Serra e Alckmin
"Disfarça Serra... me borrei todo nesse debate!"
Nota: Não precisa ser entendido na assunto para reconhecer que Lula deu um banho de cuia no Alkmin, depois que a assessoria deste último escolheu o tema Saúde para o debate no SBT. Se a intenção era fugir do tema da ética, no qual o governo do PSDB saiu mais sujo do que pau-de-galinheiro, vide a privataria que quase comprometeu a soberania nacional (várias correntes políticas estão estudando a re-estatização da Vale do Rio Doce, por exemplo), o tucanato se deu mal. O candidato chuchu não entende de saúde pública.
Para entender as propostas dos candidatos Lula e Alckmin, os companheiros do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde estão fazendo circular a análise de Hêider A. Pinto, enviada para Jonas Valente. Em seguida este blog estará publicando um importante anexo para embasar os comentários de Hêider A. Pinto.
AGÊNCIA CARTA MAIOR
PROJETO SANITÁRIO PARA O BRASIL
LULA x ALCKMIN
INTRODUÇÃO
Esta contribuição está dividida em quatro partes:
01- um pouco do contexto das políticas de saúde do Brasil, em minha opinião, central para entender porque houve avanços mesmo no governo de FHC;
02- apontamentos sobre quem é e o que é direita e esquerda na saúde (penso que aqui está a chave para perceber que, algumas diferenças sutis nos programas são antes tendências com potenciais de diferenciação crescente);
03- comentários sobre os programas de governo dos dois candidatos para estas eleições, colhidos nos programas escritos, na televisão ou em outros meios de comunicação;
04- e algumas outras considerações sobre as diferenças programáticas e ideológicas, evidenciadas nas práticas destes dois partidos quando na condução governamental das políticas públicas de saúde.
Mando em anexo: boletim do PT comentado e acrescido por Jorge Solla (neste anexo estão os diversos dados necessários para embasar o que está sendo comentado aqui); programa de governo para a saúde do PSDB e do PT, todos com grifos nossos.
CONTEXTO
O capítulo da saúde na constituição de 88 foi o momento de institucionalização legal de um pujante e amplo movimento que ficou conhecido como movimento da reforma sanitária brasileira ou movimento sanitário. Este movimento se desenvolve a partir de vários grupos: professores e pesquisadores de saúde pública das Universidades e Institutos de Pesquisa em Saúde Pública; movimento estudantil de saúde; trabalhadores de saúde, principalmente do setor público e das periferias das grande cidades; comunidades eclesiais de base e comitês populares de saúde; movimento sindical; movimento popular de saúde; pessoas da tecno-burocracia estatal da área; parlamentares comprometidos com o tema.
Na década de 70, predominava o movimento popular, a universidade e o movimento estudantil, trabalhadores de saúde oriundos da esquerda que atuavam nas periferias e os sindicatos. Foi construído em 76, pela esquerda socialista com base na tradição gramsciana, um órgão ideológico de disputa: O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES). Ele articulava o movimento e era seu principal espaço de formulação e canal de expressão.
O movimento sanitário neste período se confundia com as lutas de redemocratização do Brasil e se mistura com o processo de construção do PT (em muitas cidades, os núcleos do CEBES eram fundados junto com os Núcleos de Base do nascente PT), ainda que parte considerável do movimento era do PCB.
Na década de 80 aumenta o peso relativo dos sindicatos (agora com a CUT), dos partidos, dos diversos parlamentares e de pessoas do movimento que “infiltraram” na tecno-burocracia estatal (normalmente o povo do partidão). Em 86 um acontecimento de massas, a VIII Conferência Nacional de Saúde, faz o desenho do que viria a ser o SUS. O movimento, através de múltiplas mobilizações, pressões e articulações garante na constituição de 88 algo muitíssimo próximo da formulação da VIII CNS: o capítulo da saúde.
A bandeira do movimento era a saúde como direito de cidadania e dever do estado que, para garanti-la, entre outras ações sociais e econômicas coordenadas, construiria um sistema nacional público de saúde (o SUS) com acesso universal, equânime e integral (ou seja, que daria conta de todos os problemas de saúde e em todos os níveis, diferente de cestas básicas de saúde dada a uma população excluída do mercado de saúde). Como princípio, mas também como estratégia de acumulação de forças se defendia financiamento específico das três esferas de governo, a descentralização de decisões e gestão para os municípios (mais próximos e susceptíveis ao controle e pressão popular) e os espaços e mecanismos de Controle Social através de vários instrumentos (Conselhos de Saúde deliberativo e autorizativo em cada esfera, Conferências de Saúde, Plano Municipal de Saúde, conta única e aberta ao controle, etc.).
Collor, obviamente contrário ao SUS, seja às características social-democratas do sistema, seja a seus germes socialistas, foi certeiro nos vetos que impôs em 91: não definiu o financiamento, descentralizou a gestão mas não o recurso (sucateou, portanto) e vetou as leis de controle social. O movimento na seqüência recuperou as leis de controle social, mas não avançou no resto.
Ao longo da década de 90, o movimento ampliou muito suas bases: de um lado os institutos de saúde pública formam sanitaristas numa perspectiva à esquerda e numa postura de defesa radical dos princípios do movimento e são estes os caras que são os técnicos contratados ou concursados que passam a compor a tecno-burocracia estatal; de outro o controle social (ainda que muitas vezes burocratizado) avançou muito e envolve milhares de conselheiros em todo o país. Como foi típico na década de 90, o movimento popular e o sindical, aqui também se fragilizou.
Nos anos FHC, mesmo com a não mudança do quadro de desfinanciamento promovido por Collor, o SUS não se desmontou. Houve uma ampliação contínua dos serviços públicos, do número de trabalhadores públicos no setor, do volume produtivo e da participação social na gestão do sistema, mesmo em anos de neoliberalismo e com reformas neoliberais no sistema de saúde em todos os países da América Latina.
Fatores que explicam esta resistência são vários, dentre eles o que é chamado de consciência sanitária da população, que assimilou um conjunto de conquistas como direito inalienável; as diversas experiências municipais de avanço do sistema, dentre elas com muito destaque as prefeituras do PT que investiram maciçamente os recursos próprios na saúde ampliando o SUS, dentro de suas possibilidades de finaciamento; e a importantíssima resistência da tecno-burocarcia na máquina estatal, da frente parlamentar de saúde no congresso, que impedia as reformas neoliberais, e a atuação dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde (CNS). É fundamental entender que, se o Conselho Nacional não autoriza, mesmo o ministro, não pode mudar as diretrizes da política. Ainda assim, o Serra nunca foi em uma reunião do CNS (o primeiro ministro a frequentar e respeitar o CNS foi o Humberto Costa) e muitas vezes contrariou deliberações do CNS atuando contra a lei (os mecanismos legais do conselho valer sua vontade são limitados graças à morosidade da justiça).
Graça a isso foi possível mesmo sob FHC aumentar os recursos da saúde (ainda que aquém do necessário) e aprovar uma emenda constitucional luta do movimento sanitário e proposta pelo PT, de financiamento da Saúde (similar à que o Collor vetou): a EC 29, aprovada no congresso na gestão de Serra. Esta lei (que defini o mínimo de gastos dos três entes federados) novamente é atualemnte alvo de discussão entre os candidatos, pois o movimento exige mais recursos por parte do governo federal (parte mutilada na emenda de 2000 por Mallan). Foi possível também avançar muito na atenção básica com o PSF (programa de saúde da família), mas isso fica para o próximo item onde vou debater qual é a postura de direita e de esquerda na saúde.
QUEM É E O QUE É DIREITA E ESQUERDA NA SAÚDE
Sempre compôs a direita o chamado Complexo Médico-Industrial, o capital hegemônico na saúde até os 80. É a indústria de equipamentos médicos e hospitalares, de medicamentos e os hospitais. No Brasil este setor nunca teria se desenvolvido e não se sustenta sem o financiamento público, seja através de financiamento direto, evasão fiscal ou compra de serviços no setor privado colocando para girar um mercado, pago pelo público, de 145 milhões de pessoas (80% das pessoas são atendidas pelo SUS).
Mas há um novo capital hegemônico na saúde, o Capital Financeiro, os planos e seguros de saúde (Bradesco, Sulamérica etc). Este é hegemônico mundialmente e sua lógica de lucro é diferente e antagônica ao anterior. O outro, quanto mais gastar melhor. Este, por usar o sistema de pré-pagamento, coloca o capital na ciranda financeira e tenta gastar o mínimo, reduzindo a lucratividade do anterior. Mas o mercado privado no Brasil para os planos é pequeno, então este capital tenta ampliar seu espaço de ação, seja reduzindo o raio de ação do setor público, seja, invadindo este raio de ação através de propostas de parceria com o Estado como é uma solução para a saúde defendida pelo PSDB, as Organizações Sociais (OS). Estas receberiam os recursos públicos “regulados” por um plano de gestão, administraria os recursos, o equipamento público e seus servidores, poderia fazer sistemas diferenciados de cobrança, pago para uns e gratuito para outros. Com a economia obtida nessa gestão, extrairia o lucro, somado ao usufruto da rentabilidade do capital na ciranda financeira. Para Bresser Pereira, esta é uma gestão moderna e ágil. Tal sistema começou a ser implantado por Serra em São Paulo.
Parte importante do Movimento Médico também compõe a direita, aliado do Complexo Médico-Industrial se contrapõem ao capital financeiro que os assalariam e exploram. Defendem hegemonicamente um mercado liberal: quem pode pagar compra, quem não pode é ajudado pelo Estado para comprar “livremente” num mercado onde os médicos vendem “livremente e eticamente seu serviço para o bem de todos”.
Deste modo, o PSF, do modo com inicialmente ele veio (antes de ser re-construído pela esquerda), com proposta do Banco Mundial, visava garantir aquela cesta básica de ações simples e quase que só preventivas para aquela população bancada pelo Estado. O resto seria conseguido no mercado privado, subsidiado ou não pelo Estado.
A regra é: o que não pode ser comprado e/ou o que não dá lucro, o Estado se responsabiliza, no resto, lei de mercado para os que podem pagar, para os que não podem o Estado dá uma mão. Isto é central para diferenciar as ações dos dois governos.
E a esquerda é o movimento sanitário, as organizações populares, não governamentais, sindicais, partidárias, universitárias, governamentais, intelectuais, etc. que lutam pela Reforma Sanitária Brasileira. Seu projeto: um Sistema Único de Saúde integral, universal, equânime, democrático e descentralizado, com intensa participação e controle social; um SUS pra valer, como tem defendido a nova diretoria do CEBES. Outro valor central é o entendimento da saúde como bem público (não como mercadoria) o que implica em regulação rígida sobre a chamada saúde suplementar (planos de saúde). A esquerda não acha possível, nas atuais condições, prescindir do mercado suplementar de saúde (haveria um colapso no sistema com impacto importante na classe média e alta da população o que poderia gerar uma crise de legitimidade).
Há ainda outro elemento central: o modo como se entende, estimula, faz e possibilita a ação, controle e gestão social do estado por parte dos trabalhadores e usuários dos serviços. A esquerda aposta num processo de alargamento da esfera pública não estatal, de espaços que favorecem o desenvolvimento de sujeitos sociais, que democratizam o Estado ampliando a capacidade de gestão destes coletivos e a consciência dos limites e possibilidades do mesmo, de uma orientação das ações públicas para a necessidades populares, além de ser um espaço importante de acúmulo de forças e ampliação do poder popular. O problema é que no discurso todos falam a mesma coisa, sendo esta diferença só percebida mesmo na prática: muitas vezes com brutais diferenças mesmo entre concepções mais à direita e outras mais à esquerda, ou mais democráticas de baixo ou de cima dentro do próprio PT, que dirá no PSDB.
Estas questões são, na minha opinião, chave para entendermos as propostas das duas candidaturas.
PROGRAMAS DE GOVERNO
Antes de discutir na especificidade dos programas de saúde é necessário uma advertência: é claro que as políticas de saúde como políticas setoriais, juntamente com todas as políticas públicas sociais, são condicionadas pela política econômica global. Deste modo, para avançarmos na velocidade que o povo precisa é necessário mudanças importantes e de fundo na política econômica num segundo mandato do governo Lula. Contudo, esses limites não podem obscurecer o fato de que eleger novamente o PSDB/PFL com Alckmin representa optar mais uma vez por um programa de ajuste fiscal neoliberal orientado pela ideologia do Estado mínimo e comprometido, no máximo, com políticas compensatórias focais. Basta que olhemos para a América Latina e perceberemos que programas de ajuste semelhante destruíram sistemas de proteção social nos poucos países da região que contavam com um, impondo reformas regressivas e abandonando o povo à própria sorte. A reforma sanitária progressista do Brasil iniciada no fim dos oitenta, a iniciada no início deste século na Venezuela, e a já mundialmente famosa reforma cubana pós-revolução, são as únicas exceções na região até agora.
Após o preâmbulo: após ler os programas de saúde escrito dos dois candidatos constatamos que ambos têm um viés eleitoral muito grande que empobrece muito o conteúdo. Não são de fato plataformas para a saúde, seja do ponto de vista de afirmação e crítica ideológico-programática ou mesmo como um plano de políticas e ações. Assim, são limitados para se analisar. Agrego para enriquecer a análise, ênfases que os candidatos têm dado nos meios de comunicação e o que foi feito nos governos de seus partidos.
Os dois programas escritos fazem uma defesa genérica do SUS além de vários lugares comuns da saúde pública brasileira. Enfatizam avanços e consensuam sobre várias ações desenvolvidas hoje. Vou centrar obviamente nas diferenças.
No programa escrito do PSDB é claro o discurso de ineficiência e insuficiência dos órgãos públicos e da necessidade de expandir o sistema via entidades sociais “sem fins lucrativos”. No programa do PSDB encontramos: “valorização do papel de entidades sociais sem fins lucrativos que se dedicam ao atendimento de saúde em suas comunidades” (...) “sua atuação é tão mais importante quanto mais sabemos das insuficiências dos órgãos governamentais”.
Como sabemos das propostas do PSDB (como coloquei acima) esta é uma afirmação tímida mas coerente com uma concepção em que o sistema adequado seria um sistema parte público e parte privado, financiado pelo público e gerido e administrado em grande parte pelo privado, em que, de um lado, a lógica do mercado reduziria custos e aumentaria a eficiência de um setor público visto como ineficiente, ao mesmo tempo em que, de outro lado, regulações governamentais tentariam garantir a difícil tarefa de, domando as força do mercado, garantir o interesse público da população, neste caso, sua saúde.
Parte disso pode ser percebido também no discurso de Alckmin que centra num compromisso frente às Santas Casas de Misericórdia. Sempre dizendo que elas precisam ser apoiadas, financiadas e recuperadas após o abandono do governo Lula. Na verdade o que aconteceu é que o governo Lula tornou mais rígidos os critérios de isenção fiscal, ou seja, antes, bastava que algo próximo a 1/3 dos atendimentos fossem destinados à população atendida pelo SUS que a instituição gozava das vantagens de ser reconhecida como Filantrópica. Alckmin dá sinais aí a um setor importante que passa por “dificuldades”, os Hospitais antes entendidos como Filantrópicos que, com baixa capacidade competitiva no mercado de hoje, não conseguem sobreviver sem ajuda importante do setor público, seja na compra de serviços ou na isenção fiscal. Diga-se de passagem, uma característica marcante do discurso de Alckmin é o seu hospitalocentrismo. Em que pese todo o debate da saúde pública brasileira e o esforço de reverter este modelo nos deixado pela ditadura, Alckmin dá novo fôlego à ele no imaginário social como se espalhar hospitais pelo Brasil fosse solução para a saúde das pessoas.
No programa de Lula há uma direção inversa: ao contrário de apontar a expansão do privado para dentro do setor público há a intenção (na verdade ampliação de uma ação que já está em curso) de ampliar os âmbitos de ação do setor público. Os serviços de média complexidade, aqueles que compreendem as consultas, exames e procedimentos especializados é muito lucrativo para o mercado. Ali atuam os planos e o Estado entra comprando serviços do setor privado. A proposta de Lula aponta para um financiamento para que se construam Centros de Especialidades públicos, seguindo e apoiando a tendência daquilo que várias prefeituras petistas fizeram e que para isso tiveram que enfrentar os agentes de mercado que perderam parte importante de seu mercado no setor. Contudo, ao contrário da prática dos 8 anos de FHC, Alckmin aponta para a construção de centros de especialidades, mas não diz se pretende desenvolvê-los como órgãos públicos ou como OS a la Serra.
Vejamos o Programa de Lula: “Criar os Centros de Atendimentos Especializados de média complexidade, para assegurar o tratamento completo dos usuários do SUS. Estes Centros poderão realizar consultas especializadas, exames, serviços de reabilitação com fornecimento de órteses e próteses, pequenas urgências e cirurgias eletivas que não necessitam de hospitais ou pronto-socorros e distribuição de medicamentos excepcionais”.
De fato o governo Lula avançou nestas áreas que não estavam na cesta básica proposta pelo banco mundial e que o mercado explorava livremente: avançou de maneira importantíssima (dados com o texto do Solla em anexo) na oferta de serviços de saúde bucal e na produção de órteses e próteses odontológicas com o Programa Brasil Sorridente (dentaduras, por exemplo, velha moeda de troca por voto nas eleições); urgência e emergências como é por exemplo o SAMU (serviço de atendimento móvel de urgência). Este em especial goza de uma ampla aprovação por parte da população (constatado em vária pesquisas de opinião), atende pessoas de todos os grupos sociais pois, comprovadamente é mais rápido e eficiente que os serviços privados (excetuando os caríssimos que usam helicóptero) e mobiliza uma quantidade importante de recursos incorporando uma dimensão ao serviço público que contraria qualquer neoliberal adepto do Estado mínimo. Em outros setores e principalmente na saúde, aquilo que passa a ser oferecido e reconhecido como direito de cidadania passa a fazer parte da pauta de reivindicações das organizações populares e da sociedade.
Na Folha de Paulo (página A-10, dia 11-10-06), foi perguntado aos candidatos: “O sr concorda que hospitais públicos tenha setores exclusivos para usuários de planos de saúde?”. Alckmin simplesmente não respondeu, pois é favorável (só ver Sã Paulo) e teve medo de admitir. Falou que o sistema é universal, que o plano tem que ressarcir o SUS, que tem que haver fiscalização etc. e não falou se é favorável ou não à dupla fila e ao duplo sistema no mesmo hospital público, um para pacientes oriundos do setor privados outros do público (sua prática diz que é). Talvez porque as experiências brasileiras neste aspecto são péssimas e, além de gerarem importante desigualdade no acesso e no cuidado, ao contrário de canalizar recursos do privado para sanear o público (como argumenta seus defensores), faz o contrário, contribui para desvios de verba do público para um privado ávido de recursos a fim de atingir níveis de excelência dos grande hospitais privados: tudo em nome de disputar o cliente que pode pagar!
Lula responde claro e direto na mesma matéria: “não, Hospitais Públicos construídos e custeados com recursos públicos, são para atender as pessoas usuárias do SUS”. Mais à frente coloca-se contrários às duas portas de entrada.
De fato o atual governo atuou no sentido de reverter o processo de sucateamento dos hospitais públicos, em especial, dos Hospitais Universitários (os preferidos para se instalar dupla porta pela legitimidade que tem junto à população em geral). No anexo tem informações acerca destas ações que buscaram concursar e repor o quadro defasado de profissionais e dotar os Hospitais de um orçamento buscando reduzir e superar a influência da lógica mercantilista e ineficiente de pagamento por procedimento. Também há agora uma política específica para hospitais de pequeno porte.
Ou seja, há uma diferença marcante, o Governo do PT na só ampliou e desenvolveu um nível de atenção, a atenção básica, trabalhou para desenvolver todos os níveis de atenção, ou seja, pensou o sistema de modo Integral, talvez tenha sido até um ato falho o programa do PSDB não ter elencado entre os princípios do SUS justamente a integralidade (vide anexo).
Outra luta no mesmo sentido e bem mais complexa foi a luta do Governo Lula pela reforma psiquiátrica, pela saúde mental, em que diversos hospitais psiquiátricos, filantrópicos ou não, encarceravam parte da população, desumanizada sob o rótulo de louca, oferecendo um tratamento superado, ineficiente e desumanizado, pago pelo Estado por cabeça. Na verdade era com se o dono do hotel pudesse prender todas as pessoas e o governo ficar pagando a diária indefinidamente (ver bicho de 7 cabeças). O governo Lula enfrentou isso e apoiou a nova legislação para a saúde mental, o programa de volta para casa e estimulou, financiou e desenvolveu uma rede de Centros de Atenção Psicossocial. Luta econômica contra o complexo hospitalar psiquiátrico, teórica e tecnológica contra diversos psiquiatras defensores do antigo modelo, luta cultural contra a concepção hegemônica que exclui os “loucos” do convívio social como pessoas destituídas de humanidade. O projeto é fantástico, é uma verdadeira revolução cultural, baseada em um conjunto de princípios afirmativos bem socialistas, assentado em serviços com espaços de gestão participativos e com base na democracia direta, que re-posiciona a lógica entre política e saber técnico, tirando-o de um lugar de neutralidade. Ao mesmo tempo que comprou um enorme conflito com o capital no setor.
Voltando ao programa, há ainda mais um elemento no que se refere à participação do Estado no ramo econômico de desenvolvimento, produção, distribuição e comercialização dos medicamentos e insumos terapêuticos. A Política do PSDB foi de incentivo a uma certa substituição do capital privado internacional pelo privado nacional. Assim foi a política dos genéricos que na verdade era um projeto de lei de um deputado do PT formulado com base em reivindicações do movimento sanitário. A despeito dos acordos espúrios entre Serra e os empresários beneficiados com a política, o programa foi um avanço no sentido de baratear os custos dos medicamentos.
Neste sentido o governo Lula fez avanços muitíssimo importantes e com claro caráter de esquerda: ampliou a política dos genéricos, desenvolveu a política da medicação fracionada (que faz com que as pessoas precisando de 7 comprimidos não tenham que comprar uma caixa com 30 e depois acabam tomando os demais em outra ocasião de modo errado e perigoso).
Mas isso é o de menos, recuperou a capacidade pública de produção de medicamentos através da recuperação e desenvolvimento de laboratórios públicos federais e estaduais. Aqui sim há uma redução radical do preço e do gasto público e a substituição de uma produção privada por uma pública muitíssimo mais barata (não tem que fazer propaganda, não compete com outras marcas, pois é distribuída no próprio serviços estatais, não gasta com “layout” de embalagem, etc). Aqui entra também medicamentos, vacinas e a políticas de hemoderivados (melhor solução para desvios como os constatados na quadrilha dos vampiros) em que nesse governo foi dado o importante passo de criação da Hemobras (ver anexo). Diversos insumos que eram importados a altos custos, estão sendo pesquisados, desenvolvidos e produzidos no Brasil num verdadeiro processo de substituição de importações por produção e pesquisa pública. Um horror para os privatistas e neoliberais. A população agradece.
A política da farmácia popular do Brasil é controversa. A proposta é interessante: priorizando a garantia de medicamentos de distribuição gratuita nos postos de saúde, o excedente de recursos seria para a produção de medicamentos vendidos a preços baixíssimos na rede de farmácias populares. O objetivo seria competir com o mercado de distribuição e venda impactando nos preços do setor privado de modo que uma redução de preços poderia ser sentida por toda a população, mesmo a que não usa o SUS. Porém, o volume de medicamentos necessário para que esse impacto seja algo real, é enorme e o setor público não tem ainda este volume de produção. Segundo, na verdade o que vemos é que parte do dinheiro que era para garantir a farmácia básica gratuita do SUS acaba indo para este setor. Mas os recursos são outros- diz um defensor? Sim, sei, mas na medida em que, mesmo com todo o aumento de recursos para assistência farmacêutica deste governo (dados em anexo), ainda faltam medicamentos nos postos, e como se trata de um mesmo ministério, posso concluir que não há excedente e que não é o excedente que é canalizado para ser comercializado. Para mim, é uma política pública que visa a classe média que não usa regularmente o SUS e que busca ampliar a legitimidade neste segmento. Se não pode ser acusada de neoliberal, privatista, de direita etc. tampouco, são todas as propostas de esquerda que são coerentes e eficazes com nossos princípios e objetivos. E está sendo atacada como um calcanhar de Aquiles: Alckmin em seu programa eleitoral na TV acusou Lula de cobrar remédios de quem não pode pagar e disse que vai acabar com esta situação: contrapõe seu questionável dose certa como solução e exemplo. O por quê de não integrar as ações entre estado e município e garantir a assistência farmacêutica no mesmo lugar que se dá o cuidado à saúde, ou seja, as Unidades Básicas de Saúde próximas das casas das pessoas, ele não explica, justamente por que não tem explicação, a não ser o fato do Dose Certa ser menos uma política pública séria que marketing político.
O Programa do PSDB no que diz respeito à política de medicamentos, com exceção da farmácia popular, reconhece os avanços do mistério da saúde, diz concordar com a atual política, fala da necessidade de uma “proximidade”, de um “acompanhamento” (não muito claro) das regras de mercado do setor e chega até a admitir que em alguns casos o estatal tem que assumir algumas funções de produção: “Tanto a fabricação como a comercialização de remédios, com supervisão de sua qualidade e preço, devem ser acompanhadas de perto pelo Estado” (...) recomenda que o poder público possa fazer até uma “intervenção direta nesse ramo da economia, recorrendo inclusive à ampliação dos laboratórios estatais destinados à produção de medicamentos”; quem diria, ver assim os neoliberais na defensiva?
O Programa do PT defende a Farmácia Popular, a ampliação dos investimentos nos laboratórios públicos, no desenvolvimento tecnológico para produzir outros medicamentos, diversos insumos como vacinas e hemoderivados, etc. Em um trecho aponta: “fomentar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e industrial sustentável, para a auto-suficiência na produção de matéria-prima, de hemoderivados, vacinas, medicamentos e equipamentos, e a melhoria de diagnósticos e tratamentos para a redução de agravos”.
Por fim, em diversas manifestações e também no programa do “médico que entende de saúde”, candidato do PSDB à presidência, é defendido o sistema dispendioso, ultrapassado, temporário, ineficiente e ineficaz, que não garante o acesso universal e o cuidado da população: as velhas e superadas campanhas e mutirões de saúde. Pior, o faz com um viés discriminatório: disse que no Nordeste esta seria a melhor solução.
O atual governo desautorizou as campanhas por considerá-las uma péssima política. Por quê? Vamos analisar dois casos para exemplificar: catarata e hérnia. Ao contrário de você garantir a toda a população um serviço permanente que opere hérnia e catarata, em que a população pode acessar ou ser identificada pelas equipes de saúde, consultar, agendar, fazer a cirurgia e ser acompanhada posteriormente, você organiza um serviço temporário, tenta identificar as pessoas que der às pressas, contrata um monte de serviços (normalmente privados) e pessoas para realizar as cirurgias com capacidade de acompanhamento questionável. A justificativa de quem defende as campanhas: é a única solução para onde não há serviços permanentes. Uma das razões (não a única) é oculta: certos acordos com segmentos privados que, de tempos em tempos oferecem serviço concentrado com alta rentabilidade ao SUS e o grande uso eleitoral das campanhas com todo o gasto de marketing e efeito no imaginário da população, notícia para encher os jornais. A solução do governo Lula foi: desenvolver serviços permanentes (que estejam todo o tempo disponível ao usuário- um direito, portanto, e não uma doação de certos políticos) e integrados com toda a rede de atenção básica (para garantir educação e orientação em saúde, identificação permanente dos casos, acompanhamento e cuidado continuado, etc). Os Centros de especialidades propostos e apoiados pelo atual governo, são os serviços que, articulados à rede básica, concretizam esta opção.
MAIS ALGUNS ELEMENTOS IMPORTANTES PARA FINALIZAR O DEBATE
Daqui pra frente, só pontuarei alguns elementos importantes que não foram pontuados acima por não estarem enfatizados ou mesmo presentes no programa de governo escrito de nenhum dos dois partidos. Aqui mais do que nunca os vários dados presente no anexo são importantes.
Como foi dito acima, a direita vê a Atenção Básica como uma certa cesta básica de saúde para a população excluída do mercado de compra de serviços de saúde. O PSDB vê então como uma política focalizada e compensatória. Um projeto visto deste modo tem limites orçamentários claros. Sua qualidade e abrangência deve ser compatível com esta visão e não deve invadir espaços apropriados pelo mercado ou passíveis de apropriação. O governo do PT pensou a política efetivamente como política de estado de caráter universal. Para isso buscou ampliar os recursos (orçamento para atendimento no SUS cresceu de 28 bilhões para 44 bi de 2002 até hoje), embora ainda muito aquém da necessidade de nosso povo graças ao limites colocados por essa política econômica.
Atuou de modo inovador e equânime no sentido de reduzir as diferenças regionais e populacionais. Assim os municípios menores foram apoiados de modo específico, foi proposta uma política específica para populações rurais, assentadas e quilombolas (público que estava sem atenção à saúde). Tivemos aumentos significativos do Piso da Atenção Básica (PAB) fixo e móvel, repassados aos municípios com diferenciações relativas ao IDH, tamanho do município, presença de populações assentadas e/ou quilombolas, investimento na formação de profissionais orientados para as necessidades de saúde através de programas de formação pós-graduanda em serviço. No PSDB não tínhamos nada disso além de ter um congelamento do PAB desde seu nascimento (na verdade um mecanismo de transferência silenciosa do gasto para o município). Assim foi ampliada a cobertura populacional da atenção básica em 34% e o número de equipes da saúde da família em 56%.
Diferente no governo Lula é também a ênfase na política de saúde do trabalhador. Carro chefe na reforma sanitária italiana conduzida pelo PCI, esta área de atuação da saúde pública orientada e defensora dos direitos à saúde dos trabalhadores luta contra às condições de trabalho adoecedoras decorrentes de medidas que visam maximizar o lucro e a exploração do trabalho a despeito da saúde das pessoas. Uma dor de cabeça para o capital. Uma defesa necessária deste governo da saúde dos trabalhadores num país onde há um déficit histórico importante neste aspecto, em que pese toda a legislação que na prática em grande parte não se concretiza.
Por fim, quero salientar quatro aspectos que onde este governo atuou de modo inovador e coerente com o movimento sanitário e com a esquerda socialista mas que não tem impacto na opinião pública, embora importantes efeitos na saúde das pessoas.
1- A construção de políticas públicas com grande estímulo e espaço para a participação social. Este princípio-prática é orientado por uma lógica que entende que se uma política é apensa sustentada pelo Estado, ou seja, se não é produto de construção coletiva com os setores sociais envolvidos, se não é legitimada por estes setores, se eles não lutam e defendem estas políticas, suas condições de sustentabilidade são pequenas quando da mudança de um governo. Ou seja, só a mobilização de força social é que junto com a força governamental pode transformar e sustentar uma política de governo transformando-a numa política de Estado. Assim, diversos setores sociais e populares foram convocados e apoiados para inteirar, debater, discutir e tomar partido frente a agenda de saúde apresentada pelo Ministério ao país, foi assim com o movimento popular da cidade, do campo e da floresta, com as diversas ong’s, com organizações comunitárias, com o movimento estudantil e de trabalhadores, com as universidades e órgãos de pesquisa, etc. Nos diversos setores do Ministério da Saúde esta orientação foi produzida e concretizada através de múltiplos canais com estes setores sociais e, de modo mais global, através da Secretaria de Gestão Participativa criada neste governo. Junto a isso, como foi dito, se valorizou e respeitou os espaços previstos de controle social e se realizou a XII Conferência Nacional de Saúde ainda em 2003, além de várias conferências temáticas. Isso foi marco da gestão deste ministério e um importante capítulo na construção das políticas públicas no Brasil.
2- Foi outra a relação estabelecida entre as esferas Federal, Estadual e Municipal. Valorizou-se a colaboração e solidariedade entre os entes federados superando a postura centralizadora e autoritária do governo anterior que atentava contra a diretriz do SUS de descentralização. O Pacto de Gestão é uma concretização de um novo modo de se fazer a gestão nacional do SUS, de modo público, equânime, solidário e democrático.
3- Todo o investimento nos trabalhadores de saúde seja no que diz respeito aos esforços para a construção de uma carreira pública com câmaras e mesas de negociação do trabalho até as inovadoras iniciativas de Gestão da Educação na Saúde em que o SUS finalmente assumiu a importante responsabilidade de educação permanente dos trabalhadores de saúde numa perspectiva coerente com os princípios e a luta da reforma sanitária brasileira, ou seja, com uma orientação democrática, pública, construtora de autonomia e comprometida com a defesa da vida e com as necessidades de saúde da população. Também através da Secretaria de Gestão da Educação e do Trabalho na Saúde, criada neste governo, é que se produziu uma outra relação com o MEC buscando tirar o atraso e descompasso entre a formação dos profissionais de saúde e as necessidades do SUS e da população, seja no âmbito da graduação ou pós-graduação.
4- A política de desprecarização do trabalho, depois de vários anos de precarização operadas pelos 8 anos de governo FHC (coerente com sua concepção de terceirização neoliberal e estado mínimo), foi outra importante ação deste governo, com destaque para: os concursos públicos que buscaram recuperar a capacidade do Estado de fazer políticas públicas (a despeito do que diz a imprensa, o número de cargos comissionados se manteve proporcionalmente o mesmo); para as negociações desenvolvidas a fim que os municípios e estados fizessem o mesmo; e o importante processo de formação e de profissionalização dos milhares de agentes comunitários de saúde, até então utilizados como mão de obra desqualificada e margem de manobra político-eleitoral pelos diversos prefeitos.
Fico por aqui...
Hêider A. Pinto
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