[Amálgama]
Tragédia de Santo André: a culpa é dos deuses gregos?
Posted: 27 Oct 2008 10:07 PM CDT
por João Paulo Lima * - Uma das coisas que sempre admirei nas tragédias de Shakespeare é o fato da predestinação de seus personagens se transformar em elemento constitutivo da própria narrativa. Assim, nós leitores, que muitas vezes já sabemos o final da estória, temos sempre aquela impressão que algo vai mudar, e, junto com o impulso narrativo, esperamos que a luta contra o inelutável dos Romeus e Julietas (que configura a trama das tragédias) será retribuído com a vitória do amor em vida.
Ledo engano. Shakespeare sabia que a dimensão propriamente trágica do gênero inventado pelos gregos estava nessa ruptura, nesse fosso existente entre o mundo da vida e suas expectativas mais nobres. O amor em pleno mundo hostil só pode se realizar plenamente ao eliminar sua possibilidade mesma. É preciso destruir os agentes da mediação chamada amor, é preciso matar os amantes. Destino por definição inelutável, obra silenciosa de acasos pré-ocasionados por maldições, por deuses furiosos, por forças conhecidamente desconhecidas às quais homens e mulheres se conformam com ou sem relutância, a tragédia não produziria efeito de força dramática sem o desfecho esperado (apesar de não desejado, nem pelos leitores nem pelos personagens).
Graças à mídia (sobretudo às coberturas da Globo e da Record), o caso de Santo André trouxe elementos trágicos da ficção para o mundo real. Contudo é preciso reforçar algo: a ficção, por mais realista que seja, não é nunca mais do que a produção de um efeito do real. Ou seja, ela é a produção de um efeito de conformidade ao real fundado na sobreposição formal das normas sociais que aderimos num dado momento como sendo reais. A mídia “jornalística” (sobretudo a televisiva) jogou com esses efeitos da relação entre mundo real e fictício. Mas, a meu ver criminosamente, o fez em sentido inverso. O efeito de ficção, que é bem real, foi nesse caso como em outros bastante desastroso.
Leia mais Amálgama
Nenhum comentário:
Postar um comentário