abril 30, 2014

"O homem de Schrödinger", por Mário Bentes

PICICA: "Somos gigantes ao mostrar, com nossa racionalidade e nossa ciência, do que podemos fazer ao transcender as barreiras da mitologia, da ignorância, do medo e do desconhecido; para saber e para ter novas dúvidas como combustível em nossa odisseia de novas descobertas; e não para acreditar em verdades pré-determinadas em um mundo assombrado por deuses e demônios. Somos grandes em estatura de inteligência, de capacidade crítica e de desenvolvimento. Somos a VY Canis Marjoris da mentalidade criativa e da sede do conhecimento.

Mas quando lançamos bananas a negros, em uma agressão racial, somos os fragmentos das partículas das partículas; a inteligência e a sabedoria quebradas em centenas de milhões de pedaços em um grande colisor social. Não passamos do status débil da quintessência da decadência, da obumbração, do retrocesso. O injustificável ódio racial, e qualquer outra forma de malquerença, é como lançar a si mesmo no vácuo do espaço, sem proteção à inteligência contra a radiação da ablepsia. É onde a luz se perde em definitivo nas trevas."


O homem de Schrödinger


Há um paradoxo científico, que tornou-se muito popular até mesmo entre quem não é de se interessar por esses assuntos, conhecido como Gato de Schrödinger. Foi proposto em 1935 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, como forma de demonstrar todos os possíveis estados do sistema de mecânica quântica. Trancado em uma caixa lacrada, um gato poderia estar vivo ou morto, dependendo de um evento aleatório precedente – no caso do experimento mental proposto pelo físico, tais eventos seriam a liberação (ou não) do veneno armazenado em um frasco.

O homem, em sua forma física, também é assim. Ele pode ser ou não ser, de acordo com eventos aleatórios diferentes, em momentos diferentes do espaço-tempo. Quando olho para o céu noturno, por exemplo, sinto-me pequeno. Uma insignificante partícula que observa o brilho das maiores estrelas do Universo, embora sua luz chegue aos meus olhos enfraquecida pela distância e pelas interferências do meio interestelar e até da atmosfera da Terra. Quem sou eu diante de VY Canis Marjoris, uma hipergigante vermelha que é tida como uma das maiores estrelas do profundo cosmos?

Ao propor seu paradoxo, Schrödinger tentava explicar a complexidade da mecânica quântica, que trata das menores coisas do Universo. O mundo das partículas, das bases da existência, dos elementos primordiais que formam tudo o que existe – incluindo eu e VY Canis Marjoris. Aí é que entra um possível segundo estado físico do homem, cuja variante é o referencial: se uma partícula, como o recém-descoberto Bóson de Higgs, pudesse me ver, eu seria a imensa estrela. Eu estou para VY Canis Marjoris como o Bóson de Higgs está para mim.

Nós, os seres humanos, podemos ser gigantes colossais e pequenas coisas insignificantes, ao mesmo tempo, dependendo dos fatores aleatórios que nos cercam. E não apenas do ponto de vista do mundo quântico ou da física clássica de Isaac Newton. Nossas atitudes também contém essa assinatura. Quando lançamos um rover ou uma sonda ao espaço, um equipamento mecânico e eletrônico que possui todo o conhecimento humano em forma de laboratório, ou as saudações humanas em todas as línguas gravadas em um disco banhado a ouro, na esperança de que outra civilização saiba de nós, nos tornamos gigantes.

Somos gigantes ao mostrar, com nossa racionalidade e nossa ciência, do que podemos fazer ao transcender as barreiras da mitologia, da ignorância, do medo e do desconhecido; para saber e para ter novas dúvidas como combustível em nossa odisseia de novas descobertas; e não para acreditar em verdades pré-determinadas em um mundo assombrado por deuses e demônios. Somos grandes em estatura de inteligência, de capacidade crítica e de desenvolvimento. Somos a VY Canis Marjoris da mentalidade criativa e da sede do conhecimento.

Mas quando lançamos bananas a negros, em uma agressão racial, somos os fragmentos das partículas das partículas; a inteligência e a sabedoria quebradas em centenas de milhões de pedaços em um grande colisor social. Não passamos do status débil da quintessência da decadência, da obumbração, do retrocesso. O injustificável ódio racial, e qualquer outra forma de malquerença, é como lançar a si mesmo no vácuo do espaço, sem proteção à inteligência contra a radiação da ablepsia. É onde a luz se perde em definitivo nas trevas.

O homem de Schrödinger, como o gato do experimento mental, possui muitos estados. Mas, ao contrário do felino, nós temos a escolha.

Também publicado no site do autor. A imagem de destaque foi a “selfie” feita pelo rover Curiosity, da Nasa, na superfície de Marte.

Sobre o autor

Mário Bentes

Jornalista, escritor e fotógrafo. Já passou por veículos como Portal Amazônia e Portal D24am. Em 2012, foi correspondente do jornal Diário do Amazonas em Brasília. É autor dos contos O pássaro verde e o velório ("Moedas para o Barqueiro" - Andross, 2010); Sobre as águas ("Histórias Liliputianas" - Andross, 2010); A quinta trombeta ("Moedas para o Barqueiro, Volume 2" - Andross, 2011); Insuspeito para um caso encerrado e O interrogatório do estranho menino ("Jogos Criminais" - Andross, 2011). É editor-chefe da Revista Babel.

Fonte: Revista Babel

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