outubro 18, 2012

"São Paulo, Haddad, Serra: a Batalha e a Metropóle", por Hugo Albuquerque

PICICA: " Há muito o que discutir, há muito o que fazer. Não adianta supor que isso é uma batalha do bem contra o mal, onde Haddad seria o mocinho e Serra o bandido, mas também não é qualquer jogo onde ambos são o mesmo, ou niveláveis pela mesma régua: o longo governo Serra/Kassab não está em crise, ele é a crise, mas não a crise para os especuladores do setor imobiliário e outros parasitas tantos, mas sim a de nós outros, os cidadãos comuns que tentam, e até precisam, habitar e viver a cidade, incorporando e sendo incorporados."

São Paulo, Haddad, Serra: a Batalha e a Metropóle

Recomeçou esta semana a campanha municipal, agora é a ora e a vez do 2º turno. Em São Paulo, alinham-se na disputa Fernando Haddad (PT) e José Serra (PSDB), representantes das duas forças que disputam, há cinco eleições, a cadeira presidencial -- cada qual capitaneando um lado do espectro político. São Paulo é a maior metrópole do país. E é grande sobretudo onde é pequena, onde é minoritária. Por que São Paulo? Certamente não porque é o umbigo do mundo ou muito menos do Brasil, mas sim porque protagonizou a reação ao projeto que governa o país há anos, nem sempre por seus defeitos.

Uma aliança perfeita: a direção das grandes corporações de mídia e seu jogo panfletário, a burguesia local e seus pruridos -- e setores médios que se prestaram -- o financismo -- na forma da especulação imobiliária, a dívida sem fim para poder habitar -- o jogo oportunista de setores centristas, "social-democráticos", dispostos a tudo para chegar ao poder no governo federal. Oito anos depois e o resultado é que São Paulo, sem risco de ser parcial, desumanizou-se. 

As conquistas dos anos Lula, que bem ou mal chegaram no aspecto macro, não adentraram à vida das pessoas -- ao lado de fora de casa, como diria Haddad -- não somente por falta de um governo que se abrisse para articular políticas públicas em parceria com o governo federal, mas também, e sobretudo, pelo fato dele se fechar transformando São Paulo numa trincheira de uma guerra contra um inimigo que nunca existiu: mas Kassab, enquanto vê sua gestão liquefazer, muda de lado, racha a direita nacional, se fisiologiza -- só não poderia dizer um não ao seu padrinho político, José Serra, quando ele precisou se candidatar.

As UPP's e as remoções no Rio, metrópole-laboratório do governo federal -- embora nas mãos de aliados e não de correligionários propriamente ditos -- são dignas de críticas, mas precisam ser vistas nas suas ambivalências. Favelas pegando fogo durante a calada da noite, não, é um ato puramente inequívoco. Criticar Serra não é paranoia, tampouco exime o PT, municipal ou nacional, de nenhuma crítica, mas isso não quer dizer que ele não tenha a enorme responsabilidade por Kassab e tudo mais que veio junto -- que mais do que empurrar com a barriga os problemas da cidade, instituiu um vazio de ideias uma geleia geral. O que houve com São Paulo durante esses oito anos?

No 1º turno, enquanto o julgamento do mensalão transcorria como espetáculo do moralismo nacional, uma fogueira da inquisição da sociedade do espetáculo -- coincidentemente ocorrida durante as eleições -- Russomanno ascendia com um misto de demagogia religiosa, discurso da segurança pública e quetais. Se Maluf foi assunto das eleições por conta da famosa foto com Lula e Haddad, o malufismo mesmo estava lá. E parecia não arrefecer mesmo com o baixo tempo de TV e recursos dele. Serra caia e depois disputava voto a voto com Haddad para passar ao 2º turno.

Pesquisas a postos, a ascensão de Haddad foi subestimada, assim como sua chegada na hora H, Serra idem e a queda de Russomanno -- cuja figura contestabilíssima começou a ser desconstruída pela própria mídia conservadora, por tirar votos também de Serra -- fim de jogo: Russomanno foi, ainda, bem votado na periferia, quase não teve votos no centro expandido, Chalita apareceu em um quarto lugar constante por todo o município e Haddad venceu na periferia enquanto Serra venceu nos bairros ricos. 

A geografia de São Paulo é a perfeita ilustração da luta de classes e do êxito da burguesia em varrer seus pobres pra longe, embora dependa deles diariamente --  pobres que moram nas bordas e precisam vir de todos os lados para trabalhar no centro expandido todo dia (concentração de gente na periferia, concentração de empregos no centro); daí que a crítica ao modelo urbano-econômico de São Paulo não ser de natureza moral, mas sim pragmática-funcional: não, desse jeito, São Paulo não funciona mesmo, poluída, engarrafada e insuportável.

Se Serra teve menos votos que Kassab na periferia é porque o terceiro candidato, Russomanno, mantinha o apelo popular lá, embora tivesse poucos votos no centro expandido -- onde Serra foi mais bem votado do que Kassab --, caso exatamente oposto ao de Alckmin, terceiro mais votado em 2008. Haddad, por sua vez, foi mais bem votado do que Marta no centro expandido, mas teve menos votos na periferia justamente pelo fator Russomanno.

Haddad é a construção do Novo Brasil em São Paulo, um tornar-se novo Brasil da pauliceia por meio do Lulismo, nas suas ambivalências e, sim, sua potência. Serra é o tornar São Paulo o Brasil -- trazer São Paulo, não a intensidade da São Paulo viva, mas fazer, forçosamente, do Brasil aquilo aquilo que São Paulo é, ou está. 

Nas pesquisas de 2º turno, Haddad iniciou na frente, entre dez a onze pontos percentuais válidos, de Serra. Nada de novo sob o Sol: candidato mais rejeitado entre todos, e com o eleitorado de Russomanno, pelo menos aquele que restou com o candidato do PRB até o dia da votação do 1º turno, mais propenso a votar no candidato petista, Serra não poderia registrar nada diferente que não isso. 

Nada que não motivasse um ataque duro. E novamente Serra apela para o discurso moral e para a violência oportunista com as minorias ao se usar do kit homofobia contra Haddad -- projeto educacional do MEC contra o ódio aos homossexuais, mas barrado pela bancada da direita evangélica (e não bancada evangélica, não vamos colocar todos os evangélicos na mesma canoa, por favor). Irresponsabilidade que não foi poupada nem mesmo por um editorial da Folha, serrista de tempos e de carteirinha. 

Uma minoria inteira exposta por oportunismo eleitoral, por uma pesquisa desagradável -- embora o governo Serra tem distribuído um material parecido ao kit anti-homofobia nas escolas públicas de seu estado, o que torna tudo mais cruel do que seria preconceito puro. Nada muito diferente de 2010, quando valeu literalmente tudo para impedir a ascensão de Dilma.

E de lá para cá, o debate político tem sido pautado por superstições morais: o preconceito do o tom da chantagem parlamentar no Congresso, e fora dele, e o governo petista não sabe o que fazer, se responde, se contemporiza. São absolutamente injustas as críticas de homofobia por parte de Dilma, mas é certo que o governo atual tem medo -- quando precisávamos do contrário. E o PSDB surfa na onda contra o PT, o que, pelo visto, não tem lhe ajudado a vencer eleições, mas prejudica o rival e torna o jogo político um tanto pior.

Nada está decidido em São Paulo. É possível que Serra eleve o tom e atire para todos os lados. Precisa sobreviver na política. Não sabemos quem mais, depois dos homossexuais, irá se tornar refém eleitoral. Haddad precisará ser preciso e duro sem perder a ternura -- tem a seu favor uma rejeição menor e a capacidade disputar votos na periferia próxima, nos bairros que são limítrofes, por fora, com o centro expandido, onde venceu em alguns e perdeu, só por conta de Russomanno, em outros.

Há muito o que discutir, há muito o que fazer. Não adianta supor que isso é uma batalha do bem contra o mal, onde Haddad seria o mocinho e Serra o bandido, mas também não é qualquer jogo onde ambos são o mesmo, ou niveláveis pela mesma régua: o longo governo Serra/Kassab não está em crise, ele é a crise, mas não a crise para os especuladores do setor imobiliário e outros parasitas tantos, mas sim a de nós outros, os cidadãos comuns que tentam, e até precisam, habitar e viver a cidade, incorporando e sendo incorporados. 

Portanto, não é hora, nem o caso, de não tomar partido, é preciso fazê-lo e tudo mais: tomar partido, tomar o partido, lutar pela desinterdição afetiva à qual estamos sujeitos há muito. Pode ser ingênuo, mas é, e precisa ser, corajoso.

Fonte: O Descurvo

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