outubro 16, 2006

Gaúcha, com coração amazonense, declara: "Por que voto no Lula!"



















Nota: Recebi a carta de Marlene Ribeiro através de um e-mail dos companheiros do PT. Marlene é atualmente doutora em Educação, professora e orientadora de mestrado na UFRGS. Em 1982, na companhia de outros combativos e combatidos companheiros, viajamos, em dois fusquinhas, até o município de Humaitá, no sul do estado do Amazonas. Já naquela época a BR-319 era uma lástima: tinha buraco dentro de buraco. Dirigimos 24 horas ininterruptas para não sermos devorados pelos carapanãs. Chegamos moídos, mas com a bandeira na mão. Marlene Pardo - assim assinava-se a companheira - era candidata ao Senado da República. Davi contra Golias é uma imagem interessante para se entender o que era construir um partido de trabalhadores num cenário político dominado pelos caciques de sempre. Marlene Pardo, hoje Marlene Ribeiro, gaúcha com coração amazonense, disse sim à história, oferecendo seu nome para o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores no Amazonas, numa época em que não tínhamos um tostão furado para fazer campanha. E pensar que mais tarde, um bando de patetas, ao aceitar as regras de um sistema político viciado, jogou na lama um patrimônio ético construído com nossos corpos e com nossos desejos. A vida e a luta continuam! Pode-se discordar dos pontos de vista de Marlene, mas é gente como ela que costuma fazer a diferença entre o luto e a luta.

Porto Alegre, 6 de outubro de 2006.

Por Marlene Ribeiro
(Marlene é doutora em Educação, professora e orientadora do mestrado na UFRGS. Foi candidata ao Senado pelo PT no Amazonas e na ocasião percorreu todo estado junto com o Lula na sua primeira candidatura à Presidência da República.)

POR QUE VOTO NO LULA!

Companheiros e companheiras

"Companheiro é uma palavra sagrada" me disse um dia, em 1984, um trabalhador da construção civil, negro, estudante noturno da Faculdade de Enfermagem, em Belo Horizonte. É como considero muitos (as) dos (as) que comigo têm caminhado na luta pela construção do socialismo. História e compromisso são, também, sagrados; não admitem a omissão porque esta, também, é uma posição de classe. Com essa introdução, estou entrando no debate sobre votar ou não votar em Lula nesta eleição presidencial, porque no estado/RS, meu voto é, declaradamente, para o Olívio Dutra.

1. Preliminares - ou do lugar onde falo

1. 1 - Dizia Paulo Freire que se pode fazer a opção e mesmo cometer o suicídio de classe, como fez Fidel Castro, filho de fazendeiro. Minha história já é conhecida de muitos, mas não de todos. É nela que explico minha decisão. Esta nasce de um lugar e de uma trajetória, a de filha de um pequeno agricultor e de uma dona de casa e costureira. Numa tarde de setembro de 1947 vi nossa lavoura ser devorada, em poucas horas, por uma nuvem de gafanhotos com os quais eu e meu irmão passamos a brincar, sem ainda compreender o sofrimento dos nossos pais.

Não há "êxodo" quando no horizonte não está a "terra prometida" que até hoje é objeto de guerras fratricidas em que o Estado de Israel, com o apoio dos EUA, tenta esmagar o povo palestino. Sem políticas de apoio à agricultura familiar, incluindo educação e saúde públicas para os filhos dos agricultores, o destino destes trabalhadores é a expulsão da terra em direção às fábricas, nos anos de 1940 - 1960, como ocorreu com meu pai, e hoje em direção ao trabalho informal, precarizado, ou mesmo ao desemprego ou ao tráfico de drogas e à prostituição de jovens para os quais não há alternativas de trabalho, nas periferias das sedes dos municípios ou nas capitais.

Em períodos intercalados por desemprego, meu pai trabalhou na Cia. Swift, no Frigorífico Anselmi e no Porto Novo, na cidade de Rio Grande, enquanto a mãe costurava e, nesses períodos, quando o pai "pegava" a conta, nos sustentava (6 filhos). Brizola foi um criador de escolas nos anos de 1950. A isso, a uma diretora e professores do "Juvenal Miller" e aos avós de meus filhos (uma família de pescadores) devo o fato de ter tido uniforme, material escolar e alimentos para concluir a Escola Normal, já mãe da minha filha Eliane. Casada e professora primária, mãe de três filhos, fiz o curso de filosofia. Apesar disso, na época, pensava que, como eu havia feito, qualquer pessoa que se esforçasse, que estudasse, poderia melhorar de vida.

1. 2 - Escolhi ser católica aos 9 anos; foi participando de pastorais sociais cristãs - CPT, CIMI e PO, no Amazonas, desde o final dos anos de 1970, que fiz uma releitura da minha vida, que compreendi o sacrifício da minha mãe, do meu pai que chegava a trabalhar no turno da noite, durante 12 horas para poder nos sustentar, e de onde provinha a riqueza do meu avô materno que era latifundiário em Pedro Osório/RS. O convívio com agricultores-pescadores e operários caboclos, no Amazonas, com quem descobri um novo mundo e aprendi uma nova linguagem, através do trabalho de pastoral e da leitura de Marx & Engels, no mestrado da UFMG, me permitiram re-constituir minha origem de classe e fazer minha opção de classe.

1. 3 - Minha dissertação é a reconstituição da história do pai, morto com 56 anos, e a tese uma homenagem à mãe, uma batalhadora incansável até os 75 anos, quando partiu sem ver a filha "doutora". É nessa história que se originam as minhas questões de pesquisa; em meus projetos enquanto pesquisadora estão entrelaçados os movimentos sociais populares e a educação popular, sustentados pelo trabalho, trabalho este que, como tenho dito, permite até que a terra se movimente porque só o trabalho cria, produz e nesse produzir, produz o humano que somos nós.

1. 4 - Os trabalhos de pastoral, geralmente voltados à formação política, a participação nos processos de organização popular, na criação de associações e sindicatos de professores e de operários, nas greves e no movimento de mulheres só podiam me levar à organização do PT, no Amazonas. Este, como no resto do país, era um PT de militância, sem dinheiro, porém com muita garra, que tinha entre seus 13 pontos a construção do socialismo e a ética como princípio. Aqui eu saio das preliminares para levantar alguns pontos e neles embasar a minha tomada de posição nesta eleição presidencial.

2. Vou tentar explicitar esta posição, retomando algumas questões que a história nos coloca.

1ª) Quem em sã consciência acredita que hoje tenhamos democracia ou que possamos construí-la através de eleições?

* A social democracia alemã tomou este caminho, seguindo teorias de Bernstein e Kautsky, contestadas por Rosa Luxemburgo. Esta acabou por ser assassinada e a Alemanha foi palco de um dos maiores genocídios da história, a do povo judeu e de milhões de comunistas, o que quase não é divulgado. Só não foi maior porque, a partir do século XVI, os europeus, em seus processos de colonização, perpetuaram o maior genocídio da história, em relação aos povos americanos nativos, aos povos africanos e asiáticos.

* O Chile tentou, com a eleição de Salvador Allende, mas os EUA inventaram Pinochet, como inventaram Osama Bin Laden e Sadam Husseim quando estes lhes serviam; agora os colocam como bodes expiatórios para ocultar sua ganância pelo petróleo árabe.

* Jango Goulart, em 1964, não era um líder socialista enquanto grande proprietário de terras. Defendia um projeto nacionalista, daí a importância da Reforma Agrária e do controle da remessa de lucros, que chamava "reformas de base". O resultado foi o golpe militar, com militares treinados nos EUA, a partir de 1950, quando a direção do governo de Getúlio Vargas pareceu tomar um rumo perigoso para os interesses norte-americanos.

* Há outras histórias bem conhecidas como a de El Salvador, da Nicarágua, do Panamá, de Cuba, da Argentina, etc.

2º) Como fazer uma leitura da criação dos sindicatos e dos partidos políticos dissociada do pacto social, do correspondente Estado-Providência, e do padrão taylorista/fordista de produção e consumo?

* Tanto o PT quanto a CUT têm sua origem no movimento sindical brasileiro retomado com muito vigor no final dos anos de 1970, quando o Estado do Bem-Estar social e o padrão produtivo e de consumo de massas, nos países centrais, encerrava o ciclo dos "trinta anos dourados". É preciso considerar, ainda, as incipientes conquistas dos trabalhadores brasileiros nos anos de 1940, durante a Ditadura do Estado Novo.

* Temos alguma ilusão ou vamos cair em um reacionarismo de pensar que é possível à história voltar atrás? É possível ter aquele sindicalismo e aquele PT e CUT combativos de volta em um contexto de desemprego estrutural, cujos números todos conhecemos? Nem mesmo o Estado Novo poderia ser reeditado... Será que o quereríamos?

3º) Os sujeitos coletivos que personificam o capital têm séculos de experiência para a reação organizada e o controle da ação contínua dos trabalhadores enquanto sujeitos coletivos organizados em movimentos sociais populares. Só que esta classe, sujeito da história, não está pronta; há agricultores aderindo ao agro-negócio ou à produção agregada; há operários que votam no Paulo Maluf, no Collor de Mello ou no Toninho Malvadeza Júnior... A classe se faz na luta de classes, e aí se descobre como classe, como diz o velho Thompson. Então:

* Será que esquecemos que o Lula foi eleito com uma aliança com o PL?

* Será que ignoramos que, em agosto de 2002, sob o risco da eleição do Lula, o FHC fechou contrato com FMI sobre o próximo governo?

* Será que desconhecemos a composição de classe do Congresso Nacional, majoritariamente constituído de representantes da UDR, dos banqueiros, dos empresários e dos intelectuais gestores do capital, que têm dinheiro para financiar suas campanhas?

* Será que ignoramos o poder da mídia ou a história da apropriação de empresas jornalísticas, durante a ditadura militar, pelo Sr. Roberto Marinho (elevado a santo) associado ao capital norte-americano?

* Ou será que esperamos que o Lula, sozinho, ou com a ajuda de petistas desastrados, sem o apoio de movimentos sociais populares organizados e fortes (o desemprego os fragiliza e precisam de um tempo para se redimensionar), possa gerar empregos, fazer Reforma Agrária, aplicar mais recursos na agricultura familiar, na educação e na saúde públicas?

3. Por que, então, votar no Lula?

1º) Não sou adepta do "quanto pior melhor", porque tenho conhecimento de causa do que é a vida de pobre com vários filhos e pai desempregado. Este - o do "quanto pior melhor" - será o caminho do Brasil se o candidato do PSDB for eleito, com alargamento das fronteiras de atuação do PCC... Já vimos este filme e, mais, o rombo que ele deixou no estado de São Paulo. Queremos isso para o país?

2º) Não vejo o Lula como criador do PROIFES, pois, se assim fosse, teria de acreditar que professores universitários deixam-se comandar por um trabalhador com formação em curso técnico de nível médio. Nós somos os verdadeiros responsáveis pelo PROIFES por sermos incapazes de fazer uma avaliação objetiva da nossa própria categoria de trabalhadores, que ganha pouco em relação ao nível de formação exigido o que, no entanto, é muito se considerarmos a média dos ganhos da maioria dos trabalhadores brasileiros;

3º) Penso que o povo brasileiro trabalhador não merece ser governado por uma pessoa que, segundo notícias de revistas como Caros Amigos, é membro da "Opus Dei", direita ultra-conservadora da Igreja católica, que acredita na auto-flagelação como caminho da conquista do "céu"...

4º) Tenho plena consciência de que o Lula não mais tem identidade com o PT original, até porque este já não existe por duas boas razões: a) foi engolido por mudanças estruturais que vieram para garantir o processo de acumulação com o controle dos movimentos sociais através do desemprego; b) foi destroçado pela hegemonia da direção paulista de cunho stalinista;

5º) Também tenho consciência de que os movimentos sociais populares, sejam sindicais, sejam os dos "sem" não têm nesse momento a mesma força porque também passam por discussões internas, divisões de tendências e re-formulação de projetos que precisamos acompanhar e entrar no debate se formos chamados, mas, sobretudo, respeitar...

6º) Voto no Lula, em primeiro lugar porque tenho plena convicção e o conheço; sei que é um homem honrado, íntegro, generoso, inteligente e sensato. Em segundo, porque seu governo poderá significar, dentro das condições objetivas atuais, um pequeno, mas importante espaço para a organização dos trabalhadores, dos indígenas, dos quilombolas, e para a educação, a segurança, a saúde públicas. Se a compra de votos para a reeleição de FHC e a sua interferência na privatização das telecomunicações, além da privatização da Vale do Rio Doce, que está sendo contestada, entre muitos outros escândalos, foram engavetados por Geraldo Brindeiro, o "engavetador", pelo menos neste governo estamos acompanhando o trabalho de limpeza feito pelo Ministério Público e pela Polícia Federal;

Se nós, do PT, fôssemos capazes de elegê-lo sozinhos, sem o apoio dos outros partidos, mesmo assim, ainda estamos numa sociedade capitalista e teríamos de dialogar com as outras forças políticas. Além do mais, teríamos de considerar se os EUA iriam permitir e até onde. Vocês já pensaram o que aquele avião estava fazendo em Brasília em tempos de eleição e porque ele derrubou o outro, o da Gol?

COBRAR DO LULA PASSA, EM PRIMEIRO LUGAR, POR COBRAR DE NÓS MESMOS SOBRE O QUE ESTAMOS FAZENDO NO SENTIDO DE CONTRIBUIR PARA A ORGANIZAÇÃO DAS CAMADAS POPULARES!

4. Quanto ao PT e aos demais partidos

Há muito deixei de acreditar nas potencialidades do Estado, apropriado pelo capital multinacional, nem acredito nas instituições criadas dentro do modelo do "pacto social", apesar das contradições próprias da relação capital versus trabalho que as atravessam. Precisamos estar atentos porque são os oprimidos (Freire) ou as vítimas (Dussel) ou as camadas populares Gramsci) ou operários junto com camponeses (Marx) os que são os criadores das novas alternativas de organização econômica e política. Esse é um processo lento, prenhe de contradições, como foi o próprio processo de formação da classe burguesa. Mas já há experimentos em vários países que apontam para formas solidárias, autogestionárias e horizontais de trabalho e de relações de poder, que sinalizam para a necessidade de repensarmos a educação, hoje centrada no indivíduo subordinado e, ao mesmo tempo, competitivo, sabendo manejar várias máquinas, mas sem necessidade de pensar e ou de criar.

Vou votar no Lula porque, em seu governo pode, não significa que aconteça porque não podemos prever a correlação de forças, haver um espaço, embora pequeno, para a continuidade e o fortalecimento desses experimentos e iniciativas das camadas populares. E é pensando nesses sujeitos coletivos dos quais provenho e com os quais assumo compromisso de classe, que vou votar nele, na origem, também um operário. Posted by Picasa

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