fevereiro 19, 2007

Sol de feira











Sol de feira
Luiz Bacellar
Ed. Valer, Manaus, 2005 – 6ª edição

Por Ernesto Renan Freitas Pinto

Este é, seguramente, um dos livros mais insólitos da atual literatura poética brasileira. Trata-se de um trabalho poético didático de um dos raros poetas do Norte, que retoma uma temática característica de certa poesia que se praticou largamente no Brasil Colônia entre 1650 e 1750. O nosso Luiz Bacellar vem cultivando este livro como um pomar real e nesse paciente labor nos ensina a admirar e saborear a rica coleção dos frutos da terra.

(...) Após quase três séculos, um poeta do Amazonas se empenha no cultivo de um pomar em parte já desvendado, mas que em algum lugar guarda surpresa de frutos nunca antes cantados.

Pessoalmente, vejo neste livro um grande benefício a um gosto quase perdido, ao nostálgico saborear dos frutos que vão desaparecendo um a um.Tecnicamente, e também de certa forma em seu tema, o livro poderia ser equiparado aos pomulários góticos da França. E o rondel se elege como forma poética capaz de satisfazer o espírito requintado, o verso ágil e preciso do autor. O rondel é uma forma lúdica por excelência. Mozart inclui rondós em muitas de suas sinfonias e concertos, sobretudo nos últimos movimentos, exatamente quando queria brincar (pelo menos é essa a primeira idéia que temos) com algum tema predileto. Desses rondéis do Sol de feira resulta harmoniosa e terna sinfonia dos frutos da Amazônia.

Ernesto Renan Freitas Pinto (Doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal do Amazonas)

Rondel da graviola

graviola, posto
que viola grave,
de aroma e gosto
de arpejo suave;
em vindo agosto
que a chuva lave
teu verde rosto
pra bicos de ave;

pevides breves
na polpa, neves
de arminhos reais,
são semibreves
desses teus leves
sons palatais

Rondel do cupuaçu

cupuaçu
és soberano
do pomulário americano
num cofre pardo
guardas com ciúmes
raros sabores
vivos perfumes

urna selvagem,
ubre silvestre,
moreno seio,
tanta delícia
tua curva crosta
retém no meio

Rondel do figo

a que mistérios
tu, figo, aludes?
teus hemisférios
dois alaúdes –
música e formas
plástica e cor
em que transformas
o teu sabor:

teu mel que abelhas
vão coletar
(ruivas centelhas bailando no ar)
é grato acordea quem te morde

Rondel da jaca

jaca: entre as frutas
eis a matrona,
esparramada
gorda sultana;
com frouxos bagos
flácido aroma
dá visgo aos lábios
de quem a coma

seu jeito lembra
as contorções
moles, lascivas
dos ventres nus
das odaliscas
no harém cativas

Rondel do maracujá

ao te chamarmos
flor da paixão
teus frágeis ramos
deitas ao chão
por te vergar em
pesos sagrados:
Cruz, Lança, Espinhos,

Cravos e Dados
e porque a Hora
da Remissão
não passará
és passiflora
flor da paixão
maracujá

Rondel do abacaxi

com teu cocar
de verdes plumas
feroz te aprumas
para lutar:
feres a mão
que corta as cruas
douradas puas
do teu gibão;

abacaxi,
topázio agreste,
cristal-farol:
cada rodela
da tua polpa
revela o sol

Rondel da manga

manga olorosa
e aurirrosada
chamam-te rosa
chamam-te espada,
espada e rosa
tens com razão
forma amorosa
de coração;

com a fronde esparzes
sombra e raízes
pelas estradas
no tronco trazes
mil cicatrizes
desesperadas

Rondel da pitanga

gracioso arbusto
de folhas breves
todo adornado
de frutos leves
como as caboclas
do meu torrão
e as notas loucas
do meu violão

rubras miçangas
rubis talhados
de viva cor
sois vós pitangas
cristalizados
beijos de amor Posted by Picasa

Um comentário:

Douglas disse...

gostei do livro, ganhei um no flifloresta que teve em manaus,, está de parabêns.


Douglas.