PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
fevereiro 19, 2007
Satori
Satori
Luiz Bacellar
Ed.Travessia, Manaus, 2002
Por Tenório Telles
Três séculos se passaram desde a partida de Bashô, e o desafio do reencontro e conciliação do ser humano com sua essência e o eterno persistem. Luiz Bacellar faz parte dessa linhagem de poetas comprometidos com a revelação dos mistérios do mundo, com a essencialidade das coisas e dos seres. Tendo na musicalidade uma de suas marcas definidoras, sua poesia é prenhe de imagens, de ressonâncias filosóficas e espirituais. A acuidade no tratamento dos temas e apuro da linguagem são expressivos da excelência do seu fazer poético.
Iniciado na sabedoria zen-budista e profundo conhecedor da poesia japonesa, Bacellar é um mestre na arte do haiku. É um dos principais divulgadores dessa forma poética entre nós. Satori é um livro surpreendente pela riqueza temática e beleza plástica dos haicais. Fiel à tradição japonesa, seus poemas evidenciam sua “fé no verbo limpo”, como observou o saudoso crítico Antônio Paulo Graça. Sensível aos acontecimentos mais simples, o poeta evoca em seus versos os sentidos e sinais contidos nas pequenas coisas _ metafóricos da vida: No centro da grama /seca da campinha / o girassol resiste.
Tenório Telles
Professor de literatura brasileira e ensaísta
Um tronco queimado
cercado de grama:
negro iceberg!
Num canto sombrio
- a humilde violeta
esconde o perfume.
A aranha rendeira
de um ponto a outro ponto
retecendo o orvalho.
Floresce o jambeiro:
há um tapete róseo
no chão de janeiro.
Um ponto de luz
no escuro.
Um fumante
ou um vaga-lume?
Formigas na porta
Carregam o corpo
Da cigarra morta
(La Fontaine)
Não me importa a lua
não me importa o vento,
fecho a minha porta
Chaleira na trempe,
Mugido de gado,
Campo sossegado.
(Pastoral)
Chuva de janeiro:
o barco de papel
naufraga no bueiro.
Entre a minha e a tua
janela florescem
tuas samambaias
Um cheiro de peixe
podre e fruta estragada
Vento do mercado.
Um barulho mole
depois esse cheiro...
Caiu uma jaca!
Um novelo
desmancha outro novelo.
Um gatinho.
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