junho 30, 2014

"Seis críticas ao marxismo a que Marx aderiria", por Bruno Cava Rodrigues

PICICA: "“Tudo que sei é que não sou marxista”, pronunciada em 1879, com certeza hoje Marx manteria essa frase, diante de tanto marxista de gabinete, de estado, de salão, de butique, de cátedra, apaixonados pelo poder ou filiados à hegemonia, burocráticos, academicistas, tantos marxismos em compota, patrulhas marxológicas e marxímetros acadêmicos.

Depois de 150 anos de lutas, revoluções e infinitos volumes de teoria e debate, Marx insiste em fazer-se presente, apesar das ortodoxias. Estou falando de um Marx minoritário, um Marx das lutas, anticapitalista e antiestado, Marx da transição comunista, do perspectivismo da história, da luta de classe. Um Marx renovado que adere tranquilamente à crítica de um marxismo 1) economicista, 2) dicotômico, 3) utópico, 4) teleológico, 5) estatista, e 6) antropocêntrico." 

Seis críticas ao marxismo a que Marx aderiria
Marx



“Tudo que sei é que não sou marxista”, pronunciada em 1879, com certeza hoje Marx manteria essa frase, diante de tanto marxista de gabinete, de estado, de salão, de butique, de cátedra, apaixonados pelo poder ou filiados à hegemonia, burocráticos, academicistas, tantos marxismos em compota, patrulhas marxológicas e marxímetros acadêmicos.

Depois de 150 anos de lutas, revoluções e infinitos volumes de teoria e debate, Marx insiste em fazer-se presente, apesar das ortodoxias. Estou falando de um Marx minoritário, um Marx das lutas, anticapitalista e antiestado, Marx da transição comunista, do perspectivismo da história, da luta de classe. Um Marx renovado que adere tranquilamente à crítica de um marxismo 1) economicista, 2) dicotômico, 3) utópico, 4) teleológico, 5) estatista, e 6) antropocêntrico.

Abaixo, tento resumir pelo menos essas seis:

1) Economicista: “O Capital” é um livro escrito em polêmica aberta contra os economistas clássicos liberais e suas “leis econômicas” próprias, contra a ideia que a economia fosse ciência autônoma. Nele, Marx vai não só desmascarar os economicismos que costumam separar o mercado do estado, como dois polos opostos (Marx demonstra que são integrados e funcionais um ao outro), que sustentem uma “mão invisível” quase divina dos mercados, ou que pressuponham o homem burguês como protótipo do agente racional, calculador e autointeressado, isto é, o indivíduo econômico; como nessa obra Marx também vai subverter as teorias economicistas que tentam quantificar o valor de troca (operando a passagem da qualidade à quantidade), determinar alguma equivalência entre trabalho e salário (para Marx, não há medida justa da exploração!); ou reduzir o dinheiro a equivalente geral e neutro, ou seja, visto apenas como meio de pagamento, e não como relação criativa de poder, como crédito.

2) Dicotômico: em Marx, não dá pra falar em dois grupos pré-constituídos, duas camadas sociais, disputando o protagonismo da história. Isso seria a sociedade feudalista, que se divida por estamentos bem definidos. Na sociedade capitalista, muda a ideia de classe. Porque não existe simetria, proletariado e burguesia são dois termos incomparáveis, que não podem existir no mesmo plano. O trabalhador não precisa do capitalista pra existir, mas o capitalista precisa do trabalhador. Na sociedade capitalista, quando se dá o conflito, não se opõem dois grupos sociais. Opõem-se, sim, a sociedade capitalista e aqueles que, lutando, lutam pela abolição da sociedade capitalista. Tem-se, em Marx, como lido por exemplo por E. P. Thompson, um sujeito que se constitui libertando-se do outro grupo a que também pertence. O proletariado é a luta que se liberta da burguesia, que a destrói, destruindo a si próprio como um polo dessa relação. A luta de classe não opõe, assim, duas classes, mas constitui uma única: o proletariado, que não existe senão na luta. Isso não é dicotomia (dois lados num Fla-Flu), mas conflito na imanência, luta por libertação por si mesmo, por sua afirmação como liberdade diante do capital. É muito diferente.

3) Utópico: nenhuma análise faz sentido apenas como interpretação do mundo, sem um movimento real de lutas, em que, em primeiro lugar, essa análise possa colaborar para a transformação do mundo. Marx não fazia hipóteses, mas apostas políticas, mais ou menos implicadas nos grupos com quem pesquisava táticas e estratégias de ação. Sem sujeitos que, precária e fragmentariamente, encarnem as premissas das análises e suas linhas de desdobramento, elas não fazem sentido, se tornam opacas, bizantinas, porque impotentes, tendem a não passar de paralogismos com pendores estetizantes, para fruição pessoal mas nenhuma pungência. Marx não esculpia porcelanas teóricas, mas ferramentas de luta, armas críticas que pudessem ser usadas.

4) Teleológico: no prefácio do “Capital”, já está colocado o desafio de virar a dialética aérea de Hegel de ponta cabeça, colocando-a com os pés no chão. O esforço de Marx será por desmontar qualquer sentido da história dado, qualquer seta em direção a um irrefreável progresso, qualquer etapismo em direção a algum futuro glorioso da humanidade, do estado, do poder. Nada disso. Tudo pode dar errado, tudo pode ser revertido, desviado, multiplicado, estratificado em níveis inarticuláveis. Contrapondo-se ao séquito hegeliano à esquerda, Marx não vê nenhuma tendência natural ao bem no homem, nada a defender dalguma natureza humana, nenhum otimismo antropológico. E tampouco qualquer pessimismo determinista, como se o Mal fosse abolir-se pelas próprias falhas. Nenhuma teodiceia ao Céu nem ao Inferno. As contradições do capitalismo não vão derrubá-lo por si próprias; não vão sequer acelerar a sua derrubada. Pelo contrário. O desenvolvimento do capital procede aproveitando as contradições, provocando crises, engendrando ansiedades, que ao fim e ao cabo são recuperadas para fortalecer sua dominação, o estado e o mercado que se reestruturam pela via da destruição criativa. Dialético e mefistofélico é o capital. Hegel é seu filósofo. Produtivista é o capital, ao enquadrar a multiplicidade das potências produtivas em valor econômico, dissolução das relações sociais dissidentes, e homogeneização daquelas pacificadas e voluntariamente servis. As lutas ou são antidialéticas, ou serão facilmente recuperadas. A luta de classe está orientada pela abolição da dialética entre capital e trabalho, entre crise e reestruturação, entre estado/público e mercado/privado. O comunismo é a dialética destruída: o momento em que a história se liberta da História, quando os sentidos escapam da dialética capitalista e se esgarçam à plenitude. Isso não é o fim da história, mas seu eterno recomeço, seu kairós: é a revolução, como em W. Benjamin.

5) Estatista: sem dúvida o maior golpe ao pensamento de Marx é torná-lo um pensamento do estado, para o estado, a partir do estado. A maior derrota do marxismo talvez seja a possibilidade de falarmos em algo como um marxista-hegeliano. Tornar a categoria do estado um alfa e ômega do marxismo congela a ontologia constituinte de Marx, seu caráter essencialmente antiestado, como aquilo que revoluciona a ordem das coisas. Se Marx polemizou com os teóricos anarquistas de seu tempo, não foi porque eles eram contra o estado. Foi porque não eram contra o estado o suficiente. Não eram radicais o suficiente, ao limitar o estado à autoridade, à lei estatal, ao aparelho coercitivo, deixando de lado a estrutura metafísica que condiciona a existência do indivíduo, da sociedade e da economia no capitalismo, que também são estado. Sem entrar no mérito desses embates (particularmente vejo alguns pontos específicos em que fecharia com Bakunin e, em menos pontos, Proudhon), Marx nunca flertou com a ideia de estado como resolução de quaisquer dos problemas do comunismo. Nem mesmo na “ditadura do proletariado”, a muito incompreendida proposta de radicalização da democracia operária.

6) Antropocêntrico: outra enorme lorota sobre Marx, especialmente nas elaborações posteriores, mas não só. Já em “Questão judaica”, livro de juventude, Marx polemiza com os hegelianos de esquerda contra o humanismo secular (onde se inscrevem muitos ateísmos modernos), mostrando que há muito de teologia política nas ideias perfeitamente laicas de estado, poder público e emancipação humana. Também na Seção 4 do Cap. 1, do “Capital”, em que a crítica do fetichismo sugere um aspecto mágico do trabalho vivo, na força demoníaca do fetichismo revolucionário (tão bem reapropriado pelo cinema de um Glauber Rocha). Mas o maior golpe à modernidade antropocêntrica está mesmo no “Fragmento sobre as máquinas”, um libelo anti-humanista em que Marx vai teorizar sobre a fábrica como coletivo maquínico de humanos e não-humanos, e sobre a relevância em organizar-se na ação política a partir desses novos arranjos híbridos da revolução industrial, porque imensamente potentes e produtivos também para a revolução. No mesmo texto, Marx mostra uma tendência de generalização do maquínico pelo tecido social, quando a fábrica vira “fábrica social” e as forças produtivas imediatamente difusas pelo “General Intellect”. Desses delírios febris há 150 anos, brotará a virada maquinocêntrica do marxismo, como em Gilles Deleuze e Felix Guattari (em “Anti-Édipo” e “Mil Platôs”), ou Antonio Negri (em “Marx além de Marx”).
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Hoje, Marx certamente não se diria marxista, mas não há motivo para nostalgia. Nem tempo para tornar-se paleomarxista atrás de algum elo perdido do marxismo original, como fazem alguns que preferem chamar-se “marxianos”. Nunca quis ser puro sangue. Eu acho que é preciso sujar as mãos e falar marxismo, e disputar marxismo, e defender e atacar o marxismo. Marxismo de Marx, marxismo insubmisso, marxismo selvagem.

Talvez Marx, que também era contra marxistas, hoje, brincasse que os críticos ao marxismo descrito acima, muitas vezes com ar superior, debochados, como se falassem de algo ultrapassado e vulgar; no fundo, esses críticos é que estão agora aderindo, e assim, insuspeitadamente, um século depois, renovam e reativam a sua força teórica, através das entrelinhas recalcadas de seus desvirtuadores.

Fonte: Quadrado dos Loucos

"Escola de Samba Liberdade ainda que Tam Tam - ´Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir´" (Manifestação de 2013)

PICICA: "Resistir para afirmar a autonomia."


Liberdade ainda que Tam Tam




Resistência é o tema acolhido para afirmar a nossa importância, a nossa humanidade e nossa liberdade. Resistir para afirmar a autonomia. Apresentamos aqui os dois mil e treze motivos para aceitar o irresistível convite ao Dezoito de Maio, nosso “louco encanto”.

“Por uma sociedade sem manicômios” é o sonho no horizonte que nos faz caminhar na construção cotidiana da utopia em seus 26 anos de prática e vivências. Reinventar a existência para interditar a produção da morte manicomial significa resistir ao conservadorismo e à mercantilizarão da vida. Viver a arte com outros fazeres para “reflorestar os desertos do mundo e da alma”.

Outras informações: antimanicomialbh.blogspot.com.br

Fonte: Vimeo

"Foucault" (Razão Inadequada)

Foucault

michel-foucault-martine-frank

Nascido em Poitiers (França) em 15 de outubro de 1926, Michel Foucault é uma das grandes potências do século XX em termos de pensamento. Filho de pais médicos, não cede à pressão familiar e estuda  para ingressar na École Normale, onde se interessa por filosofia e história. Era um estudante tímido e solitário, conhecido por suas piadas irônicas. Licenciou-se em filosofia na Sorbonne e depois cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. Poucos anos depois, já lecionava em diversas universidades pela europa, ja havia escrito para diversos jornais e trabalhado em instituições psiquiátricas e prisionais, além de participar ativamente da cena intelectual francesa ao lado de Gilles Deleuze, Jean-Paul Sartre, Merleau-Ponty, Lacan…

Aos 35 anos publicou a sua tese de doutorado com o nome de “História da loucura”, que ao lado de “Nascimento da Clínica” figuram as primeiras obras do pensador. Nestes livros, Foucault exerce uma crítica bastante violenta às práticas psicológicas e questiona o conceito de loucura levantando uma tese que inaugura por assim dizer o que ele chama de arqueologia das ciências humanas: não há relações de poder sem a constituição correlata de um campo de saber, nem há saber que não suponha e constitua, ao mesmo tempo, relações de poder.

Apropriando-se do estruturalismo, especialmente de Levi-Strauss, Foucault põe em marcha essa arqueologia em mais dois livros: As palavras e as coisas (68) e Arqueologia do saber (69). Seu esforço é de mostrar na história as descontinuidades e rupturas dos discursos para que, dessa forma, possamos ter uma perspectiva clara de como se deu a constituição de um campo de saber que se institui como poder.

Em 1970, após alguns anos como coordenador de um curso de filosofia na Tunísia, Foucault é convidado a dar aulas no college de France. Sua conferência inaugural é um marco, considerado por alguns como um divisor de águas na obra do filósofo. Nesta nova etapa, Foucault se distancia do estruturalismo e abandona parte do projeto Arqueológico, voltando-se para um projeto chamado Genealógico. Qualquer semelhança com Nietzsche não é coincidência, os livros Vigiar e Punir (1975) e o projeto inconcluído de uma História da Sexualidade (dos 6 volumes planejados apenas 3 foram escritos) se usam da ideia nietzscheana de uma historiografia da vontade de poder. Os artigos organizados por Roberto Machado no célebre “Microfísica do poder” datam desta época. O ponto aqui é desvelar as práticas capazes de criar discursos de verdade, que são então usadas como técnicas de dominação. Trata-se de estudar o poder em seu campo da dominação e de sujeição, atuando nos indivúos.

Os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco, cidade que proporcionou a ele a vida que desejava. Seu libertarismo com relação à sexualidade e as relações em geral chocaram a sociedade americana de então. É desta última fase os dois volumes da História da Sexualidade, dedicados aos Gregos e Romanos, onde aparece ainda um grande tema da filosofia foucaultiana, a saber, do cuidado de si.

Esta última fase torna-se importante por contribuir com as lutas por resistência. A busca por criatividade nas lutas, não porque o ser humano não é livre, mas exatamente por causa de sua liberdade. Esta última fase trata da “história do presente”, uma busca por caminhos novos para a subjetividade, resultado de um processo inventivo e criativo de resistência às técnicas de dominação e normatização. Produzir novos estilos de vida é um trabalho contínuo de subjetivação, um campo de tensões aberto para às lutas.

No dia 2 de junho de 1984, Foucault teve complicações por conta da AIDS, e foi internado. No hospital, recebeu visitas de grandes amigos, inclusive Deleuze, e teve uma leve melhora. Mas, devido às complicações, os antibióticos não foram capazes de conter a infecção no cérebro. Foucault morreu aos 57 anos em Paris, no dia 25 de junho de 1984. O jornal Le Monde anunciou sua morte na primeira página do jornal e Deleuze leu um trecho da introdução de “Uso dos Prazeres” em seu funeral.

A vida de Foucault é cheia de anedotas e fofocas, por isso, incluímos aqui uma concisa Biografia Inadequada:

Quando criança Foucault era um ciclista entusiasmado e adorava jogar tênis. Já era sexualmente ativo ao final de sua adoelscência, mas guardava segredo quanto à sua orientação homossexual, por ter medo de sua carreira ser arruinada por escândalos sexuais. Tinha o apelido de “Fuchs” (Raposa, em francês), por conta de sua grande inteligência e seu corpo esguio. Com 24 anos, ingressou no Partido Comunista Francês, mas não costumava ir às reuniões. Cozinhava muito bem e também bebia bastante. Gostava de dirigir seu Jaguar marrom em alta velocidade pelas ruas de Paris. Foucault amou lecionar nos Estados Unidos, lá pode experimentar vários novos tipos de drogas, além de frequentar clubes de sadomasoquismo e saunas gays. Quando morreu, o filósofo deixou o quarto volume da série “História da Sexualidade”, cujo sub-título é “As Confissões da Carne”, para ser publicado postumamente, ainda estamos esperando.

"El consumo no evita la queja. Entrevista a Eduardo Viveiros de Castro", por Verónica Gago y Mario Santucho

PICICA: "El antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro estuvo recientemente –y por primera vez– en Buenos Aires. Participó del seminario “La bolsa o la vida. Modelos de desarrollo, nuevas conflictividades sociales y derechos humanos”, organizado por la Biblioteca Nacional y presentó el libro La mirada del jaguar. Una introducción al perspectivismo amerindio (Tinta Limón), que compila una serie de entrevistas donde cuenta su trayectoria como investigador. O mejor dicho, su experiencia fugitiva: cómo se conectó con los indios para huir de Brasil. “Fui a estudiar a los indios porque los indios justamente no eran brasileños. Me interesaba su total incompetencia ciudadana. La pregunta era ¿cómo salir de Brasil?, en el sentido de evitar esa problemática teórica de la nacionalidad, el destino de Brasil como nación, el carácter nacional”. La incorrección política que planteaba esa posición en los años 70 no deja de ser actual y sigue generando polémica. En esta conversación Viveiros de Castro cuenta cómo se vivieron las recientes movilizaciones callejeras y lo que se espera para este 2014 que luego del Mundial, afronta las elecciones presidenciales."

por Verónica Gago y Mario Santucho



El antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro estuvo recientemente –y por primera vez– en Buenos Aires. Participó del seminario “La bolsa o la vida. Modelos de desarrollo, nuevas conflictividades sociales y derechos humanos”, organizado por la Biblioteca Nacional y presentó el libro La mirada del jaguar. Una introducción al perspectivismo amerindio (Tinta Limón), que compila una serie de entrevistas donde cuenta su trayectoria como investigador. O mejor dicho, su experiencia fugitiva: cómo se conectó con los indios para huir de Brasil. “Fui a estudiar a los indios porque los indios justamente no eran brasileños. Me interesaba su total incompetencia ciudadana. La pregunta era ¿cómo salir de Brasil?, en el sentido de evitar esa problemática teórica de la nacionalidad, el destino de Brasil como nación, el carácter nacional”. La incorrección política que planteaba esa posición en los años 70 no deja de ser actual y sigue generando polémica. En esta conversación Viveiros de Castro cuenta cómo se vivieron las recientes movilizaciones callejeras y lo que se espera para este 2014 que luego del Mundial, afronta las elecciones presidenciales.

–La consigna que circuló en estos meses era sintética pero directa “No habrá copa” ¿Qué concentra esa frase?


–Para el pueblo la imagen es que el gobierno se vendió a la FIFA. La sensación es que la FIFA ha logrado que se instale un micro-estado de excepción que entrará en vigor incluso antes del campeonato. Hay una indignación patriótica por el modo en que Brasil se ha sometido a esa mega máquina de explotación capitalista que es la FIFA en tanto reduce el fútbol a un puro negocio. En Río, muchas favelas fueron removidas para hacer obras para el mundial, también por cuestiones de “seguridad”. Todo eso sucede al mismo tiempo de la propaganda de que Brasil es la nueva potencia económica mundial, con obras de infraestructura enormes, que incluye el desmonte de la Amazonía, hechas por las cinco constructoras más grandes del país que son las que contribuyen históricamente a financiar las campañas de todos los partidos, sean de derecha o de izquierda.


–¿Cómo caracterizaría esas manifestaciones?


–Son bastante inéditas. Hubo partidos de izquierda pero sin ningún control sobre la movilización. Los partidos de derecha no van. Y toda vez que un periodista de la red O Globo se acerca es expulsado, por eso estas manifestaciones son fuertemente atacadas por la prensa. Han producido su propia prensa, que se llama Midia Ninja. No hay además un solo tema. Aunque podría decirse que existen dos cuestiones fundamentales. El problema de la movilidad urbana de la población obrera de San Pablo que vive en las periferias de la ciudad y tiene que viajar horas, lo cual supone un reclamo por el tiempo que lleva ir de las casas al trabajo, una reivindicación del tiempo libre. La segunda es contra la reacción represiva de la policía frente a las marchas, ante lo cual muchos jóvenes se indignaron.



–¿Esto está en el origen de la formación de los black bloc (grupos de protesta)?



–La práctica del black bloc, especialmente en Río, tiene que ver con la respuesta al accionar de la policía militar con la que cuenta cada Estado provincial, que es como un ejército privado y una herencia del imperio. Es una policía que usa armas pesadas y entrenada para la guerra. El gobierno es acusado de complicidad con esta violencia de los Estados provinciales. Dilma ha dicho por tv que está en contra de toda manifestación que ponga en peligro el orden público. Estas palabras, viniendo de una mujer que estuvo en la guerrilla, que dijo haber sido revolucionaria, orientan el discurso del PT hacia una retórica de orden propia de una derecha más clásica.



–Las movilizaciones en Brasil, a diferencia de las últimas en Europa o EE.UU., no se dan en un momento de crisis o ajuste. Más bien lo contrario: es claramente un momento de desarrollo en términos de inclusión masiva al consumo. ¿Cómo lo interpreta?



–Hay algo muy complejo vinculado al llamado crecimiento. Una gran parte de este aumento de los ingresos por medio de beneficios sociales como el de “Bolsa Familia” ha sido utilizado como método de endeudamiento para los jóvenes pobres. El prototipo podríamos describirlo como un joven de 22 años, sin educación formal, que trabaja de cadete, cuya familia recibe ahora estos subsidios, además de las posibilidades de acceso al microcrédito que el gobierno implementó. ¿Y qué es lo primero que hace este joven? Compra una moto y se endeuda por muchísimos años de su vida con un préstamo muy oneroso con los bancos. Parte fundamental del crecimiento es por este endeudamiento general de las clases populares, especialmente con electrodomésticos. Y no está mal que alguien que no tenía heladera pase a tenerla, todo lo contrario. El problema es que no pasan a tener la heladera sino a ser tenidos por ella, es decir, por la deuda a la que quedan obligados, casi siempre por medio de tarjetas de crédito. En la medida en que ciertos gobiernos de la región se diferencian de las políticas neoliberales tal como se dieron durante los años 90 y promueven un aumento general del consumo, se genera un consenso sobre la legitimidad de estos modelos y cualquier crítica se la clasifica como proveniente de la derecha. En Brasil los que argumentan así son los que llamamos “gobernistas”, es decir, la gente de la antigua izquierda que apoya al gobierno más allá de la medida que se trate porque siempre dicen “otro gobierno sería mucho peor”. Comparado con la Argentina, en Brasil resulta más complicado porque la dictadura no terminó, los militares no han sido juzgados y siguen diciendo públicamente que salvaron al país del comunismo. Y esto, me parece, funciona en acuerdo con el PT: los militares “toleran” que el actual gobierno “de izquierda” gobierne y el gobierno “tolera” que los militares sigan diciendo lo que dicen y no se los juzgue.



–Volviendo a la cuestión del consumo, ¿no cree que cierta crítica al consumo debería plantearse el desafío de deshacerse de toda carga moral?



–Me parece que la democratización en América Latina no llega por el consumo sino por la ampliación de servicios del Estado: salud, transporte, educación. Lo que pasa en Brasil es que el consumo ha sustituido esa provisión de servicios para las clases populares. Entonces, las clases populares en vez de tener más y mejores servicios tienen su crédito para comprar bienes producidos por el gran capital, sea su motocicleta o su heladera. La cuestión es qué resulta más importante: ¿que el gobierno invierta en cloacas, puestos de salud y escuelas o que invierta en liberar de impuestos la compra de autos baratos para que los pobres puedan tener un auto? Se podría responder “las dos cosas” y es una buena cuestión. El hecho a subrayar es que el gobierno brasileño ha invertido masivamente en el consumo mediante el crédito. Y el pedido de mejoramiento de servicios públicos es justamente uno de los reclamos del Movimiento de Passe Livre que inició la ola de manifestaciones. La verdadera inclusión pasa por la inclusión en el acceso a servicios que el Estado tiene la obligación de proveer a todos. Además creo que hay dos tipos diferentes de consumo que hay que distinguir.



–¿Cuáles?


–Por un lado, el consumo de quienes no tenían nada y ahora pueden comprar su tv o su heladera. Nadie puede oponerse. De todas maneras, eso no los convierte en clase media, como dice el gobierno. Pasan de ser pobres a un poco menos pobres. Y después está el consumo inmenso de una clase media-media que pasa a ser una clase media-alta y protagoniza un ascenso de clase verdaderamente consumista: es la gente que va a Miami o a Buenos Aires para llenar valijas con productos importados de marcas de lujo. Esta gente se multiplicó tanto o más que los pobres que acceden a un crédito.



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- Booktrailer de La Mirada del Jaguar:

Fonte: Lobo suelto!

"FOTOGRAFIA PARRÊSIA E POÉTICAPOLÍTICA DOS VAGALUMES (trecho)", por Barbara Szaniecki

PICICA: "Desde ano passado venho acompanhando o trabalho de Katja Schilirò cuja fotografia é orientada para situações de conflito e de genocídio. Também acompanho com admiração a produção de midialivristas autônomos que, sem laços com partidos ou empresas (sejam as tradicionais, sejam aquelas que adotaram a forma de rede), tem registrado desde 2013 os movimentos de protestos pelas ruas das cidades brasileiras. Registros que, pela hostilidade da polícia militarizada, exigem uma boa dose de CORAGEM. Registros que, por conta da parcialidade da mídia monopolizada, insistem em apresentar outros lados da VERDADE. É por essa persistência em enfrentar a polícia militar e desmentir a mídia monopolizada que venho acompanhando esse trabalho, sem cessar de pensar que há nele algo daquilo que Foucault chamava de "coragem da verdade" ou "dizer-verdadeiro" para então considerar essa prática fotográfica contemporânea, como um "registrar-verdadeiro", isto é, como uma fotografia parrêsia: muito longe de uma pretensa “objetividade” sobre os fatos tal como a grande mídia costuma nos apresentar seu discurso jornalístico e visual, a fotografia parrêsia está ancorada no corpo, simultaneamente numa experiência individual e num modo de vida coletivo. Ao mesmo tempo em que pensava nesse tipo de prática fotográfica parresiástica, totalmente inspirada no livro A Coragem da Verdade de Michel Foucault, as imagens produzidas por Katja me levaram ao livro Sobrevivência dos Vagalumes, de Georges Didi-Hubermann. Nele, recortei três temas que, embora distinguíveis, se entrelaçam continuamente: a noção de sobrevivência em seu sentido mais potente, a questão do tempo no método arqueológico, e a análise da imagem na sua poética política."


FOTOGRAFIA PARRÊSIA E POÉTICAPOLÍTICA DOS VAGALUMES (trecho). Para Katja Schilirò

Desde ano passado venho acompanhando o trabalho de Katja Schilirò cuja fotografia é orientada para situações de conflito e de genocídio. Também acompanho com admiração a produção de midialivristas autônomos que, sem laços com partidos ou empresas (sejam as tradicionais, sejam aquelas que adotaram a forma de rede), tem registrado desde 2013 os movimentos de protestos pelas ruas das cidades brasileiras. Registros que, pela hostilidade da polícia militarizada, exigem uma boa dose de CORAGEM. Registros que, por conta da parcialidade da mídia monopolizada, insistem em apresentar outros lados da VERDADE. É por essa persistência em enfrentar a polícia militar e desmentir a mídia monopolizada que venho acompanhando esse trabalho, sem cessar de pensar que há nele algo daquilo que Foucault chamava de "coragem da verdade" ou "dizer-verdadeiro" para então considerar essa prática fotográfica contemporânea, como um "registrar-verdadeiro", isto é, como uma fotografia parrêsia: muito longe de uma pretensa “objetividade” sobre os fatos tal como a grande mídia costuma nos apresentar seu discurso jornalístico e visual, a fotografia parrêsia está ancorada no corpo, simultaneamente numa experiência individual e num modo de vida coletivo. Ao mesmo tempo em que pensava nesse tipo de prática fotográfica parresiástica, totalmente inspirada no livro A Coragem da Verdade de Michel Foucault, as imagens produzidas por Katja me levaram ao livro Sobrevivência dos Vagalumes, de Georges Didi-Hubermann. Nele, recortei três temas que, embora distinguíveis, se entrelaçam continuamente: a noção de sobrevivência em seu sentido mais potente, a questão do tempo no método arqueológico, e a análise da imagem na sua poética política. Apresento aqui algumas imagens de Katja Schilirò. No meio de uma produção espetaculosa de imagens midiáticas – fotos de estádios de futebol tinindo de novos, de jogadores entre outros poderosos, de mulheres de plástica perfeita, de holofotes ofuscantes entre outras luminosidades que se apresentam como o único horizonte para a Nação –, surge uma poéticapolítica dos vagalumes...

Junho de 2013 começou com uma série de grandes manifestações de insatisfação com a gestão da cidade e ganhou um grande impulso com alguns fatos que suscitaram forte comoção pública e resistiram ao ritmo de consumo midiático: o desaparecimento do pedreiro Amarildo, morador da Rocinha, e a chacina de treze jovens da Maré. Nesta ocasião, o Projetação, coletivo nascido ele mesmo do encontro de alguns jovens nas ruas, projetou em vários cantos da cidade a imagem mais catalisadora do que sintética Amar é a Maré Amarildo que teve forte impacto no imaginário das manifestações. Amarildo desapareceu em 14 de julho de 2013. Em 14 de agosto foi realizado um ato para cobrar das autoridades, no caso o Secretário Estadual de Segurança, responsável pelas UPPs, uma resposta. Da Rocinha a Ipanema, a favela desceu. Sempre presente no imaginário de classe média carioca como o que de pior poderia lhe ocorrer, o ato transcorreu da forma inimaginável, tão pacífica quanto potente. A faixa “Abaixo o genocídio dos trabalhadores negros e negras. Fim da PM. Desmilitarização de todas as polícias. Fim das UPPs” dá o tom. Não se trata somente do desaparecimento de Amarildo, já suficientemente cruel em si mesmo, mas do “genocídio de Amarildos”. Iniciada a travessia do túnel Zuzu Angel – a foto de Stuart Angel, sorrindo em sua fragilidade de vagalume antes de ser brutalmente torturado e assassinado, me vem em mente, sobrevivente –, a multidão grita “Cadê o Amarildo?” Provavelmente muitos ali presentes ouvem ressoar ao longe “Cadê Stuart Angel?”, “Cadê Zuzu Angel?” Nos registros do povo ali reunido “sobrevivem” as resistências de Canudos, de Palmares, das lutas sob a ditadura dos militares. Rapazes dão, com a ponta do dedo, nos muros sujos pela poluição e pela história, o seu recado. Uma vez em Ipanema, a manifestação se transforma numa performance artística. Katja se equilibra na tarefa de não expor os rostos daqueles que, num clima de repressão ou de estigmatização social, não querem ser identificados (são fotografados de costas ou ao longe ou na escuridão ou...) e de expor os rostos que vêem, nessa exposição, uma forma de proteção. Há também quem registre com um celular o rosto e a fala do militar. Rostos se mostram ou se escondem enquanto, na ausência do corpo de Amarildo, outros corpos se jogam performaticamente ao chão. Meses depois, são as imagens desses vagalumes atravessando o túnel, – livres em sua travessia do morro ao asfalto, não apenas por inserção no mercado de trabalho e de consumo como, sobretudo, pelas lutas que assumiram – que sobrevivem em minha memória.

Ao contrário de certas expectativas, as manifestações não cessaram. Desde junho 2013, vagalumes desaparecem para logo reaparecer em outro lugar. Por todo Brasil, militantes e midialivristas lutam sob os holofotes da cidade espetacularizada. Porque ela, como Debord ontem ou Agamben hoje descrevem, de fato existe! mas a ela muitos resistem..

Em 11 de março deste ano de 2014, Katja postou esta foto no seu mural de facebook junto com um texto curto mas suficientemente longo para falar desse lugar que são as “ruas”, dos encontros e dos afetos que nela têm acontecido, das mudanças de subjetividade que têm provocado e das transformações na cidade que hoje soam possíveis:

“Este velho cavalheiro, que fala palavrão, que gesticula suas belas mão, sempre trêmulas, que nas ruas, acho que vive, se encontrou e viveu as manifestações, fez bons amigos. Que gentilmente me beija e se alegra quando lhe dou um beijo carinhoso nas bochechas (este é nosso maior segredo), me faz pensar na riqueza que encontrei nestes 3 anos de Ruas. Estranhamente estou numa crise com isso, exatamente neste momento, nesta semana, mês. O que faz eu estar me sentindo em casa, quando estou nas ruas e profundamente deslocada e estranha quando me encontro na rua Visconde de Pirajá, andando, com vitrines lindas para olhar? Essa mudança. essa crise é solitária e muitas vezes te afasta da balada, dos velhos amigos, do que você era e não consegue mais ser. Estranhamente sou mais feliz, mas ainda é confuso, estranho, solitário, perturbador. Eu o conheço como Presidente.”

Exatamente um mês depois, em 11 de abril, acontecia o violento despejo de famílias que estavam ocupando um terreno vazio há dois anos. O despejo ocorreu às 5 horas da manhã, com truculências (destruição dos pertences e uso de cassetete, spray de pimenta, bomba de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os moradores) e irregularidades (presença de aparato militar sem a presença de oficiais de justiça no local, e com detenções de crianças e adolescentes) que foram em seguida denunciadas à Relatora de Direito à Moradia Adequada da ONU. Para pressionar por uma solução, algumas famílias se dirigiram à Prefeitura do Rio de Janeiro no centro da cidade e deram início a um acampamento na passarela coberta da estação de metrô Cidade Nova. Mais uma vez expulsas pela policia, as famílias se instalaram ao relento no gramado. Dias depois, perseguidos pela chuva, se refugiaram sob a marquise de um prédio. Após ver fotos e uns posts no facebook decidi ir ao acampamento com amigos. Lá observei uma emocionante rede de solidariedade composta por militantes e midialivristas que havia organizado, com determinação e dedicação, a coleta e distribuição de itens de necessidade básica para a agora denominada Ocupa Oi-Telerj. E lá estava Katja. Me falou do seu cuidado em registrar esses momentos tão delicados de homens, mulheres e crianças e que não havia outra maneira senão experimentado essa fragilidade no compartilhamento de um pouco de sopa e de sono-insônia, entre doações e intimidações, dos dias e das noites cariocas. É dessa fotografia parrêsia que me parece nascer, sob as luzes de uma cidade que cedeu à ordem globalizada, uma poéticapolítica de vagalumes: fragmentos de rostos, detalhes de corpos, rastros de movimentos. Nos passos de Aby Warburg, tento compor um pequeno Atlas Mnemosyne com fotos de refugiados que a própria Katja selecionou em seu facebook ou com as imagens de refugiados realizadas por Laura Waddington no seu filme Border e que Georges Didi-Huberman mencionou em seu livro. Na madrugada de quinta-feira 17 de abril, os ocupantes da Oi-Telerj foram novamente acordados e expulsos pela policia. Depois de longa caminhada na madrugada, encontraram refúgio no estacionamento da Catedral Metropolitana no centro da cidade onde puderem ficar por 17 dias (até sábado 3 de maio) até serem removidos para um abrigo na Paróquia Nossa Senhora do Loreto na Ilha do Governador. Lá permanecem até hoje longe dos holofotes da mídia e provavelmente permanecerão até o apagar das luzes da Copa.

No Rio de Janeiro, a Semana Santa foi mesmo carregada. O horizonte fechado dos Apocalípticos parecia, de fato, ter se concretizado. Pouco dias depois da Via Crucis dos refugiados da Oi-Telerj, na terça-feira 22 de abril, o jovem dançarino Douglas Rafael Pereira conhecido como DG foi encontrado morto com marcas de tiro na comunidade do Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio de Janeiro. Revoltada, a comunidade desceu para protestar. Edílson da Silva dos Santos conhecido como Matheus, de 27 anos e portador de deficiência mental, também acabou sendo atingido e morto por um tiro no rosto. A comunidade, com o dedo em riste, acusou a UPP na comunidade e a PM no asfalto. A comunidade, de cabeça erguida, organizou o enterro de seus jovens como uma manifestação. Lá estão mais uma vez, as faixas: “Policia assassina. DG e Edilson: vítimas do Estado”. Lá está, mais uma vez a travessia, de um outro túnel desta vez, o que liga Copacabana a Botafogo. E lá estão, novamente, os vagalumes: tão frágeis de tão fortes, tão massacrados de tão sobreviventes. Amarildos, Douglas, Cláudias, DGs, Edilsons... E lá, enfim, está Katja para criar sua políticapoética: “Estas fotos estão propositalmente escuras, para resguardar os parentes e manifestantes”, avisa no seu facebook.

Partindo de Foucault, do “dizer-verdadeiro” que descreve em A coragem da verdade, levantei a hipótese de um “registrar-verdadeiro” por parte de fotógrafos e midialivristas que tem enfrentado forças policiais e interesses poderosos, visíveis e ocultos, para nos mostrar outras versões dos fatos. Muito além da suposta objetividade da grande mídia, o que me chamou a atenção no trabalho de Katja, em seus post e fotos expostas no facebook, foi sua adesão a um modo de vida para que pudesse fotografá-lo. Ao fazer da “rua” seu lugar e sua comunidade, fez da fotografia uma parrêsia. Uma vez apreendida sua prática, como qualificar a sua poética? Uma vez apreendido seu operar, como qualificar seu olhar? Tal como Marika (é uma referência do Didi-Hubermann que depois explico) desenhava borboletas, Katja fotografa vagalumes. Esses persistem como que atraídos pela luz no fim do túnel ainda que cientes que correm, literalmente, o risco de se queimar. Pois no Brasil, não há “estado de exceção” e sim “regra do genocídio”. Há, contudo, esses “momentos de exceção em que os seres humanos se tornam vagalumes – seres luminescentes, dançantes, erráticos, inapreensíveis e resistentes enquanto tais […]” (Didi Hubermann). Ignoram então o horizonte anunciados pelos apocalípticos – aqueles que, cegados por Cronos, não vêem Aion e Kairos, os acontecimentos e as oportunidades, e anunciam o tempo dos mortos, qual seja, o das eleições – e insistem na travessia, do morro ao asfalto, do túnel de São Conrado a Ipanema, de Copacabana a Botafogo. Seguem em frente, sobreviventes.

junho 29, 2014

"À Margem dos Trilhos" (Porta Curtas)

PICICA: " Uma reflexão sobre o tema da habitação social, a partir do trajeto feito pelo trem do forró que sai das proximidades das torres gêmeas, passa pelo cais José Estelita e cruza a ocupação da Vila Sul."


À Margem dos Trilhos 

Gênero: Documentário 

Diretor: Marcelo Pedroso, Pedro Severien 

Duração: 8 min     Ano: 2014

Formato:HD 

País: Brasil 

Local de Produção: PE 

Cor: Colorido 

Sinopse: Uma reflexão sobre o tema da habitação social, a partir do trajeto feito pelo trem do forró que sai das proximidades das torres gêmeas, passa pelo cais José Estelita e cruza a ocupação da Vila Sul.

"Em Trânsito" (Porta Curtas)

PICICA: " Elias, em trânsito. "


Em Trânsito

Assista ao filme, leia o roteiro, comente 2, publique, Ficção, de Marcelo Pedroso, Duração: 18 min, Plays 383
Gênero: Ficção
Diretor: Marcelo Pedroso
Elenco: Elias Santos da Silva
Duração: 18 min     Ano: 2013     Formato: Digital
País: Brasil     Local de Produção: PE
Cor: Colorido
Sinopse: Elias, em trânsito.

"A Copa contra o direito à cidade". Texto escrito por Lucas Faulhaber.

PICICA: "A população que no primeiro momento concedia um grande apoio para as transformações que estavam sendo impostas na cidade, enxergando a valorização do espaço urbano como um belo avanço frente a imagem consagrada de crise, se questiona fortemente quanto a quem interessa este processo. Enquanto o Rio de Janeiro vem sendo preparado com intervenções urbanísticas de grande porte para receber os megaeventos, os cidadãos estão percebendo que ao invés de beneficiários, estão sendo atacados por esse projeto. Os altos custos voltados para construção de equipamentos esportivos, ao mesmo tempo em que os serviços básicos estão sucateados, fazem ecoar nas ruas os gritos “queremos saúde e educação padrão FIFA”.

As grandes manifestações de junho de 2013 foram um despertar de que aquele projeto de cidade excludente não era nada consensual. Não estamos falando da insatisfação somente daquelas famílias que foram brutalmente expulsas para dar espaço ao mercado imobiliário, mas também daqueles que se veem sem condições de arcar com um custo de vida no Rio de Janeiro cada vez mais inviável. As camadas mais pobres, dentro ou fora das favelas, e até a classe média estão sofrendo com a gentrificação, embora a mídia insista em colocar como um fenômeno inerente ao progresso de qualquer cidade global.

Costuma-se afirmar que a cidade cresce de forma desordenada. No entanto, o que podemos perceber é que há uma forte articulação para a produção do espaço urbano do Rio de Janeiro. Apontando e espacializando a atuação do Estado em associação com os interesses do mercado, podemos desvelar quais são os instrumentos utilizados para o planejamento desta cidade neoliberal."

A Copa contra o direito à cidade



* Texto escrito por Lucas Faulhaber. Arquiteto e urbanista.

O Rio vem sendo o campeão em elevação de preços de imóveis no país nesta última década. O rápido processo de valorização imobiliária na cidade foi sustentado, sobretudo, pelas obras voltadas para o processo de reestruturação urbana em curso e pelas expectativas que envolvem um extenso calendário de eventos. As pesquisas e levantamentos mostram que o processo da produção capitalista do espaço no Rio de Janeiro ocorre em detrimento dos direitos dos cidadãos e como isso se acentua principalmente na gestão municipal de Eduardo Paes (2009-2014). Os que perdem suas casas para a valorização do território não usufruem destes supostos benefícios. Pelo contrário, são marginalizados diante da reorganização da ocupação e apropriação do espaço urbano.

A fim de resgatar a estratégia de outras épocas, agora o governo precisava argumentar que as novas remoções da Prefeitura deveriam ser distintas das remoções do passado, pois seriam realizadas com participação dos moradores e respeito aos seus direitos. O termo “remoções democráticas” é cunhado em junho de 2010, por Adilson Pires do PT, à época, líder do governo na câmara dos vereadores e atual vice-prefeito, para denominar o que seria essa prática municipal.

A quebra do “tabu”, com o auxílio indispensável da imprensa foi o que possibilitou um dos períodos mais violentos da história das remoções no Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2014, a Secretaria Municipal de Habitação (SMH), declarou que mais de 20 mil famílias (cerca de 70 mil pessoas) sofreram deslocamentos compulsórios desde 2009, ou seja, mais de dez casas por dia de governo. Isso sem contar aqueles imóveis em áreas formais atingidos pelas obras de intervenção urbana que foram alvo de desapropriação.

Como denunciado por diversos movimentos sociais, já foram removidas ou ameaçadas de remoção as favelas e ocupações de Vila Autódromo, Indiana, Horto, Metrô Mangueira, Providência, Vila Recreio II, Vila Harmonia, Quilombo das Guerreiras, Zumbi dos Palmares, dentre muitas outras comunidades.

A exposição da pobreza e sua associação à violência urbana fazem com que as favelas e seus habitantes representem um fragmento da cidade que deve ser combatido. Uma agressão ao meio ambiente e ao cenário carioca e ao mesmo tempo um empecilho para valorização e progresso desta sociedade. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) são colocadas neste enredo como propulsoras destas transformações voltadas para o mercado. Através da ação repressora e disciplinadora de seus habitantes, o Estado, com grande apoio da opinião pública, comunica ao mercado que aquela área também está aberta para sua atuação.

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quem-financiou-a-campanha-de-eduardo-paes-no-rio/
Remoções na história do Rio de Janeiro

No entanto, sabemos que no processo de apropriação do espaço urbano pelo capital ao longo da historia do Rio de Janeiro, a expulsão das camadas socioeconomicamente mais vulneráveis dos territórios de maior valor de mercado foi um fenômeno recorrente. Foi assim historicamente com a caça aos cortiços da região central, com os incêndios das favelas da Praia do Pinto e Catacumba, dentre outras na zona sul da cidade.

A partir de 2009, em busca da reorganização do espaço urbano do Rio de Janeiro, a prefeitura aponta novamente a remoção das camadas sociais mais pobres como preceito para a valorização do território. As radicais transformações urbanas do Rio de Janeiro encontravam um grande apoio popular na medida em que estas apareciam como fundamentais para preparar a cidade para os megaeventos. Os grandes projetos e eventos servem como uma espécie de marketing urbano para promover o orgulho por parte da população em pertencer a uma cidade que atingiu o caráter global, capaz de atrair investidores e os olhares de todo o mundo.

As grandes intervenções urbanas, além de aparecer como uma vantagem competitiva frente ao mercado global de cidades, também são enaltecidas como benefícios ou legados desse processo. Os corredores viários, a construção de parques, as intervenções na área portuária, a instalação e requalificação de equipamentos esportivos e, sobretudo, a eliminação de ocupação de áreas de risco são os argumentos mais utilizados pelo Estado para promover estas remoções.

Remoções no Rio de Janeiro segundo as suas motivações (2009-2012)
Remoções no Rio de Janeiro segundo as suas motivações (2009-2012)

No entanto, ao representar estas remoções espacializadas percebe-se uma grande concentração nas áreas mais valorizadas ou com este potencial devido ao aporte de recursos investidos para este fim. Nesse sentido, o direcionamento das ações do Estado sobre determinada região vem especialmente ao encontro dos interesses da construção civil. As favelas e ocupações, cuja permanência por todos os anos mostrou que houve resistência à lógica imobiliária formal, agora sofrem novamente uma fortíssima intervenção. Coincidentemente ou não, os assentamentos que apresentam o maior risco geotécnico e que também recebem obras de infraestrutura, são exatamente aqueles que estão nas zonas de influência da Copa do Mundo FIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016. Logo, denota-se que é muito mais arriscado, devidos aos intesses imobiliários, para o pobre morar em uma favela das zonas mais valorizadas do que no restante da cidade.

Em Outubro de 2011, com a acentuação das remoções, o poder municipal institui diretrizes para a relocação de moradores. Segundo o decreto, uma vez apontadas para reassentamento, as famílias deveriam ter a oportunidade de escolha entre as seguintes alternativas:
  • A indenização das benfeitorias;
  • A compra de uma nova moradia assistida pela prefeitura;
  • Pagamento de aluguel social (R$ 400,00) até o reassentamento para o Minha Casa, Minha Vida (MCMV).
Os dados da SMH apontam que dentre aqueles que tiveram seus imóveis removidos até abril de 2012, a maioria (64%) recebeu imediatamente o aluguel social de forma provisória para posterior reassentamento em um empreendimento do MCMV. A espera pela nova moradia tende a ser bastante superior ao tempo de auxilio aluguel, que está limitado em apenas três meses, prolongando ainda mais a situação de vulnerabilidade da família que deveria encontrar imóveis a um custo máximo de 400 reais, e se o tempo superasse, deveria arcar de sua própria conta com esse ônus.

Aqueles que optaram pela indenização (20%) receberam, em média , apenas 28 mil reais, valor que não possibilita que o cidadão possa reconstruir sua casa em condições melhores em relação às quais se encontravam anteriormente, o que acaba por caracterizar a ineficácia dessa política em relação à proteção destas pessoas. que com parte destes recursos costumam reconstruir suas casas em áreas que também estão em situação de risco legal e geológico.

O programa MCMV, uma promessa de inclusão social por meio de moradia adequada, se tornou, especialmente no Rio de Janeiro, instrumento de segregação espacial. A grande maioria (67%) das unidades do programa para baixa renda (até três salários mínimos por família) estão localizadas na Zona Oeste. A maioria dos condomínios sequer possuem equipamentos e serviços nas suas imediações, sem contar com a oferta de emprego.

Reassentamentos no Rio de Janeiro (2009-2012)
Reassentamentos no Rio de Janeiro (2009-2012)

Coincidência ou não, esta área da cidade tem grande parte do seu território tomado por grupos milicianos que se utilizam do poder de intimidação para cobrar taxas de serviços básicos da população, como luz, gás, transporte e, sobretudo, “segurança”. Presentes nos loteamentos irregulares e favelas, este domínio se reproduz cada vez mais frequentemente nos novos condomínios do MCMV na região.

Mas não é só mediante a ação repressora do Estado que a periferização ganha força no Rio de Janeiro. Uma vez que os investimentos se voltaram a áreas centrais da cidade que antes estavam à margem dos interesses políticos e imobiliários, como determinadas favelas e a zona portuária, a população que ali reside sofre uma enorme pressão do próprio mercado para a sua saída. A “remoção branca” é uma realidade de diversas favelas da Zona Sul que estão se transformando em objeto de desejo de estrangeiros e da classe média.

A população que no primeiro momento concedia um grande apoio para as transformações que estavam sendo impostas na cidade, enxergando a valorização do espaço urbano como um belo avanço frente a imagem consagrada de crise, se questiona fortemente quanto a quem interessa este processo. Enquanto o Rio de Janeiro vem sendo preparado com intervenções urbanísticas de grande porte para receber os megaeventos, os cidadãos estão percebendo que ao invés de beneficiários, estão sendo atacados por esse projeto. Os altos custos voltados para construção de equipamentos esportivos, ao mesmo tempo em que os serviços básicos estão sucateados, fazem ecoar nas ruas os gritos “queremos saúde e educação padrão FIFA”.

As grandes manifestações de junho de 2013 foram um despertar de que aquele projeto de cidade excludente não era nada consensual. Não estamos falando da insatisfação somente daquelas famílias que foram brutalmente expulsas para dar espaço ao mercado imobiliário, mas também daqueles que se veem sem condições de arcar com um custo de vida no Rio de Janeiro cada vez mais inviável. As camadas mais pobres, dentro ou fora das favelas, e até a classe média estão sofrendo com a gentrificação, embora a mídia insista em colocar como um fenômeno inerente ao progresso de qualquer cidade global.

Costuma-se afirmar que a cidade cresce de forma desordenada. No entanto, o que podemos perceber é que há uma forte articulação para a produção do espaço urbano do Rio de Janeiro. Apontando e espacializando a atuação do Estado em associação com os interesses do mercado, podemos desvelar quais são os instrumentos utilizados para o planejamento desta cidade neoliberal.

Colocar os megaeventos como protagonistas nesse processo, se tornou reposta fácil. A Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos são apenas mais elementos que vem a reforçar esse projeto de cidade. Os eventos são mais algumas justificativas que tentam legitimar qualquer ação de emergência por parte do Estado, e esta também é uma questão central que deve ser debatida. Mas colocar a FIFA ou o COI como os únicos grandes vilões é omitir o papel central dos promotores imobiliários locais e nacionais nesse processo.

Fonte: Capitalismo em desencanto

CANAL IBASE: Entre o Futebol e a Cidadania; Não quero padrão Fifa!

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Complexo de 16 de comunidades e 130 mil habitantes no RJ vive o megaevento em meio à revolta pela chacina que exatamente há um ano deixou 13 mortos após ação policial

 
Em entrevista, o professor Pedro Cláudio Cunca Bocayuva associa direitos humanos à qualidade do desenvolvimento e ao combate a injustiça espacial
 
No Rio de Janeiro, foram gastos R$ 6,2 bilhões em obras de mobilidade. Obras não beneficiaram maioria da população e R$ 1 bilhão foi gasto em remoções

 
Entre o Futebol e a Cidadania
Copa no Brasi flagra contradições e desigualdades, além da absurda ingerência da Fifa. Mas é também o momento do esporte mais democrático do país
 
Não quero padrão Fifa!
Sociedade brasileira acordou para as mazelas do país, mas o uso da expressão "eu quero padrão Fifa" subverte o sentido da transformação e lhe dá um significado oposto, alerta cientista social do Diese

junho 28, 2014

"As cabeças cortadas de Sergio Bianchi", por José Geraldo Couto

PICICA: "Em “Jogo de Decapitações”, Sérgio Bianchi retoma, sem complacência mas sem sutiliza, sua hipótese permanente: a do Brasil cronicamente inviável”" 

As cabeças cortadas de Sergio Bianchi


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Em “Jogo de Decapitações”, Sérgio Bianchi retoma, sem complacência mas sem sutiliza, sua hipótese permanente: a do Brasil cronicamente inviável”

Por José Geraldo Couto, no blog do IMS


Quem conhece os filmes de Sergio Bianchi sabe que a sutileza não é o seu forte. Sabe também, em compensação, que neles não há lugar para a complacência e muito menos para a hipocrisia. Implacável, inflexível, seu dedo costuma tocar direto nas feridas que outros artistas preferem ignorar ou contornar. Não é diferente com seu novo trabalho, Jogo das decapitações.



Desta vez, o protagonista é Leandro (Fernando Alves Pinto), um estudante de pós-graduação que prepara mestrado sobre a esquerda no período da ditadura militar. Sua mãe é uma ex-prisioneira política (Clarisse Abujamra) que dirige uma ONG de direitos humanos empenhada em conseguir indenizações para vítimas do regime. Seu pai (Paulo César Pereio), artista libertário preso por atentado ao pudor na juventude, virou prisioneiro comum décadas depois por ter matado uma mulher. Numa rebelião num presídio, ele pode ser um dos mortos não identificados, mas também pode ser um dos fugitivos.

É entre esses dois polos – a militância convencional de esquerda encarnada pela mãe e a pulsão transgressora do pai – que transita o atormentado rapaz.


Fosso de classe

Esse arcabouço dramático serve para Bianchi expor sua visão ácida de alguns assuntos cruciais: o oportunismo político de militantes encastelados em ONGs ou na política institucional; a barbárie que caracteriza desde sempre nossa formação social; a clivagem de classe que separa a elite intelectual de esquerda dos pobres que ela julga defender; a falta de perspectivas visíveis no horizonte.

Tudo conflui para a conclusão, expressa no título de um filme do diretor, de que o Brasil é “cronicamente inviável”. É pela boca do cético e sarcástico Rafael (Silvio Guindane), colega de faculdade de Leandro, que Bianchi parece proferir suas sentenças terríveis e definitivas.
A construção narrativa é ostensivamente heterogênea, “suja”, composta de diferentes texturas: a exposição da ação no presente se entrelaça a documentários de época, aos pesadelos do protagonista e a trechos de Jogo das decapitações, filme realizado nos anos 1970 pelo pai porra-louca e resgatado por Leandro.

Jogo intertextual

As imagens desse filme dentro do filme, na verdade, foram extraídas do primeiro longa-metragem de Sergio Bianchi, Maldita coincidência, de 1979. Alguns atores do filme antigo, como Sergio Mamberti e Maria Alice Vergueiro, reaparecem no novo, em papéis bem diversos, produzindo um curioso curto-circuito.

O que Jogo das decapitações tem de mais interessante talvez seja esse arguto jogo intertextual, que matiza e problematiza o tom sentencioso do discurso. Os pesadelos do protagonista, embora marcados pela ênfase e pela redundância, têm alguns momentos inspirados, como a exposição das cabeças cortadas de um punhado de presos, numa espécie de altar que lembra em tudo a célebre foto das cabeças de Lampião e seu bando. Troféus macabros ligados pelo fio invisível da nossa crônica barbárie.

Outras cenas memoráveis – e igualmente terríveis – são a do linchamento de um homem que atropelou uma pessoa e a da “oficina de teatro” ministrada numa escola rural por um ex-guerrilheiro (Elias Andreato). Nesta última, salvo engano o único momento em que o filme se afasta do protagonista, o ex-guerrilheiro entoa com vigor uma velha canção política, diante do olhar jocoso de jovens indiferentes. Mundos em descompasso, ideias fora do lugar, línguas distintas, cabeças cortadas.