abril 25, 2014

"De um lado, DG, do outro, um Silva", por Bruno Cava Rodrigues

PICICA: "Publicado no youtube em 1º de julho de 2013, Made in Brazil  traz DG como protagonista, interpretando si mesmo. Ele vive a plenitude da idade num Rio de Janeiro encravado entre o morro e o mar. Aparecem jogos de bola na areia, a solidariedade do morro, a força do funk, a arte de rua, a grande emoção de estar ali no meio da gente. Mas no final, o paraíso se desmancha sem vaga pra romantismo. O ator é pego numa batida policial, como de praxe na favela, e esculachado. DG está no papel de qualquer jovem negro. É de arrepiar o momento em que a ficção, com grande verdade, prenuncia o real."
 
De um lado, DG, do outro, um Silva
 
tatiana 
Foto: Tatiana Roque, túnel velho Botafogo-Copa, 24/4/14



Douglas Rafael da Silva Pereira seria apenas outro Silva assassinado durante uma operação policial na favela, não fosse DG. Não fosse dançarino do programa da Regina Casé na Globo, Douglas seria outro “implicado no tráfico”, num noticiário supersaturado de roteiros baratos e automatismos jornalísticos. Não levaria a comoção à TV. O enterro não mereceria a atenção dos telejornais. As armas dos policiais não seriam apreendidas. Nem haveria investigação digna do caso. E com certeza o Instituto Carlos Éboli não teria sido desmentido pelo IML, que mostrou que DG foi atravessado por um tiro pelas costas. Não leríamos, na manchete do jornal Metro, que o secretário de segurança “não descarta” que a polícia o tenha executado. Não fosse DG, a justa revolta dos moradores do Pavão-Pavãozinho seria reduzida à “ação orquestrada pelo tráfico”, e reprimida como tal. Como de fato foi, mesmo sendo DG. Quando Edilson da Silva dos Santos, morador da favela, levou uma bala na cabeça e morto. Outro Silva para a estatística das UPP.

Publicado no youtube em 1º de julho de 2013, Made in Brazil  traz DG como protagonista, interpretando si mesmo. Ele vive a plenitude da idade num Rio de Janeiro encravado entre o morro e o mar. Aparecem jogos de bola na areia, a solidariedade do morro, a força do funk, a arte de rua, a grande emoção de estar ali no meio da gente. Mas no final, o paraíso se desmancha sem vaga pra romantismo. O ator é pego numa batida policial, como de praxe na favela, e esculachado. DG está no papel de qualquer jovem negro. É de arrepiar o momento em que a ficção, com grande verdade, prenuncia o real.

O curta tem a qualidade de pôr lado a lado a riqueza incomensurável da vida no Rio de Janeiro “pobre” e o desvalor absoluto com que essa vida é tratada. É a contradição máxima. A mesma Globo que veicula e explora a riqueza dos pobres, em programas de Casés ou Hucks, fabrica e mantém uma verdade jornalística legitimadora da tortura e assassinato sistemático da juventude negra. De um lado, a voracidade imobiliária interessada não apenas nas vistas suntuosas dos morros, como também na vida cultural, sua exuberância alegre, festas, camaradagem inspiradora. Do outro lado, o racismo institucionalizado, a ausência de serviços básicos, saúde, saneamento, respeito. De um lado, a maior taxa de policiais por habitante de metrópole do país. Do outro, o abuso cotidiano, a normalização do estado de exceção contra pobre, negro, manifestante. De um lado, a capitalização da favela, do funk, das culturas de resistência, mercantilizadas e domesticadas por intermediários e muita publicidade. Do outro, a montanha de corpos chacinados de boa fé, porque eram “implicados com o tráfico”.

Hoje, o protesto depois do enterro cruzou Copacabana gritando “Justiça”, “Fora UPP” e, a palavra de ordem que unificou as lutas pelo Brasil, “Não vai ter Copa”. Eram quase mil pessoas, na mistura potente que, uma vez em luta conjunta, tanto assusta quem anseia para apontar só “favelados” ou só “coxinhas”. A mistura na luta compromete seja a desqualificação que seriam manipulados pelo tráfico, seja pelo PIG. Estavam ali não só por DG, mas pelo Silva que muitos também são, por todas as Silvas e todos os Silvas que se recusam a ser pacificados.

Fonte: Quadrado dos Loucos

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