abril 27, 2014

"Riachuello: da (in)visibilidade à gentrificação" (Observatório das Metrópoles)

PICICA: "A gentrificação é, por definição, um processo de ‘filtragem social’ da cidade. Vem desencadear um processo de recomposição social importante em bairros antigos das cidades, indicando um processo que opera no mercado de habitação, de forma mais vincada e concreta nas habitações em estado de degradação dos bairros tradicionalmente populares (MENDES, 2010, p. 23)."

Riachuello: da (in)visibilidade à gentrificação

Rua Riachuelo em Curitiba após intervenção

Centros urbanos são espaços que recorrentemente recebem propostas de recuperação devido à degradação ou subutilização gerada pelo desinvestimento público e abandono da população. A renovação urbana tem sido sinônimo de processos de gentrificação, os quais resultam no enobrecimento desses locais e consequente “expulsão” silenciosa da população. Neste artigo Andrei Mikhail Zaiatz Crestani avalia o caso da rua Riachuelo em Curitiba, a qual desde 2009 passa por uma renovação socioespacial e econômica expressa na agenda dos seus projetos. São exploradas as contribuições teóricas de Hamnnet (2003), Smith (2002; 2006), Vargas e Castilho (2009) e demais autores que se debruçam sobre o fenômeno. Os efeitos do processo de recuperação urbana da Riachuelo ainda não são totalmente visíveis, mas é perceptível que tal movimento se construiu a partir de ações pautadas em um planejamento no qual a gentrificação se apresenta como estratégia de políticas urbanas e não apenas como um fenômeno “inesperado”.

O artigo "Riachuello: da (in)visibilidade à gentrificação" é um dos destaques da edição nº 16 da Revista e-metropolis.

INTRODUÇÃO

Projetos de recuperação urbana participam constantemente da agenda de debates entre estudiosos e gestores da cidade, tanto por envolverem modificações físicas que alteram o desenvolvimento desse artefato como por implicarem substancialmente transformações socioespaciais e sobre as economias locais.

Com grande recorrência os processos de recuperação urbana estão vinculados às áreas centrais abandonadas ou degradadas que reúnem uma gama de relações históricas, sociais, infraestruturais, econômicas e de imagem da cidade e, logo, geram interesses de investimentos públicos e privados. Rapidamente esses projetos de recuperação urbana são associados a narrativas midiáticas e políticas de uma emergente e necessária renovação, recuperação, reabilitação etc., terminologias comumente definidoras de títulos criados para tais intervenções.

Relacionado a esses projetos está o fenômeno da gentrificação que, desde o momento pós-guerra, vem sendo estudado a partir de múltiplas abordagens: como da geografia, sociologia, arquitetura e urbanismo. A gentrificação envolve transformações de centros urbanos em suas dimensões materiais, econômicas, sociais e simbólicas (ZACHARIASEN, 2006), bem como uma reconfiguração socioeconômica no contexto no qual se manifesta, resultando no deslocamento de moradores das classes populares do centro(SMITH, 2006) e o enobrecimento destas áreas antes degradadas (VARGAS; CASTILHO, 2009).

O fenômeno tem alcance expressivo na cidade contemporânea manifestando-se de modos específicos de acordo com cada localidade, como mesmo menciona Smith (2006). Nesse sentido, estudos submetem esforços na tentativa de mapear as variações do fenômeno e ampliar a compreensão sobre seu alcance na cidade contemporânea.

Este trabalho analisa o projeto em andamento de renovação do centro histórico de Curitiba, tendo como objeto específico a rua Riachuelo e as ações relativas a sua transformação, bem como seus efeitos (in)visíveis. O objetivo é avaliar como os projetos desse contexto são articulados entre poder público e privado, qual o reflexo socioespacial e econômico que esse movimento tem resultado e sua relação com traços de gentrificação em desenvolvimento.

GENTRIFICAÇÃO E CENTROS URBANOS

O modo como gentrificação é entendida pelo ambiente acadêmico se transformou desde os apontamentos de Glass – num momento em que a cidade colhia os avanços da revolução industrial e prosseguia em uma atmosfera desenvolvimentista – até a cidade contemporânea dado, em grande parte, pelas mudanças ocorridas na própria dinâmica da cidade como artefato socialmente construído. Essas concepções, ainda que distintas, são complementares. Hamnet (2003) reúne as considerações de Ley e Butler em sua reflexão. O primeiro autor sustenta que o cerne da gentrificação se encontra na estrutura industrial, quando ocorre uma mudança simultânea na estrutura da classe trabalhadora a qual é substituída por uma gama de profissionais de “colarinho branco”: que tem as grandes cidades como base de suas finanças, cultura e trabalho.

Butler, em complementaridade, acredita que, devido às mudanças na composição da classe trabalhadora, a “orientação” cultural também se transformaria, resultando em novas preferências e padrões de trabalho de um segmento dessa nova classe média que se predispunha a viver no centro da cidade.

Ambos os autores apontam que a aquisição de terrenos no centro da cidade se aproximava mais de uma característica particular de procura, diferentemente da teoria de Smith na qual a gentrificação aconteceria em uma escala maior de relações. Smith (2002), em uma leitura claramente marxista (MENDES, 2010), sustenta a gentrificação como um movimento de capitais e não de pessoas, argumentando que a força motriz do fenômeno foi a crescente diferença entre o valor potencial dos imóveis urbanos e seus valores subjacentes à terra.

Smith (2006) resgata as reflexões de Ruth Glass sobre a primeira formulação acerca de gentrificação como processo no final dos anos 1970, quando a autora cita a invasão de bairros operários londrinos por classes média e alta, e a mudança substancial na paisagem urbana desses bairros gerada pelo novo status estabelecido.

Ruth Glass insere a compreensão sobre gentry urbana, ou seja, famílias de classe média que transformaram os bairros operários em 1964. Esse conceito logo evoluiria como paradigma tanto na literatura urbana como fenômeno percebido na cidade em âmbito global (SMITH, 2006). Ainda neste momento histórico, a periferia das cidades começa a receber a burguesia que troca o centro na busca de outra qualidade ambiental, com habitações mais amplas – diferentes daquelas existentes na região central.

No centro das cidades inicia a degradação física por falta de investimentos, na medida em que esses estão voltados às franjas urbanas para receber a classe burguesa. Em um contexto norte-americano Smith (2006) conclui sobre como esse processo alterou a relevância dos centros urbanos na relação entre mercado privado e Estado. Vargas e Castilho (2009), com enfoque específico nos centros urbanos, refletem sobre como historicamente essas localidades se tornam potenciais veículos de projetos de recuperação, assim como do fenômeno de gentrificação: hoje não apenas como consequência histórica “inesperada” mas também como estratégia de políticas urbanas.

As autoras argumentam: o centro das cidades é o local mais dinâmico da vida urbana. O seu significado foi diluído historicamente pela expansão urbana e constituição de subcentros, um processo que é discutido na Europa e América desde 1950 e no Brasil apenas a partir de 1980. O centro não tem essa definição apenas por sua região geográfica na cidade, mas também por reunir uma grande diversidade de funções congregadas ao significado que lhe é próprio por conta da história da cidade a ele atrelada.

Nesse sentido, a intervenção nos centros urbanos não altera somente o substrato físico mas também a herança histórica e patrimonial. Vargas e Castilho (2006) realizam uma analogia às razões dos projetos de “intervenção”, relacionando-os com o campo das ciências biológicas: intervenções para recuperação ou manutenção (da vida);  ntervenções para a reparação de danos causados por acidentes e intervenções para atender a exigências e/ou padrões estéticos. De fato, se observados os projetos de intervenção urbana, essas três categorias poderiam bem sintetizar suas intenções. Mas afinal, qual a importância da recuperação de centros históricos?

Grande parte das descrições dos projetos se relacionam a “valorização” do patrimônio histórico. Contudo, como mesmo Smith (2006), Vargas e Castilho (2009), e Mendes (2010) concluem: esses processos claramente se preocupam – muito antes da valorização do patrimônio – com a reutilização dos edifícios na tentativa de dinamizar o comércio, gerar novos empregos e otimizar o uso da infraestrutura para alavancar a microeconomia. Logicamente estas questões importam e são positivas em termos de gestão urbana para a manutenção da cidade, mostrando o aspecto ambivalente da gentrificação (ATKINSON; BRIDGE, 2005). O que é questionado pelos autores é que a história, o valor simbólico, a população moradora dessas centralidades quando não contempladas como os demais fatores citados, a gentrificação se decalca como resultado (ou prática) negativo nesses espaços. Como reforçado por Mendes (2010):

A gentrificação é, por definição, um processo de ‘filtragem social’ da cidade. Vem desencadear um processo de recomposição social importante em bairros antigos das cidades, indicando um processo que opera no mercado de habitação, de forma mais vincada e concreta nas habitações em estado de degradação dos bairros tradicionalmente populares (MENDES, 2010, p. 23).

Acesse o artigo completo "Riachuello: da (in)visibilidade à gentrificação" é um dos destaques da edição nº 16 da Revista e-metropolis.

Fonte: Observatório das Metrópoles

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