e BRASILEIRO, 1996, p.13, os grifos são nossos).53 Trata-se, pois, de integrar, “fundir os lados desta enorme moeda multifacetada que é o Rio de Janeiro” (ibidem, p. 184)..
A mudança de paradigma se anuncia, mas o programa Favela-Bairro também era oriundo do mito da marginalidade renovado pelo discurso da “cidade partida”. Assim, em sua apresentação, o então Secretário Municipal de Habitação escreve: “por meio dele, objetivava-se reverter um quadro de dicotomia crescente entre a cidade formal/legal e a informal/dos excluídos”. Podemos observar que Sérgio Magalhães evita desdobrar a dicotomia formal versus informal nos termos de um dualismo legal versus ilegal, e este será o recorte do Favela-Bairro. Como veremos, não se trata de uma pequena nuance; pelo contrário, em torno dela se jogam muitas coisas. Mas o mito da marginalidade continua em ação na fórmula da cidade partida cujos dois lados, a cidade formal e a cidade informal, precisam ser integrados. No projeto da “Equipe 117”, uma das equipes premiadas, podia-se ler: “hoje há uma urgência de uma busca pela aproximação nesta ‘cidade partida’, mas guardando as diferenças e interpretando as singularidades culturais, num exercício de tolerância” (DUARTE, SILVA e BRASILEIRO, 1996, p. 122). A favela é o informal, o provisório e até o ilegal. No primeiro projeto premiado podemos ler essa definição: “As favelas consistem em aglomerações de casas construídas em invasões ilegais de terrenos públicos ou privados não urbanizados” (ibidem, p. 18).
Contudo, reconhece-se que “essa apropriação aleatória de espaços urbanos” acabou resultando em “mecanismos sociais muito complexos (…)” (idem, grifo nosso). A “Equipe 108” escreve que se “trata de planejar a partir de espaços já construídos que (…) representam (…) tipologias próprias (…)” (ibidem, p. 54, grifos nossos). Com efeito, afirma-se nas conclusões, que as favelas são hoje já consolidadas no quadro urbano, mas continuam partidas: teriam até se transformado “em verdadeiras cidades auto-suficientes”, cidades informais que “desenvolveram engrenagens complexas, dinâmicas sociais particulares, linguagem espacial peculiar e mecanismos próprios de economia, poder e dominação”.
Enfim, como postou José Luiz Lima na página sobre Favelas que ele anima no Facebook, podemos concluir dizendo que “a cidade do RJ é uma cidade em processo de construção, porém se será integrada, partida ou cerzida, isso vai depender de com quais atores sociais se quer compartilhar a cidade”.54
      1. A virada e suas trilhas: propriedade e punição
Uma das perspectivas para pensar o futuro das favelas, do processo de pacificação e da mobilização produtiva do Rio de Janeiro, diz respeito à economia política dos territórios metropolitanos. Quando falamos de economia, estamos na realidade falando de instituições, de leis, de normas: controle do território e das redes, gestão dos serviços, formalidade e informalidade, estatuto da propriedade e, particularmente, da propriedade fundiária. Logo, aparecem duas dimensões fundamentais para apreendermos a “economia política” das favelas e da pacificação: (i) a questão da propriedade e a (ii) questão da racionalidade econômica do “crime” e, portanto, a questão da punição. 
(i) A questão da propriedade
O economista José Márcio Camargo, num seminário organizado pelo Observatório de Favelas, tentou explicitar seu ponto de vista sobre as favelas. Essa abordagem implica, segundo ele, um “alto grau de racionalidade” e isso leva a formular a pergunta sobre “por quê” existe favela? À primeira pergunta segue outra: “por que em alguns lugares têm mais favelas do que outros?”. As perguntas permitem reformular a questão geral das favelas: por um lado, é óbvio que “existe favela porque as pessoas não têm poder aquisitivo para morar em outro lugar”; pelo outro isso não explica por que existem favelas na Zona Sul e não apenas nas zonas mais pobres da cidade. Camargo chega assim à segunda explicação: “(…) existem favelas na cidade (por causa) do tipo de regulação que existe nelas” e “a regulação mais importante em uma economia é o direito de propriedade” (CAMARGO, 2005, p. 127).55
Camargo explicita aqui uma definição corajosa do debate e dos desafios, em particular quando se fala de “regularização fundiária nas favelas”. As favelas, sobretudo aquelas nos morros da Zona Sul, foram construídas por pessoas sem poder aquisitivo e em espaços públicos “mal” regulados: “Se a definição de direito de propriedade (do ar, da água, da terra) for explicitada, se saberá quem vai pagar e quem vai receber para a utilização do bem público. Se não for explicitada, o bem público vai continuar a ser utilizado por meio de um direito de propriedade implicitamente definido. Dessa forma, o bem público vai ser superutilizado, até provocar alguma espécie de desconforto” (ibidem, p. 128).. Pois bem, depois das perguntas, duas afirmações: (a) quando o direito de propriedade não é bem delimitado, ele passa a ser definido pela “lei do mais forte”; (b) o “problema” das favelas passa a ser exatamente esse, “a inexistência do direito à propriedade” (idem)..
Não cabe aqui a discussão de fundo que essas afirmações implicariam.56 Nos limitaremos a observar que a economia da “grilagem” no Brasil pode ser considerada uma anomalia com relação aos países econômica e juridicamente mais avançados, mas também podemos enxergar nela a face explícita e atual que o direito de propriedade apenas esconde (e que reaparece explicitamente nas crises e nas guerras: por exemplo, quando, no dia de lançamento das operações militares francesas para estabelecer a “democracia” na Líbia, o Conselho Nacional de Transição assina um acordo com o governo francês destinando 35% do petróleo líbio à mesma França).57 O que nos interessa aqui é que, com a pacificação, tende-se a mudar as relações de força e as formas de regulação. Camargo é bastante explícito, trata-se de definir e aplicar uma regulação que permita uma “valorização adequada” daqueles territórios (hoje ocupados por favelas) para que a economia da favela não possa se reproduzir. Os direitos de propriedade com os quais ele está preocupado não são os dos favelados: “(…) o morro tem dono e o dono é a cidade, somos todos nós” (CAMARGO, 2005, p. 129).. Fica-se sem saber quem é “a” cidade e quem somos esses “nós”. Mas a questão está colocada corretamente e todo o mundo tem que levar isso em conta (sobretudo os favelados): um dos efeitos da pacificação (sem contar a regularização fundiária que está avançando, embora muito devagar) é a mudança de regulação por meio de um processo de valorização que não é mais atravessado pelo mecanismos ambíguos do governo da precariedade, da autoconstrução da moradia popular pelos pobres (como define Sérgio Magalhães), pelos modos ambíguos de controle do território pela economia do tráfico e pela potência dos pobres (no incrível trabalho de construção em condições técnicas e ambientais extremamente desfavoráveis).
José Marcio Camargo está preocupado com o efeito paradoxal da lei de proteção ambiental que, vetando a construção formal acima da cota 100, desvalorizou aquelas terras tornando-as ocupáveis pelos pobres. O debate atual (na virada de 2012 para 2013) nos mostra quanto a dita valorização pelo mercado (a racionalidade) fica condicionada (arbitrada) pela política, ou seja, pelas benditas relações de força. Temos dois exemplos que não poderiam ser mais nítidos com todas suas implicações: as parcerias públicos privadas negociadas pela prefeito Eduardo Paes – que entregam o Parque Ecológico e a Área de Proteção Ambiental de Marapendi (na Barra da Tijuca) para empresas imobiliárias – apareceram em suas dimensões espúrias pelo papel de free rider que a Câmara dos Vereadores decidiu desempenhar, aproveitando a aprovação do Pacote Olímpico, “(…) no apagar das luzes da atual legislatura”, para fazer passar emendas que “valorizaram em mais de 4 bilhões as propriedades de empresários vizinhos ao Parque Olímpico e ao campo de golfe”.58 Contraditoriamente, numa reportagem do canal SportTV sobre as obras olímpicas, o prefeito por um lado justifica a remoção anunciada da Favela da Vila Autódromo por estar em área de proteção ambiental, e por outro esclarece que o projeto de construção privada (de um campo de golfe) dentro da mesma área de proteção ambiental justifica-se por esta região encontrar-se “degradada”.
O segundo exemplo interessante é a polêmica sobre o Píer em Y que a Companhia Docas do Rio de Janeiro quer construir na região portuária (parte do projeto “Porto Maravilha”), para que vários transatlânticos possam aportar ao mesmo tempo trazendo e embarcando milhares de turistas – de navios de cruzeiro. O Jornal O Globo está conduzindo uma verdadeira campanha de imprensa contra o que chama de “horror” urbanístico, pois o “paredão” constituído pelos mega navios obstruiria a linha do horizonte do novo porto e sobretudo dos museus (Museu do Mar e o Museu do Amanhã). Praticamente, não há espaço para vozes que defendam o Píer em Y nessa sequência de artigos (o projeto do píer ficou órfão, sem pai nem mãe). O que está em jogo, são bens públicos como a Baía de Guanabara onde o Píer deveria ser construído, a paisagem, o interesse por um certo tipo de indústria turística (entre os cruzeiros e as baladas urbanas) e os museus59. “Quanto vale a paisagem?”60, pergunta-se. Só que aqui a ameaça não vem de uma favela, mas de um poderoso segmento da indústria turística e do governo federal (que controla as Docas). Difícil dizer que nesses casos a regulação da propriedade responda a normas objetivas e o mercado a uma racionalidade abstrata e imparcial. Pelo contrário, a valorização aparece como estando totalmente atrelada a elementos de concentração do poder econômico, de limitação do debate democrático que nos remetem, direta ou indiretamente às relações de força, às concessões públicas de TV e rádios. Curioso, pois, que não estejamos falando de favelas. Ainda mais curioso, como veremos, que todos esses debates passem, eventualmente “por cima”, pelas favelas: numa cabine de teleférico.
As ideias liberais e republicanas continuam “fora do lugar” e a “lei do mais forte” tem caminhos que as trilhas da democracia desconhecem.
(ii) Racionalidade econômica do crime e punição
Como dissemos, a segunda vertente pela qual passa a ideia de usar a racionalidade econômica para enfrentar a questão das favelas é aquela do “crime”, e isto com base em dois axiomas: (a) o nível de violência depende do nível de valorização (ou desvalorização) do elemento punitivo; (b) no crime há elementos de racionalidade econômica, no sentido de que os “criminosos”, como qualquer outro agente econômico, agem com base na avaliação sobre os benefícios líquidos de suas ações. Com base nesses axiomas, Sérgio Guimarães Ferreira expõe uma posição surpreendente: “Nos últimos 30 anos predominou entre os formuladores de política, no Estado do Rio de Janeiro, uma agenda que partia do diagnóstico de que a violência decorria da estagnação econômica e era exclusivamente causada pela pobreza e pela desigualdade” (FERREIRA, 2011, p.73).61 O que quer dizer o ex-vice-secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio de Janeiro? Como ele mesmo explica, o problema do Rio era “uma desvalorização do elemento punitivo, como se o crime fosse inelástico à punição e não houvesse no processo de decisão do criminoso qualquer resquício de racionalidade que fizesse comparar benefícios líquidos entre cometer e não cometer um crime” (idem).. Assim, por um lado, essa abordagem pensa que as favelas, “embora pobres, não são caracterizadas pela pobreza” e, pelo outro, “o que hoje claramente diferencia as favelas do resto da cidade, pobre ou rica, é o fato de serem exatamente o que são: favelas” (ibidem, p. 93). “E as favelas somente se definem por serem ilegais, informais, desreguladas enfim, fora da lei. Sendo que a cidade não pode tolerar “um sistema regulatório dual, (…) o próximo passo das UPPs é um choque de ordem (…)” (idem).. O interesse dessa abordagem está no fato de que talvez ela represente o núcleo duro que está na base da concepção estratégica das UPPs: “O que pode ser discutido é quais regras de transição devem ser instituídas (ibidem, p. 95).. Ou seja, o norte está definido e, no fundo, não há nada a discutir.
Uma primeira objeção poderia contestar as evidências materiais de um dos axiomas sobre os quais se organiza a ideia de que, a partir da década de 1980, não se valorizou adequadamente a variável “punição” (tudo indica que a situação é exatamente oposta: é o excesso de punição dos pobres que acabou fazendo sair o tiro pela culatra, posto que os agentes aos quais foi entregue esse trabalho decidiram tomar conta do negócio. Ter chamado essas polícias mineiras e grupos de extermínio não exime a imprensa de suas responsabilidades: a banalização dos atos de bravura, das “vitórias” com dezenas de mortes, dos autos de resistência.
Por trás disso temos a vitalidade do mito da marginalidade e a ideia de que a única informalidade e ilegalidade economicamente irracional seria aquela das favelas. Ora, é só pegar o debate sobre critérios (públicos) de determinação dos impostos para ver quanto tudo isso poderia ser objeto de debate democrático. Por exemplo, o governo italiano determinou recentemente que o Fisco crie um “sofisticado mecanismo de estimação de renda” dos contribuintes a partir do estilo de vida que levam (carros, casas, barcos de lazer etc.) com o propósito de “coibir a sonegação”. Ou seja, a ilegalidade depende, por um lado, da aplicação da lei e, pelo outro, da formulação da lei. Claro, dizer que a ilegalidade não específica da favela não significa “justificar” que nada aconteça com relação a ela na favela. Mas apontar para esse exemplo de mudança no critério de repressão da sonegação fiscal nos mostra que, mesmo um governo técnico, mexe com relações de forças. Tudo depende, obviamente do crivo político pelo qual a tal racionalidade econômica passará.62
Porém, a parte mais interessante da abordagem de Sérgio Ferreira está na referência dogmática ao economista Gary Becker.63 Com isso, voltamos a mesma perspectiva mobilizada por José Márcio Camargo sobre a questão da propriedade. Ou seja, estamos sempre falando de “externalidades” e, nessa medida, de regras que definem e/ou reconhecem a utilidade econômica delas. Ora, é preciso ver que nessas abordagens (da teoria econômica do crime) o economista “rejeita todo tipo de julgamento moral” e se limita a distinguir as atividades criminais das atividades legítimas com base no único critério do tipo de risco que elas comportam.64 Ou seja, a atividade criminal é aquela que faz correr o risco de ser preso (e condenado) a quem a pratica, e a racionalidade do crime seria essa mesma. A punição é o modo de evitar as externalidades negativas de determinados atos. Então, a verdadeira questão de Becker em seu artigo seminal não é como eliminar o crime, mas “quantos crimes devem ser permitidos? E quantos delinquentes devem permanecer impunes? (FOUCAULT, 2004, p. 262 e ss.).65 Isto depende, portanto, de uma determinação social que nos leva de volta à questão da democracia.
Acompanhando Becker, o nível de legalidade ou de ilegalidade depende da tolerância da sociedade com esses comportamentos (suas externalidades) e isso mostra bem como o Rio pode aguentar tamanho nível de violência, exclusão e segregação e ainda pedir mais punição. Ou seja, para Becker, não se trata de querer eliminar o crime, mas pensar em um certo equilíbrio entre oferta e procura do crime, e isto poderia implicar uma determinada flexibilização e/ou adaptação da proibição das drogas (ibidem, p. 261).
2.3 A LageLaje, o “Píer em Y” e o Teleférico
Jaílson de Souza e Jorge Barbosa apresentam um caso bem interessante do que eles definem como um planejamento e uma urbanização pouco democráticos: “Um bom exemplo da lógica autoritária que norteia a intervenção estatal é a construção de três conjuntos habitacionais na Favela da Maré, durante a década de 1990 – todos sem lajes. Como qualquer morador da periferia sabe, a existência da laje nas casas é um ativo social e econômico importante. A laje é também a principal herança, em geral, que os pais podem deixar aos filhos, além de funcionar como área de lazer, espaço de reunião da família e dos amigos. No entanto, todos os assentamentos feitos na Maré ignoraram essa estratégia. Pelo contrário, os arquitetos elaboraram seus projetos de tal forma que qualquer alteração seria impossível, Eram suas ‘obras’, e não o espaço de direito dos seus ocupantes” (SOUZA e BARBOSA, 2005, p. 65)..
Marília Pastuk relata que, no Cantagalo, “os moradores estão apreensivos com relação a tais procedimentos (PAC, Morar Carioca…) porque não sabem ao certo que obras serão essas e quais implicações traduzirão” (PASTUK et al., 2012).66 Um morador declara: “A UPP não resolveu os problemas (…) porque vem com tudo pronto (…) fora da realidade (…)” (ibidem, p. 31).. Em linha geral, houve uma atuação da Secretaria Municipal de Habitação e um decreto do prefeito para “limitar horizontalmente e verticalmente a expansão das favelas”. Isso “(…) tem sido um motivo de acirradas celeumas entre moradores locais e entre estes e representantes do poder público”. Mais uma vez, aparecem sinais de autoritarismo e total falta de participação: os moradores, “além de não saberem exatamente quais as implicações decorrentes de tais decretos, só tomaram conhecimento da existência dos mesmos quando fiscais começaram a circular nos territórios embargando obras realizadas sem autorização e distribuindo ‘autos de interdição’ das casas localizadas pelo decreto como sendo de risco” (ibidem, p. 34-35)..
Será que está se repetindo o que Sergio Magalhães disse em certo momento: “O que nós temos experimentado, nesse mais de um século de república, é uma absoluta falta de democracia em relação à cidade, em relação à habitação do pobre. A república brasileira começou e a primeira grande obra do primeiro prefeito eleito, Barata Ribeiro, foi condenar os cortiços que existiam no Rio de Janeiro. E no final do século XX, os cortiços eram a moradia dos pobres” (SOUZA e BARBOSA, 2005, p. 131).. Assim, no Brasil o modernismo acabou se tornando uma idéia “fora do lugar” que arrasou o lugar: de “cima para baixo”, passando por cima do tecido urbano construído: “… só a cidade modernista poderia ser uma boa cidade (e) para isso, nós tínhamos que demolir o Centro (…). Durante cinquenta ou sessenta anos, o Brasil trabalhou nessa ideia de (…) ter edifícios altos no meio de parques com autopistas” (ibidem, p. 132).. Gerações de arquitetos e urbanistas foram formados nessa perspectiva: “era quase um dogma de fé”. Sendo que o povo “não sabia fazer (fazer isso), os governos, os arquitetos e a legislação, tudo junto, é que sabiam e diziam para o povo como é que ele tinha que morar” (ibidem, p. 133).. Com efeito, o urbanismo modernista nasce – no período entre as duas guerras mundiais – da ideia de poder resolver “racionalmente” os crescentes conflitos de classe. Assim, o projeto de habitação popular do Minhocão e do Pedregulho previam até um regimento regulando “como devia ser usado o vaso sanitário etc.” (idem). Yona Fridman se refere ao Brasil como um pais onde o “ato arquitetural é ditatorial” (FRIDMAN, 2006, p. 41)67.
Contudo, é o urbanismo modernista mais tecnocrático que chega ao Brasil. Carlo Giulio Argan (2005) explica que os dois maiores líderes da arquitetura modernista foram Le Corbusier e Gropius. Os dois pensavam uma reforma racionalista, mas “tratava-se de dois ‘racionalismos’ de sentidos contrários, que conduzem a soluções opostas da mesma questão. Le Corbusier assume a racionalidade como sistema e traça grandes planos, que deveriam eliminar qualquer problema; Gropius assume a racionalidade como método que permite localizar e resolver os problemas que a existência vai continuamente apresentando” (p. 12).68 Ou seja, Gropius assume a imperfeição (o desequilíbrio, o caos, o conflito) como horizonte insuperável com o qual a racionalidade do planejamento ajuda a lidar. Le Corbusier pretende reduzir toda a realidade à perfeição sistêmica da racionalidade, eliminando qualquer problema. Argan argumenta que esse contraste se tornará ainda mais nítido ao longo da história: “Le Corbusier joga todas as suas cartas no prestígio da burguesia revigorado pela vitória’, quer ajudá-la a fazer sua paz depois daquela que havia sido sua guerra; dá como garantia da futura cooperação pacífica entre os povos aquela civilisation machiniste que havia sido uma das causas do conflito; sonha fazer de cada trabalhador um pequeno-burguês, compensando com um standard de bem-estar material a renúncia aos direitos e à luta de classe”. É este projeto, este modernismo, que ocupa a fronteira a desbravar do “país do futuro” e isso porque, como Argan explicita, “ao mundo que anseia por uma nova ética, ele oferece radiante, uma perfeita eugenética social” (ibidem, p. 13. Grifos nossos).. É a utopia dessa eugenia racional que foi o estertor do urbanismo modernista nas grandes cidades brasileiras e no Rio de Janeiro em particular. Precisamos tomar cuidado para que essa utopia reacionária não volte pela janela, depois de ter saído pela porta.
Na era do Favela-Bairro havia plena consciência desse perigo. “Integrar deveria significar atuar de forma a não impor valores advindos dos padrões culturais da cidade formal sobre a informal, de maneira a evitar a exclusão cultural e social de seus moradores” (DUARTE et al., 1996, p. 13).. O então presidente do IAB, Demetre Anastassakis, escreviae: “O outro desafio pertence certamente aos arquitetos e urbanistas e, por extensão, à academia. Trata-se de inventar desenhos tais – seja de arquitetura, seja de desenho urbano – que integrem, que sejam bonitos, muito bonitos, para que a favela seja aceita por todos e os favelados tenham orgulho, mas que não suscite a cobiça da classe média para querer comprá-la como lugar folclórico para viver. Ou seja, desenhos tais que aumentem o valor de uso das moradias e do próprio Favela-Bairro a um nível igual ou maior ao do valor de troca, possibilitando que uns não queiram sair e começar tudo de novo e outros não queiram entrar, mas sim comprar ou promover sua própria solução. Este novo desenho não será um modernismo culturalmente exógeno, socializando o luxo, nem será uma mimetismo contextualizado, romantizando a pobreza: será um desenho que sairá do dia-a-dia, que represente a modernidade a serviço da cultura-popular” (ANASTASSAKIS, 1996, p. 12)..
Enfim, o caminho desejável é aquele da constituição de uma real política de segurança e a única maneira para que a paz e a segurança fiquem juntas é a participação democrática. Pois bem, por que não acontece o mesmo debate sobre o “Píer em Y” no Porto Maravilha, em particular sobre os teleféricos que estão sendo sistematicamente implementados (no morro da Providência, parte do projeto Porto Maravilha), passando literalmente por cima das opiniões dos moradores. A mesma coisa aparece na Rocinha, onde muitos moradores se disseram indignados com o supérfluo da passarela luxuosa diante da permanência das valas a céu aberto, logo ali, no Valão, perto da passarela.
Quando penso no futuro não esqueço meu passado”, diz o Samba de Paulinho da Viola. Para apreender o futuro, precisamos voltar às dinâmicas do passado. Todo raciocínio sobre posse, regularização fundiária e planejamento urbano (ou seja, sobre o arrazoado de normas, instituições e leis que regem e constituem o “mercado”) deve levar em conta esse passado, sob pena de abrir o caminho de outras guerras. A lição de John Maynard Keynes continua atual.
Em 2003 Sergio Magalhães avaliava que apenas 20% das moradias brasileiras construídas depois de 1940 recebeu créditos públicos ou privados: “Ou seja, de cada cinco casas, pouco mais de uma teve crédito. E como é que o povo construiu suas casas, então? Poupando no dia-a-dia e comprando aos poucos um tijolinho, uma lata de tinta, um saco de cimento. E onde foi construir? Onde foi possível, porque (…) as pessoas precisam cada vez mais de moradias” (MAGALHÃES, 2005, p. 135).. Então, estamos diante de um esforço gigantesco de poupança como base de um titânico processo de autoconstrução do espaço urbano: quando olharmos para as favelas em seus morros íngremes ou loteamentos distantes de serviços dignos e com sistemas de transportes caros, ruins e precários, podemos imaginar o que significou transportar cada tijolinho, cada lata de tinta, cada saco de cimento até os picos dos morros ou até os loteamentos longínquos.
Ao mesmo tempo, Sergio Magalhães lembra: “este é o quadro espetacular que a sociedade brasileira construiu para viver na cidade”. Talvez pensando nisso Yona Fridman (2006) escreveu: “A penúria é a mãe da inovação social ou técnica (…) é a sociedade do mundo pobre que está inventando a arquitetura de sobrevivência” (p. 15). Mas isso teve um preço, como aponta Sergio Magalhães: “o pobre brasileiro construiu espetacularmente um Brasil urbano com a sua poupança cotidiana”. Ao passo queEnquanto quinze milhões de automóveis foram todos construídos com base no crédito, “o pobre poupou e nesta poupança perdeu-se, talvez, uma geração. Caso o mesmo pobre tivesse tido acesso a um crédito facilitado, ele poderia ter estudado mais, mesmo à noite e a família poderia ter mais saúde, pois ele teria água e esgoto. Poderia, enfim, ter uma renda, pois não precisaria construir a um custo muitíssimo alto” (idem)..
Hoje, a pacificação acontece num marco relativamente diferente. O crédito está em expansão, a renda dos mais pobres cresceu por meio da valorização do salário mínimo, da geração de empregos formais e das políticas sociais. Mas, junto à pacificação vem o pagamento dos serviços básicos de água, luz, TV a cabo (e internet), a formalização dos micro e nano-negócios e fala-se cada vez mais do IPTU. Apesar da baixa qualidade e precariedade desses serviços, o acesso gratuito ou de baixo preço constituiu uma complementação importante da renda, algo que agora se traduz em maiores investimentos por parte dos pobres em educação, saúde e infraestrutura (computador, smart phone), ou seja, na recuperação da geração perdida da qual falou Sergio Magalhães. Para ele: “Os futuros eventualmente maus, bons ou maravilhosos serão comuns para a cidade do Rio de Janeiro e para as favelas cariocas. E essa certeza não vem de nenhuma previsão de cartomancia, ela é o fruto de um século de experiência da nossa história” (SOUZA e BARBOSA, 2005, p. 130).. A positividade e/ou negatividade dessa relação da cidade com a favela é diretamente proporcional aos níveis de democracia. Aqui, a democracia e a mobilização vão juntas, da mesma maneira que a autoconstrução das favelas foi o terreno constituinte de uma democracia travada, que só nos últimos anos estamos começando a “trilhar”.
Mas, quando lemos Sergio Ferreira e Maína Celidónio69, aparece um projeto de UPP, dentro das UPPs, que é basicamente um projeto de desfavelização. Este necessariamente, implica a repetição das antigas tentativas de segregar os pobres nas periferias das vilas: Vila Aliança, Vila Kennedy e Cidade de Deus, a começar pelo conjuntos habitacionais de Cosmos, Santa Cruz. Na perspectiva do que foi o vice-secretário que deveria ter tocado a UPP Social, “não existem grande diferenças entre favela e não favela, quanto à cobertura de serviços essenciais domiciliares básicos” (FERREIRA e CELIDÓNIO, 2012, p. 435).. Assim, “os esforços de urbanização nas décadas de 1990 e 2000, (…) que foram executados pelos governos federal, estadual e municipal” agora devem deixar espaço para que se acabe com “a indulgência com a informalidade nas favelas” (idem).. E por quê? Porque existiria uma “associação entre “informalidade e ilegalidade” e isso “pode eventualmente enfraquecer o programa das UPPs e o processo de pacificação” (idem)..
Como dizia Fernando Henrique Cardoso (1977), o mito da marginalidade pode bem ser falso, mas ele participa da máquina que integra e ao mesmo tempo explora os favelados (os pobres) segundo determinadas modalidades de exclusão e segregação espacial e racial. Não se trata de descobrir a “verdade” atrás do mito, mas a verdade do mito, ou seja, nas palavras do Fernando Henrique Cardoso, “a estrutura do mito” (p. 13 e 15),70 como ele funciona, qual é sua força, a força de seu talismã. Esse talismã é a reprodução da escravidão dentro de todas as fases de “modernização”, ou seja “o vulcão em que assentava a sociedade, e esta se tornou a fonte de uma situação de violência para ambos, senhores e escravos” (CARDOSO, 2003, p. 352, grifos nossos).71 Não por acaso, a metáfora do vulcão era usada por José de Alencar (2008), em suas “cartas” a Dom Pedro II para que ele não abolisse a escravidão: “Rompa-se esse freio (i.e. a escravidão), e um sopro bastará para desencadear a guerra social, de todas as guerras a mais rancorosa e medonha” escrevia Alencar para perguntar em seguida: “Julgais que seja uma glória para vosso reinado, senhor, lançar o império sobre um vulcão?” (p. 86).72 Sabemos que o atraso da abolição, a sua reprodução na ausência de reforma agrária, na modulação do racismo, em subordinar o “progresso” à “ordem” é que fez do país e de suas cidades um vulcão e uma guerra mais medonha porque insensata e cotidiana. Hoje esse vulcão são as favelas.
Diante disso, o debate sobre as regras de transição que podemos inventar para que a constituição desses territórios não se limite à reorganização da segregação de ontem em novos moldes torna-se ainda mais atual e urgente, sobretudo se o pensarmos do ponto de vista da mobilização produtiva.
3. Empresa, emprego, trabalho: Plano Marshall e Bolsas do Trabalho e das Empresas
Uma das grandes preocupações de André Urani era de pensar a mobilização produtiva dos territórios como terreno de mobilização democrática. Para ele a mobilização era constitutiva de um “espaço (…) público que não seja estatal, onde diferentes níveis de governo, a sociedade civil, a universidade, as empresas que estão aqui possam trocar diretrizes de longo prazo, compartilhar esforços, monitorar resultados, rever diretrizes, redesenhar projetos, mas caminhar em direção a metas de longo prazo. Nós precisamos voltar a pensar o futuro de longo prazo” (AZIZ FILHO e ALVES FILHO, 2003, p. 133)..
No início da década de 2000, havia uma grande atenção para novos modelos e as trajetórias de desenvolvimento que associavam a mobilização produtiva com maiores elementos de democracia (redução da desigualdade, maior participação) e, portanto, baseadas em políticas que visassem o “ambiente” mais do que uma determinada cadeia ou os global players de sempre. O conceito de “territórios produtivos” que elaboramos naquele que chamávamos de “consenso de Manhattan”73 dizia respeito a essa convicção. É um pouco a isso que André Urani se referia quando afirmava a urgência de se pensar o Rio de Janeiro para além do petróleo. Homenageando esse esforço de André, Gerardo Silva (2012) aponta as duas agendas contraditórias em torno das quais se desenvolvem as grandes políticas de desenvolvimento do Rio de Janeiro: uma primeira agenda embasada no desenvolvimento industrial e cujo eixo é o arco metropolitano destinado a conectar a zona industrial do porto de Sepetiba (em Itaguaí), a CSA com a COMPERJ em Itaboraí; e uma segunda “embasada no desenvolvimento pós-industrial”, cujo eixo é o Projeto Olímpico”74.
Nossa abordagem dos territórios era de dizer que os níveis produtivos de cada um deles dependiam dos horizontais de mobilização que os constituíam. As UPPs são um novo paradigma da segurança organizado justamente em torno da reorganização dos territórios. O desdobramento da mobilização rumo à paz em produção a partir da paz constitui o grande desafio dos próximos anos: para a consolidação das UPPs e também para a definição do que essa paz será. As UPPs são a segurança do projeto industrial ou daquele olímpico? Ou elas têm um dinâmica própria?
Nesse sentido, os parágrafos finais estão organizados em torno de uma breve reconstituição do debate sobre desenvolvimento local, a nova relação entre trabalho e direitos e, por fim, uma proposta de coordenação horizontal das iniciativas empreendedoras nos territórios das UPPs.
3.1 As diferentes configurações do desenvolvimento local
Na procura de modelos para liderar as políticas voltadas para o desenvolvimento das pequenas empresas em níveis locais, o SEBRAE nacional mobilizou naquela época (de 2000 a 2002) pesquisadores e consultores de abordagens diferentes. Procurava-se um outro horizonte das políticas de desenvolvimento, onde as dimensões “locais” (do espaço dos agenciamentos) e “pequenas” das empresas (o tempo dos fluxos) fossem o terreno de uma nova cidadania, inspirada na noção de “empoderamento” e de empreendedorismo. Essa cidadania material pode ou deve ser “produtiva”, ou pelo menos a base de uma mobilização produtiva. As noções mobilizadas diziam respeito ao fato de que para se pensar o desenvolvimento local era preciso apreender a existência de um capital de novo tipo (social, intelectual, humano). Esse capital de tipo novo diz respeito ao fato que a parte variável (o trabalho, a inteligência dos homens em geral) é não apenas tão importante quanto o capital fixo (o que é incorporado na tecnologia), mas também se mistura com ele nas formas que constituem os territórios (as metrópoles). Assim, para falar da centralidade deste capital de tipo novo, que corresponde não mais a uma fábrica (ou indústria), mas a determinados territórios, é preciso fazer referência aos “laços sociais”, à “confiança” (de onde vem o crédito) e de instituições “achadas na rua”: por exemplo, as “Osterie” do Vêneto italiano transformadas em think tank sui generis (exatamente como André Urani havia feito no Osterio).
O documento elaborado no Hotel Manhattan de Brasília tentava colocar no cerne das preocupações os territórios e subordinar a esses as noções de setor ou cadeia produtiva, além das noções tradicionais de cluster ou cadeia produtiva. A noção de Território Produtivo75foi organizada em torno de três princípios: (a) os territórios produtivos são redes; (b) a sustentabilidade das redes que desenham um território produtivo é multiníveis (ou multidimensional): social, técnica, institucional; (c) o desenho das redes (a cartografia dos territórios produtivos) é o resultado de momentos constituintes dentro das redes metropolitanas. Chegamos então a nossa questão e/ou desafio: a confirmação do processo de pacificação por seu desdobramento e amplificação exponencial em termos “produtivos”. Ou seja, para saber o que seja uma política de fomento e apoio às UPPs produtivas precisamos enxergá-las como territórios produtivos e dessa maneira formular uma nova questão: do que depende a constituição dos territórios produtivos? Depende da presença e proliferação de um novo tipo de bens: desde os serviços (básicos e avançados), hoje controlados por um lado pelas milícias e pela informalidade, e por outro pelo Estado (educação, saúde, programas sociais), até as diferentes formas de capital (social, humano, intelectual), passando pelos custos de transação ou externalidades (a propriedade). A proliferação desses bens de novo tipo permite a mobilização produtiva enquanto mistura de produção e circulação, de geração de empregos e empreendedorismo difuso: “Brasil registra 170 novos empreendedores individuais por hora, 122 mil por mês e deve chegar a 4 milhões até 2014”.76 Como vemos, tudo isso já acontece: na mistura de políticas sociais, serviços públicos e privados, formais e informais, legais e ilegais. E a transição, como dissemos, é necessária não apenas para evitar intervenções brutais, mas sobretudo para que a mudança se torne durável.
Mas, quando falamos de transição e tentamos traduzi-la em termos de modelos e instituições de governança, não sabemos como fazer. A noção de uma “autoridade” que estaria a cargo dessa passagem não logra, nem de longe, apontar para os sujeitos, os âmbitos, os modos de funcionamento. Por que esse impasse? Porque os bens dos quais falamos (e dos quais depende a constituição produtiva dos territórios, ou seja, a sua mobilização) são bens de um tipo muito especial: eles não são nem estatais, nem privados. André Urani pensava que essa “terceira” dimensão seria exatamente aquela de uma sociedade civil produzida em âmbitos locais e metropolitanos como sendo uma parceira entre o público e o privado: “o grande desafio que temos (na pacificação) é o do quebra-cabeça do redesenho do espaço-público (ou seja, da costura de parcerias público-privadas)”.77 Parece-me que essa é uma base importante, mas que precisamos ir além: como juntar a “transição” e a “governança” (a “autoridade”) na mobilização produtiva dos territórios da Paz (das UPPs)?
A sociedade civil que deveria assumir esse papel nos falta. Ela está duplamente em crise e é essa dupla crise que determinou a necessidade das UPPs. Ela estava em crise pelos níveis de exclusão, desemprego, desigualdade, informalidade, violência que a caracterizavam e ela está em crise porque o tipo de inclusão que está acontecendo hoje não tem mais na construção de uma sociedade “assalariada” e industrial seu norte, suas formas e mecanismos de representação.
3.2 Empresas e Empregos78, Trabalho e Cidadania
Uma boa maneira para se apreender a crise da sociedade civil é pensar a mudança da relação entre trabalho e emprego, e esta do ponto de vista da nova relação entre trabalho e direitos (ou cidadania). Diremos que é a relação entre emprego e empresa que mudou e está mudando, no sentido de que os dois termos tendem a se confundir. Isso significa enfim que o trabalho se transforma radicalmente (não coincidindo mais com a o emprego) e a empresa também muda de funcionamento, não contendo mais a totalidade dos empregos (ou seja do trabalho). Isto é, o trabalho tende a acontecer fora das empresas e aponta para um duplo movimento. Por um lado, a empresa (o espaço de produção) se torna aquele das redes de cooperação (terciárias e de terceirização) que desenham os territórios. Pelo outro, o trabalho tende a aparecer como empresa. Então, quando falamos de empregos formais, de formalização das atividades empresariais e empreendedorismo, temos que colocar esses processos nessa perspectiva. Ou seja, estamos falando de outras coisas, de outras realidades.
Não é mais o trabalho (assalariado e de tipo industrial) que proporciona a integração (inclusão no sentido “positivo” que esse termo acabou tendo na literatura sociológica da “questão social”) e proteção social. O acesso aos direitos não é mais hierarquizado em torno da relação salarial e de suas figuras dominantes: o capital monopolista estatal e privado e o homem adulto branco assalariado pela grande indústria e organizado nas grandes organizações sindicais (ou nos clubes de boliche dos quais Robert Putnam fala nostalgicamente)79. Quando o trabalho é mobilizado por meio da empregabilidade, ou seja, de suas próprias capacidades (manuais, intelectuais, sócias) de trabalhar, sua qualidade passa a depender da cidadania (dos direitos) como condição prévia. Essa dimensão prévia implica também uma transformação da própria noção de cidadania. Passamos assim do direito do trabalho ao desafio de construir o trabalho dos direitos. Não se trata apenas de uma questão de sequência, mas do próprio conteúdo e estatuto dos direitos (isto é, da cidadania). Não se trata nem da cidadania holista das grandes corporações estatais ou privadas, nem daquela individualista da competição generalizada.
Hoje, no regime de acumulação do capitalismo cognitivo, a qualidade do trabalho (sua produtividade), seus níveis de remuneração e de proteção passam a depender do tipo de direitos aos quais os trabalhadores têm acesso, ou seja, de quanto eles são cidadãos independentemente do tipo de inserção no emprego. Ao mesmo tempo, os direitos não são mais os mesmos. Ou seja, como dissemos, é a inserção na produção que passa a depender da integração nos direitos. Há duas maneiras interessantes de se aprofundar as reflexões sobre essa inversão: uma primeira, mais geral, diz respeito à noção de “exclusão”; uma segunda, mais específica, diz respeito ao debate sobre os programas públicos de distribuição de renda (por exemplo, o Bolsa Família e todo o debate sobre o sistema previdenciário brasileiro). Em primeiro lugar, diremos que o capitalismo global, articulado entre finanças e redes, não é excludente, mas altamente inclusivo: todo mundo é incluído, mas a mobilização produtiva acontece diretamente na sociedade (na reprodução) e nos territórios (da circulação), portanto, sem nenhum processo prévio de homogeneização social. Os excluídos, como já tivemos a oportunidade de escrever, são incluídos enquanto tais (enquanto excluídos), pela modulação dos fragmentos e da heterogeneidade.80 Ou seja, o tipo de inclusão não depende mais do fato de ser ou não mobilizado e explorado, mas do tipo de direitos prévios aos quais teremos acesso como população em geral e não como camadas específicas de proletariado destinado a vender sua força de trabalho.
Em segundo lugar, podemos apreender o debate sobre as políticas de distribuição de renda em termos completamente novos e compreender por que ele foi ao mesmo tempo objeto de críticas “esquerdistas” e “conservadoras”. Ao passo que as críticas conservadoras reafirmaram a necessidade de incluir para subordinar por meio do emprego e, pois, declararam assistencialistas e ineficientes os gastos com a distribuição de renda porque não comportam uma “porta de saída”, as críticas pela esquerda vão no mesmo sentido (a emancipação passa pela oferta de “emprego”) e também acusam essas políticas de “desmobilizar” os pobres, enfraquecendo os movimentos sociais. Trata-se, em todos os casos, de críticas inadequadas (embora aquelas da direita tenham tido, e continuem tendo, uma função bem precisa de impedir, por exemplo, a ampliação e universalização do programa Bolsa Família rumo a uma renda universal) porque respondem a uma situação nova a partir de esquemas conceituais e políticos oriundos do capitalismo industrial. A inadequação está, na esquerda e nos movimentos, na incapacidade de apreender que – diante desta “inclusão dos excluídos enquanto tais” (enquanto meros corpos) – aparecem novas contradições, novas lutas e novos direitos: por um lado, todo mundo é incluído e explorado o tempo todo; e, pelo outro, essa mobilização produtiva se faz mantendo a precariedade dos que estavam fora do mercado formal do emprego e levando aqueles que estão dentro da relação salarial a uma precariedade crescente, inclusive de tipo subjetivo.
A emergência de uma nova classe média (no Brasil) e a decadência das classes médias nas economias centrais indicam que estamos assistindo a algo como um devir-trabalho-vivo da sociedade como um todo e, pois, ao fato que hoje as classes médias são “centrais” porque perderam o estatuto intermediário que tinham no regime industrial para constituir a nova composição de um trabalho fundamentalmente terciário que, cada vez mais, mistura, empregos com empresas e vice-versa.
3.3 Proposta: um Plano Marshall e a Bolsa de Valores do Território
Ao passo que a política das UPPs foi se consolidando como eixo estratégico de reorganização do modo de atuação do Estado nas favelas e na cidade, os próprios responsáveis pela sua concepção e implementação afirmaram que a pacificação (o desarmamento do tráfico) não é suficiente, que é preciso a “complementação” de outras intervenções e políticas públicas. Foi assim lançado o projeto de UPP-Social. Há, contudo, sérios problemas de definição do modo de funcionamento, das competências, dos recursos mobilizados, do alcance e duração das políticas implementadas e a UPP-Social passa hoje por uma crise bastante paradoxal.
Se a metáfora da mudança foi a da pacificação, podemos dizer que o futuro da UPPs depende da implementação de um verdadeiro Plano Marshall, algo que poderíamos chamar de Plano Beltrame, do nome do responsável operacional da nova política de segurança. Falar de Plano Marshall significa dizer que se trata de mobilizar para as favelas investimentos de grande porte e de grande continuidade, segundo linhas de prioridade que as próprias favelas (ou seja, os processos participativos) devem definir. Um dos eixos desses investimentos e de sua duração (sustentabilidade) é, com certeza, aquele da mobilização produtiva, a UPP Produtiva. Se por um lado deve haver um Plano Marshall, pelo outro falaremos de uma Bolsa dos Valores e do Trabalho territoriais.
A Bolsa dos Valores e do Trabalho territoriais deveria ser criada para cada UPP (por exemplo, haveria uma Bolsa dos Valores da Rocinha, do Alemão, da Cidade de Deus) deveria se organizar em torno de três “motores”: (a) o motor “S”; (b) o motor Estado; (c) o motor Território.
O Motor S será constituído pela associação dos Sistema S (Sebrae, Senac, Sesc, Senai, Firjan etc.) que se juntariam, no âmbito da Bolsa, para planejar e coordenar suas ações territorialmente. Ao sistema S poderão se associar as ONGs presentes no território ou que desejem estar presentes.
O Motor E (Estado) será obviamente constituído pelo conjunto de atividades públicas que não relevam dos serviços rotineiros (por exemplo, as secretarias implicadas na UPP-Social, como o IPP).
Finalmente, o Motor T (Território) será constituído pela participação política e financeira dos cidadãos das favelas e da cidade como um todo, segundo modalidades diferenciadas ao longo do processo de constituição da Bolsa.
A Bolsa terá como base o processo de coordenação das políticas “ad hoc” de desenvolvimento e mobilização produtiva das favelas pacificadas.
(i) – A Bolsa valoriza o território pela sua mobilização – participação difusa dos cidadãos da favela e dos bairros próximos por meio de um “fundo ético” que emita ações de pequeno valor unitário (tipo R$ 1,00) atrelados a projetos estratégicos e possibilidade de escolher a remuneração em moeda ou em “retorno” de informação do uso dos recursos.
(ii) – A Bolsa deveria coordenar, não de forma obrigatória mas criando condições favoráveis à adesão, o maior número de projetos do sistema S e do terceiro setor. A coordenação deveria, ao mesmo tempo permitir uma arbitragem para a eliminação das sobreposições e, ao mesmo tempo, destinar o maior valor possível dos projetos a políticas de editais.
(iii) – A Bolsa poderia também providenciar, no tempo e em função do amadurecimento de suas estruturas, a emissão de títulos para a participação no território das concessionárias de serviços públicos que assim se coordenariam com os processos de mobilização do território e participariam materialmente na consolidação desses momentos.
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Giuseppe Cocco é professor titular da ESS/UFRJ, autor de Glob(AL) e MundoBraz, participa da rede Universidade Nômade.
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NOTAS
1 SEN, Amartya. Inequality Reexamined, Oxford: Oxford University Press, 1992.
2 Cf. Ricardo Henriques e Silvia Ramos, UPPs Sociais: Ações Sociais para consolidar a pacificação, in: André Urani e Fabio Giambiagi, Rio: a Hora da virada, Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2001, p. 245.
3 Veja-se a “Operação Guilhotina” da Polícia Federal, que culminou com a prisão de vários policiais do Rio de Janeiro. Cf. “Os Alvos da Guilhotina”, jornal O Globo, 12 de fevereiro de 2011.
Para uma análise crítica das políticas de segurança no Rio de Janeiro, cf. José Claúdio Alves, “O crime organizado, pelo Estado, no Rio de Janeiro”, entrevista ao IHU-On Line, 16 de setembro de 2011.
4 Jornal O Globo, “Polícia invade Alemão e mata 19”, 28 de junho de 2007.
5 O Globo, “Vitória policial”, 29 de junho de 2007.
6 O Globo, “Alemão ensina na crise policial”, 17 de fevereiro de 2011.
7 A delegada-corregedora daquela época era a atual chefe da Polícia Civil, Martha Rocha. Cf. Juliana Resende, Operação Rio: relatos de uma guerra brasileira, 1995, p. 82.
8 “Os quatorze corpos foram retirados da favela na carroceria aberta de uma Kombi da Comlurb” (ibidem, p.86).
9 Lembramos que o tão execrado ex-governador Leonel Brizola, perguntado sobre quais seriam “suas maiores vitórias no campo da segurança pública”, respondia de maneira civilizada: “A palavra é inadequada. Não há vitória quando o poder público enfrenta a criminalidade” (Paraíso Armado: intepretações da violência no Rio de Janeiro, Aziz Filho e Francisco Alves Filho (orgs.), São Paulo: Garçoni, 2003, p.283).
10 Um papel fundamental, naturalmente, teve e tem a proibição de determinadas substâncias cujo consumo foi se massificando. Por que não lembrar que a não proibição da cerveja faz de seu produtor o legalissimo “homem mais rico” do Brasil.
11Creio que toda a reflexão sobre “pacificação” deve sempre fazer referência ao contexto geral do Brasil, a nova “sexta potência” econômica do mundo que defende com folga sua posição de campeão mundial na ocorrência de homicídios, com o maior número absoluto de mortes violentas (43.909 em 2009). Em termos relativos (taxa de homicídios por cada 100.000 habitantes), o Brasil apenas se deixa superar por países que passam (ou acabaram de passar) por uma guerra civil aberta, tais como El Salvador, Costa do Marfim, Honduras. Fonte: Departamento de Drogas e Crimes da ONU (UNDOC), Estudo Global sobre Homicídios, 2011.
12 Os níveis de violência em geral e de violência policial em específico continuam muito altos no Rio de Janeiro e não deixam de repercutir na imprensa internacional. Na matéria da The Economist de 3 de setembro de 2011, “Doing business in Brazil. Rio or São Paulo?”, podemos ler que a taxa de homicídios no Rio de Janeiro “is still very high at 26 per 100,000 people per year (2.5 times São Paulo’s)”.
13 Adair Rocha. Cidade Cerzida: a Costura da Cidadania no Morro Santa Marta. 2. ed. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005.
14 Adair Rocha, Alguns desafios atuais para a cultura urbana, s/d.
15 Mais uma vez, o tão execrado Leonel Brizola fala disso de maneira adequada: “Nosso povo não pode reclamar contra a violência que lhe cai em cima quando matam as suas crianças e seus jovens. Seus protestos são apresentados sempre como movimento de traficantes” (AZIZ FILHO e ALVES FILHO, 2003, p. 247).
16 Rafael Soares Gonçalves, Les favelas de Rio de Janeiro: histoire et droit, XIX et XX siècle, Paris: L’Harmattan, 2010.
17 Marcelo Neri, “As consequências econômicas da paz”, Valor, 22 de novembro de 2011.
18 “O Desafio de gerenciar as UPPs”. Editorial, jornal O Globo, 17 de novembro de 2011, p. 6.
19 Cezar Vasquez, O Ovo de Colombo, s/d.
20Sobre a crise cf. Giuseppe Cocco, “The Crisis of Cognitive Capitalism from the Point of View of Amerindian Perspectivism, in: Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel (eds.), Information, Power and Politics, Lanham: Lexington Books, 2010.
21Cf. Emmanuelle Lequeux, “La banlieue, friche bénie pour l’art contemporain”, Le Monde, 27 de setembro de 2011.
22 Allison Furuto, “Rocinha Urban Strategy/Kyle Beneventi”, ArchDaily, 10 de setembro de 2011.
23 Ver em Giuseppe Cocco et al. (orgs), Capitalismo Cognitivo, Rio de Janeiro: DP&A, 2005. Andrea Fumagalli, Bioeconomia e capitalismo cognitivo, Milão: Carocci, 2007.
24 Enzo Rullani, La fabbrica dell’immateriale. Produrre valore con la conoscenza, Milão: Carocci, 2004 e Peter Drucker, Post-Capitalist Society, Nova York: Harper/Collins, 1993.
25 Richard Florida, The Rise of the Creative Class, Nova York: Basic Books, 2002.
26 Maurice Lévy e Jean-Pierre Jouyet L’économie de l’immateriel: la croissance de demain, Rapport de la Commission sur l’économie de l’immatériel, Ministère de l’Économie et des Finances, Paris, 2006.
27 Anatole Kaletsky, Capitalism 4.0. The Birth of a New Economy in the Aftermath of Crisis, Nova York: Public
Affairs, 2010.
28 Peter Marsh, “Novos processos tentam resolver dilemas da produção”, Financial Times (Tradução publicada no jornal Valor de 5 de janeiro de 2012, p. B3).
29 Em junho de 2011, a grande mídia brasileira noticiou a operação de uma equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho contra o trabalho escravo (de imigrantes bolivianos ilegais) numa fábrica da multinacional espanhola do vestuário Zara localizada em São Paulo. As investigações apontam exatamente para essas proporções: o dono das fornecedoras da grife Zara recebia R$ 7 por peça, enquanto os trabalhadores recebiam R$ 2 a R$ 3 reais por item costurado, em média. A mesma roupa tem um preço de venda de R$ 139,00. Imaginemos quando esse preço for convertido em dólares ou euros.
30 Eduardo Sá entrevista José Junior, “AfroReagge só atua onde ninguém quer atuar”, Caros Amigos, setembro de 2012, p.42.
31 Lucien Karpik, L’économie des singularités, Paris: Gallimard, 2007.
32 “Os setores criativos são todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento o central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultura e econômica”, Plano da Secretaria da Economia Criativa do MinC, 2011, p. 22.
33 “Sandálias Havaianas são eleitas A Cara do Rio em pesquisa que, pelo segundo ano consecutivo, apresenta produtos e empresas mais lembrados por quem vive na cidade” (Marcas dos Cariocas, jornal O Globo, 29 de outubro de 2011). Curiosamente a empresa fabricante – Alpagartas – é de São Paulo. Os gastos da empresa em marketing chegam a 12% do faturamento!
34 Cf. Yann Moulier Boutang, L’Abeille et l’économiste, Paris: Carnets Nord, 2010 e também, do mesmo autor, “Wikipolítica e economia das abelhas. Informação, poder e política em uma sociedade digital”, in: Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel (orgs.), Informação, conhecimento e poder, Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
35 R.H. Coase, The Firm, the Market and the Law, University of Chicago Press, [1988] 1999. Steven N.S. Chung, “The Fable of the bees: an Economic Investigation”, The Journal of Law and Economics, vol. 16, n.1, 1973, p.11-33. Neste artigo, Chung analisa a falta de informações sobre o produto marginal da polinização e constata a mudança do contrato de aluguel das colmeias é diferente do contrato ligado à polinização.
36 Padre Antonio Vieira, Essencial (organizado por Alfredo Bosi), São Paulo: Penguin, 2011.
37 Barbara Szaniecki, Quem não tem cão, caça com gato, Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Sociabilidade, do XVII Encontro da Compós, São Paulo, junho de 2008.
38 Aqui usamos a denominação “milícias” sem com isso aceitá-la como verdadeira. Embora não tenhamos como demonstrar, intuimos que o uso deste termo reduz e circunscreve uma dinâmica bem mais generalizada nas práticas policiais e difusa nos territórios, desde as periferias até as praias da Zona Sul.
39 Cabe lembrar – apenas a título de exemplo – o “bandido” rendido e assassinado ao vivo, em mundo-visão, pela PM na saída do Rio Sul, em 1994 e um episódio relatado pela imprensa em 1995: “Cinco jovens são assassinados em Belford Roxo: vítimas não tinham dinheiro para pagar passagem, foram obrigadas a desembarcar e executadas…”. Na mesma página, outro artigo diz que “delegados e coronéis comandam segurança: com fama de exterminadores, grupos armados também guardam motéis”. (Fonte: jornal O Globo, 22 de fevereiro de 1995)
40 Para ter em mente do que se trata quando se fala de milícias, podemos usar a cobertura jornalística de uma das operações de repressão do fenômeno no âmbito da Operação Têmis: “a polícia atacou ontem as principais fontes e renda do grupo paramilitar (e) fechou três centrais clandestinas de TV a cabo e três distribuidoras de gás, além de ter reprimido transporte alternativo irregular. (…) A milícia controlaria ainda cerca de cem mil ligações irregulares de TV a cabo na região (Campo Grande). (…) Na operação foram presos 26 policiais militares além de três policiais civis. Essa milícia é suspeita de ter cometido mais de 30 homicídios na Zona Oeste. A arrecadação do grupo foi estimada em cerca de R$ 2,5 milhões por mês” (“Ataque às fontes de renda da milícia”, Ana Claudia Costa, jornal O Globo, 17 de junho de 2009, p. 10).
41 Ver o relato jornalistico de Juliana Resende (1995) e também as antrevistas com Leonel Brizola por Marcelo Alencar e Moreira Franco (AZIZ FILHO e ALVES FILHO, 2003).
42 Luiz Antonio Machado da Silva, 2011.
43 Ana Claudia Costa, “Policiais presos em Caixia usavam telefones sem registro”, jornal O Globo, 7 de dezembro de 2012, p.13.
44 Marcus Faustini, Guia Afetivo da Periferia, Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.
45 J.M. Keynes, As Conquências Econômicas da Paz, (1919), Tradução de Sérgio Bath, (2002), Imprensa Oficial do Estado, São Paulo. cit., p..13
46 Heloisa Magalhães, “Rio divulga plano de recuperação”, jornal O Globo, 22 de outubro de 1996.
47 Adair Rocha, Cidade Cerzida, Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2000. O livro acaba de ter sua terceira edição (2012), com um capitulo dedicado à UPP do Morro Santa Marta.
48 Cesar Maia, “A Política Habitacional do Rio”, in: Christiane Rose Duarte, Osvaldo Luiz Silva e Alice Brasileiro (orgs.), Favela, um Bairro: Propostas Metodológicas para Intervenção Pública em Favelas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Grupo Habitat FAU/UFRJ e ProEditores, 1996, p.7.
49 Em 1996, a dotação orçamentária para o Favela-Bairro era de noventa e sete milhões de Reais, o equivalente ao que o município investia para a Linha Amarela. Eram cinquenta favelas de porte médio (até 10.000 ou 12.0000 moradores) e mais trinta no ano seguinte (também de porte médio).
50 Licia do Prado Valladares, A Invenção da Favela, Rio de Janeiro: FGV, 2005.
51 Jailson de Souza e Silva e Jorge Luiz Barbosa, Favela, Alegria e dor na Cidade, 2005.
52Demetre Anastassakis, “Programa Favela-Bairro: como selecionar profisssionais e o que fazer nas favelas”, in Christiane Rose Duarte, Osvaldo Luiz Silva e Alice Brasileiro (orgs.), Favela, um Bairro: Propostas Metdológicas para Intervenção Pública em Favelas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Grupo Habitat FAU/UFRJ e ProEditores, 1996.
53 Cristiane Rose Duarte, Osvaldo Luiz Silva, Alice Brasileiro (orgs.), Favela, um Bairro: Propostas Metdológicas para Intervenção Pública em Favelas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Grupo Habitat FAU/UFRJ e ProEditores, 1996.
54Disponível em http://www.facebook.com/#!/groups/favelas2016/.
55 José Márcio Camargo, palestra proferida no Seminário “Os Futuros Possíveis das Favelas e da cidade do Rio de Janeiro”, in: Jailson de Souza e Jorge Luiz Barbosa, Favela: alegria e dor na cidade, Rio de Janeiro, SENAC, 2005, p. 127.
56 Em particular no que diz respeito ao próprio conceito de propriedade. Cf. Paolo Grossi, História da Propriedade, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006. Ver também Amyr R. Poteete, Marco A. Janssen e Elinor Ostrom, Working Together: collective actiom the Commons, and a Multiple Methods in Practice, Princeton-Oxford Press, 2010.
57 Vittorio de Filippis, “Pétrole: l’accord secret entre le CNT et la France”, Libération, 1 de setembro de 2011. Disponível em: http://www.liberation.fr/monde/01012357324-petrole-l-accord-secret-entre-le-cnt-et-la-france.
58 Luiz Ernesto Magalhães, “Paes Joga duro com a Câmara”, O Globo, 22 de dezembro de 2012, p. 10. Cabe ressaltar que enquanto o projeto de “exclusão do Parque de uma área de 58 mil metros quadrados” foi enviado à Câmara em regime de urgência, a contrapartida prometida de transformar a APA em Parque não foi enviada em regime de urgência, o que permitiu aos vereadores de compatibilizar a aprovação da proposta do Prefeito com suas próprias emendas. Cf. Luiz Ernesto Magalhães, “Redução de parque avança; proteção empaca”, jornal O Globo, 20 de dezembro de 2012, p.21.
59 Cuja curadoria foi concedida à Fundação Roberto Marinho.
60 Ludmila de Lima, “Quanto vale a paisagem?”, O Globo, 17 de dezembro de 2012, p.13. Na mesma página, uma notinha de esclarecimento: “Autoridades também são contra o Y”. Ver também (só para ter uma ideia do sem número de artigos dedicados ao tema) Luiz Ernesto Magalhães, “Docas dará armazéns em troca de píer: companhia negocia com prefeitura acordo para construção de obra controversa por impacto ambiental”, O Globo, 15 de dezembro de 2012, p.15; Isabel Braga, “Iphan dará até o fim do ano parecer sobre Píer em Y: construção pode impedir visão de bens em área revitalizada”, O Globo, 14 de dezembro de 2012. Grifos nossos.
61 Sergio Guimarães Ferreira, “Segurança pública no Rio de Janeiro: o caminho das pedras e dos espinhos”, in: André Urani e Fabio Giambiagi (orgs.), Rio, a hora da virada, Rio de Janeiro: Campus, 2011.
62 Vide Humerto Saccomandi, “Mundo mudou, e ricos pagarão mais imposto”, jornal O Valor Econômico, 29 de novembro de 2012, p. A18.
63 Gary S. Becker, “Crime and Punishement: an economic approach”, Journal of Political Economy, 1968.
64 Interessante aqui lembrar o que escreve Marcelo Lopes de Souza: “nenhuma das categorias (de trabalhadores do tráfico) pode ter seu comportamento interpretado moralísticamente. A vinculação com a economia ilegal se dá sobre a base de uma racionalidade econômica aplicada à luz da realidade social de um país marcado por uma proverbial desigualdade de oportunidades … e não por qualquer ‘desvio moral’ ou ‘inclinação patológica para o crime’”. Continuando no mesmo raciocínio: “Muito embora o risco de vida e a mortandade sejam elevados, há um núcleo de cálculo econômico racional que desestimula os jovens pobres, moradores de favelas e loteamentos periféricos a optarem por um emprego de salário mínimo ou um sub-emprego mal remunerado em detrimento de uma colocação mais bem remunerada no âmbito de uma quadrilha”. Marcelo continua: “estar envolvido é (…) uma estratégia de sobrevivência e uma vicissitude (…) e não uma questão de escolha, muito menos uma ‘opção de vida’ a ser condenada sob um ângulo moralista hipócrita. (…) tão errado quanto culpabilizar os pobres urbanos vinculados à economia ilegal seria vitimizá-los simplisticamente ou beatificá-los.” Luiz Eduardo Soares escreveu: “Esta fluidez, esta ausência de fronteira rígida entre o legal e o ilegal, o grupo do tráfico e o grupo familiar – ou, abrindo o foco : entre o tráfico e a comunidade -, mostra que, a despeito das diferenças de valor, identidade, compromissos, posturas, comportamentos, estratégias e estilos de vida, há emoções, valores e uma linguagem comuns”. Ou seja, Por um lado, esta mútua permeabilidade, esta relativa indistinção, este terreno comum é perigoso: um passo para lá, cai-se no abismo. Por outro lado, esta continuidade pode nos encher de esperança”. Cabeça de Porco, cit. p.235.
65 Michel Foucault, Naissance de la biopolitique, Cours au Collège de France, 1978-1979, Seuil, Paris: Hautes Études, Gallimard, 2004.
66 É possível ver o que pensam as lideranças das favelas pacificadas nos longos depoimentos transcritos em Marilia Pastuk, Vicente Pereira Jr. e João Paulo dos Reis Velloso, Favela como Oportunidade, Rio de Janeiro: INAE, 2012.
67 Yona Fridman, L’architecture de survie, (1978), L’éclat, Paris, 2006.
68 Carlo Giulio Argan, Walter Gropius e a Bauhaus (1951), tradução de Joana Angélica d’Avila Melo, Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 12.
69 “Carência no acesso a serviços e informalidades nas favelas cariocas”, in Armando Castelar Pinheiro e Fernando Veloso (orgs.) Rio de Janeiro: um estado em transição, Rio de Janeiro: FGV, 2012.
70 Fernando Henrique Cardoso, “Prefácio”, a Janice Perlman, O Mito da Marginalidade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.13 e 15.
71Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. O Negro na Sociedade Escravocrata do Rio Grande do Sul (1962), 5a edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
72 José de Alencar, Cartas a Favor da Escravidão, organização Tâmis Parron, São Paulo: Hedra, 2008.
73 Do nome do Hotel de Brasília onde fizemos as reuniões de discussão com os técnicos do Sebrae.
74 Cf. Gerardo Silva, “Dinâmicas territoriais e desafios metropolitanos do Rio de Janeiro no início do século XXI””, in: Giuseppe Cocco e Sarita Albagli (orgs.), Revolução 2.0 e a crise do capitalismo global, Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
75 André Urani, Gerardo Silva, Giuseppe Cocco, Paolo Gurisatti, “Territórios produtivos e desenvolvimento local: um desafio para o Brasil”, in: Giuseppe Cocco e Gerardo Silva, Territórios Produtivos, Rio de Janeiro: DP&A-Sebrae, 2006.
76 Luiz Maciel, “Velocidade Máxima”, jornal Valor, 5,6 e 7 de outubro de 2012.
77 André Urani, “Pequenos Grandes passos”, jornal O Dia,
78 André Urani, Giuseppe Cocco e Gerardo Silva (orgs.) Empresários e Empregos, DP&A, Rio de Janeiro, 2001 (2. edição).
79Robert Putnam, Bowling Alone:The Collapse and Revival of American Community, Nova York: Simon & Schuster, 2000.
80 Permitimo-nos sugerir a leitura do segundo capítulo de nosso MundoBraz: o devir-Brasil do mundo e o devir-Mundo do Brasil, Rio de Janeiro: Record, 2009.

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Fonte: Universidade Nômade Brasil

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