Nota do blog: "Ibope só é bom pro Lula, e olha lá; já pra saúde mental de crianças..." (Zefofinho de Ogum, sociólogo)
DEVAGAR COM O ANDOR....
Quando a diretoria da Ass. Bras. de Psiq. fez divulgar os resultados da investigação encomendada ao IBOPE (F. de SP. 10/10/2008) a qual apontou a existência de mais de 5 milhões de crianças brasileiras sofrendo de "transt. mentais importantes" sua intenção maior era, com toda a certeza, não somente tornar pública a magnitude do problema como também ampliar a oferta de serviços destinados ao cuidado dessa população. Ocorre, porém, que para bem cuidar da saúde de alguém, aquilo que mais se espera é que esse cuidado seja entregue a pessoas cuidadosas e se há algo que faltou na interpretação e divulgação dos resultados da referida investigação, foi exatamente um atitude cuidadosa.
O que nos foi apresentado como uma pesquisa foi, em verdade, uma tomada de opiniões das mães acerca de seus próprios filhos (muito provavelmente a partir de um questionário não divulgado). Que o Inst. Bras. de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) chame a investigação que fizeram de pesquisa até se pode aceitar, mas para pessoas que se consideram cientistas e formadas no culto ao método científico, isso soa no mínimo estranho. Quando afirmaram: "...12,6 % das mães relataram ter um filho com sintomas de trant. mentais ao ponto de necessitar tratamento..." transferiram para as mães a responsabilidade pela aplicação de uma semiologia e pela atribuição de um diagnóstico, o que não é muito razoável. O que queriam dizer, em verdade, foi que, a partir das respostas obtidas das mães, suspeitaram de que "12,6%.......".
Se os problemas fossem apenas metodológicos eles já seriam graves, mas há naquela matéria algo mais grave ainda. Falaram seus autores das "consequências sérias" que podem advir da não assistência às crianças que sofrem de transt. mentais, mas se esqueceram dos riscos que decorrem da aplicação de "tratamentos" a crianças que deles não precisam. Qualquer pessoa da área sabe que boa parte dos desequilíbrios momentâneos apresentados por certas crianças devem ser olhados à luz do próprio desenvolvimento e de suas fases de transição. Muitas mães desconhecem esse fato e teimam em comparar seus filhos a um protótipo qualquer que imaginam ser a "criança ideal" e, em consequência, concluem estar o seu filho sofrendo de algum trantorno. O velho dito de Hipócrates: "Primum non nocere" ("antes de tudo, não causar danos") precisa ser sempre por nós revisitado. Além disso, frases arrogantes e pretensiosas como: "crianças que não conseguem tratamento se desenvolvem mal e se tornam adultos vulneráveis..." devem ser repudiadas por seu matiz provocador de pânico e por soar também como uma espécie de sentença inevitável.
A situação da assistência às crianças com trant. psiquiátricos/psicológicos é algo tão delicado que países com índice de desenvolvimento bem mais elevado do que o nosso, como a Espanha por exemplo, não têm qualquer programa nacional voltado para esse fim e isso não se deve a um mero descaso, mas à dificuldade de se estabelecer parâmetros e critérios cuidadosos para poder avançar nesse terreno, ainda que lentamente. Afinal de contas, quem é sério nessa área sabe que "...o santo é de barro" e ainda que, quando se aplica aqui a tal margem de segurança de "2% para mais ou para menos", estão se referindo a 100 mil crianças "para mais ou para menos".
Em relação a esse ponto e a muitos outros, estamos em uma situação muito superior à de muitos países desenvolvidos e não será com divulgações alarmistas e espetaculosas que haveremos de avançar um passo sequer.
Márcio Amaral- Prof Adj de Psiquiatria da UFRJ e da UFF
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