PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
julho 11, 2006
Tragédia no Rio Grande
Tragédia no Rio Grande: 3 adolescentes morrem carbonizadas num hospital psiquiátrico
Quarta-feira, dia 5 de Julho, às 10:50 da noite, três meninas morreram carbonizadas em um quarto do Hospital Psiquiátrico da Santa Casa de Rio Grande (Rio Grande do Sul).
Organizado pelo Conselho Regional de Psicologia, na Sexta-feira, dia 7 de Julho, o local foi visitado por Sandra Fagundes (Ministério da Saúde), Neuza Guareschi (Conselho Regional de Psicologia - CRP/07) e Károl Cabral pelo Fórum (Fórum Gaúcho de Saúde Mental).
Um dia antes, Quinta-feira, dia 6 de Julho, dirigiram-se ao local representantes dos Ministérios da Saúde e dos Direitos Humanos, a Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde. Deste grupo fizeram parte Flávio Resmini (Assessor do Ministério da Saúde) e profissionais da 3a. Coordenadoria de Saúde da Vigilância Sanitária, da Assistência Hospitalar e da Saúde Mental, bem como da Coordenação de Saúde Mental de Rio Grande do Sul. A visita foi monitorada pelo Coordenador Nacional de Programa de Saúde Mental, Pedro Gabriel Delgado.
A imprensa e a tragédia
A tragédia foi veiculada pelos meios de comunicação: Zero Hora virtual e impressa, Rádio Gaúcha e pela imprensa locorregional (Pelotas e Rio Grande).
A ZH tentou esfriar o máximo a questão, remetendo à perícia a tarefa de desvendar a tragédia, sem dar destaque, na manchete, ao hospital psiquiátrico. Entrevistou a Sociedade de Psiquiatria, que não emitiu opinião nem anti-reforma nem pró-reforma, preferindo enfatizar a necessidade de equipes preparadas. Para o diretor administrativo do Hospital Psiquiátrico, o serviço é modelo para o Ministério da Saúde. Sua declaração teve como sustentação a performance do serviço no PNASH (Plano Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar), que obteve 80 pontos em 2003/2004, a mais alta do Rio Grande do Sul.
Se houvesse o cuidado de entrevistar algum representante do movimento social por uma sociedade sem manicômios, certamente o entrevistado diria que a pontuação alta não significa modelo, muito menos isenção de responsabilidade em situações como essas, ou quaisquer outras, que envolvam risco de vida para usuários dos serviços de saúde mental.
Entretanto, o jornal Zero Hora não entrevistou ninguém do movimento social, tampouco qualquer representante do gestor da saúde. Pior, não fez qualquer alusão à inaceitabilidade de mortes violentas como essas. Também não foi dada uma linha sequer à Reforma Psiquiátrica e aos êxitos obtidos com a criação de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico (mais de 800 Centros de Atenção Psicossocial, mais de 2000 leitos psiquiátricos em hospitais gerais), ainda que seja uma experiência marcada pela desigualdade, estando diretamente relacionada com a força do movimento social e com a vontade política dos governantes.
Pedro Gabriel Delgado, Coordenador Nacional de Saúde Mental, ligou para o Zero Hora solicitando direito de resposta.
Os jornais locais deram um tratamento mais humano ao fato.
Ainda na Quinta-feira, dia 6 de Julho, foi aberto inquérito policial e processo no Ministério Público para apurar os fatos.
Na Sexta-Feira, dia 7 de Julho, pela manhã, a deputada Miriam Marroni entrou em campo, emitiu nota para imprensa e agendou visita ao Hospital Psiquiátrico da Santa Casa do Rio Grande.
Fórum Gaúcho de Saúde Mental visita o local da tragédia
Exaustos, confusos, abatidos pela tragédia, assim estavam os responsáveis administrativos pelo serviço de saúde mental do Hospital Psiquiátrico da Santa Casa quando o Fórum Gaúcho de Saúde Mental ali compareceu. Apesar do comportamento defensivo - o que dificultou a conversa -, o houve o reconhecimento do despreparo da instituição e da equipe para atender adolescentes dependentes de drogas. Afinal, não é o trabalho do cotidiano, tampouco a clientela habitual daquele serviço de saúde.
Durante o diálogo, foi citada a tentativa frustrada de salvamento das adolescentes por uma técnica de enfermagem, que entrou no quarto enrolada num cobertor encharcado, mas não conseguiu retirá-las. Ainda chocados com o acidente, ninguém conseguiu falar sobre a evitabilidade do ocorrido.
Entretanto, o administrador do Hospital Psiquiátrico da Santa Casa, bastante alterado, acompanhado pelo médico psiquiatra Márcio Silveira, fez questão de apresentar argumentos de defesa: o serviço é ótimo, tem equipe multiprofissional, foi bem avaliados no PNASH, tem residência em psiquiatria e é referência para o estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (SIC).
Porém, é um outro argumento do administrador que merece reflexão: segundo ele esta tragédia só ocorreu por que o judiciário manda internar de forma compulsória adolescentes dependentes de drogas e eles são obrigados a acatar a ordem do juiz. Mostrou os ofícios enviados pelo judiciário e também as comunicações que a administração e os psiquiatras haviam feito: duas das meninas estavam de alta médica. Ocorre que os juízes de Nonoai e de Cruz Alta ordenaram a permanência no hospital.
Direito de defesa e responsabilidades
Com defesa articulada – direito que assiste ao serviço de saúde – é de se perguntar quem com eles assumirão as responsabilidades pela tragédia. É preciso saber quais os municípios que estão encaminhando adolescentes dependentes de drogas, bem como quais são as comarcas e seus respectivos juízes.
Uma foto aérea do local foi mostrada pelo administrador do Hospital Psiquiátrico da Santa Casa para demonstrar que os bombeiros não tiveram dificuldades de acesso ao local, como estava escrito nos jornais. Depois, assim explicou ocorrido:
"[...] às 10:50 começou o incêndio. A equipe estava completa. A médica de plantão que estava realizando um atendimento foi auxiliar o recepcionista e a técnica de enfermagem, assim como outros profissionais a retirar os pacientes. As gurias que colocaram fogo estavam dentro do quarto, foram convocadas verbalmente, mas não quiseram sair. Os profissionais abriram a porta, mas aí o fogo aumentou e não foi possível o resgate. Uma das técnicas tentou entrar, mas não conseguiu e ainda está com ferimentos de queimadura. Os bombeiros, assim como eu e a Kelly e outros profissionais também chegamos por lá e em 20 minutos o fogo foi debelado, mas as meninas estavam carbonizadas."
A perícia interditou os 4 últimos quartos da enfermaria e os demais já estão sendo habilitados: pintura, arrumações necessárias (o que se constitui em problema para uma fiscalização ou nova avaliação, pois o que o grupo da quinta feira viu, não teria sido visto pelo grupo da sexta, por exemplo).
A equipe deu 12 altas na Sexta-feira, dia 7 de Julho. Não se tem conhecimento de qualquer reflexão feita sobre as decisões tomadas, como as razões que levaram a colocar as meninas no mesmo quarto, e se tomaram os cuidados necessários para evitar o ocorrido.
Providências legais
Sandra Fagundes (Ministério da Saúde) sugeriu a criação de uma comissão para encaminhar as providências legais exigidas pelo ocorrido, bem como para desencadear ações para criação de serviços que atendam às necessidades das crianças e dos adolescentes na cidade e na região. Essa comissão deve ser constituída por representantes do Município, Ministério Público, Universidade, Estado, Ministério da Saúde, Conselho da Criança e Adolescente, Trabalhadores, Fórum Gaúcho de Saúde Mental e do Hospital Psiquiátrico.
Sobre a participação do Hospital Psiquiátrico – que representa o modelo de tratamento superado pelo modelo de serviços substitutivos – há questionamentos e dúvidas sobre sua participação nessa comissão, que deverá ser instalada no dia 11 de Julho, Terça-feira.
Como proposta inicial, cogita-se incluir na discussão o judiciário, inclusive a corregedoria (instância fiscalizadora dos juizes). Afinal, nesta tragédia ninguém pode se eximir das suas responsabilidades.
Posição do Fórum Gaúcho de Saúde Mental
O Fórum Gaúcho de Saúde Mental sustenta a idéia de que as adolescentes não poderiam estar internadas no Hospital Psiquiátrico da Santa Casa, para irritação do administrador daquele serviço de saúde, que insiste em afirmar que ali é atendido gente de todo o Estado e que não pode desacatar a ordem do juiz.
Em visita à Secretaria do Municipal de Saúde, recebidos pela Secretária de Saúde em exercício pela Coordenadora de Saúde Mental, o Fórum sugeriu a organização de uma Comissão com representantes da Secretaria, do Hospital, do Fórum, dos Direitos Humanos, do Ministério e do Judiciário. Também foi discutida a constituição da rede de assistência a criança e ao adolescente, principalmente no que diz respeito ao atendimento de usuários de drogas, demanda social a ser enfrentada pelo município.
Em todos os encontros o Fórum Gaúcho de Saúde Mental – filiado à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – registrou que houve violação dos direitos humanos e do estatuto da criança e do adolescente. Lembrando Sobral e a condenação do Brasil, o Fórum lembra que a sociedade não é mais indiferente a situações como essa, que colocam em xeque a instituição e o Estado.
Pedro Gabriel Delgado, da Coordenação Nacional de Saúde Mental enfatizou que foi o fato mais violento desse ano e que será pautado no núcleo de combate à violência (parceria entre Ministério da Saúde e o Ministério dos Direitos Humanos) a ser brevemente instalado.
Fala, Károl!
ANA PAULA - 17 anos - natural de Nonoai. Já estava de alta!!
ANA CAROLINA - 15 anos, completados dentro do hospital. Natural de Cruz Alta. Também estava com alta!!
ANA PAULA - 14 anos - Natural de Rio Grande.
Três adolescentes morreram carbonizadas, mas não a história dessa terrível tragédia. Inevitavelmente, deve ser pensado um novo tipo de cuidados para crianças e adolescentes com problemas sociais, com histórico de uso de drogas, todas internadas de forma compulsória em hospitais psiquiátricos pela falta de equipamentos da rede substitutiva e pela falta de informação de alguns setores da sociedade, como o judiciário, por exemplo.
Buenas, talvez eu tenha esquecido algumas coisas, mas é o que pude relatar após esta maratona da sexta, frente a esta tragédia, frente à tristeza de saber da morte destas meninas, de ver trabalhadores detonados e pressionados, enfim... Contamos com todos os parceiros neste momento triste que temos que enfrentar.
Károl
PS: Esta situação exige reflexão imediata, pois em Porto Alegre estamos enfrentando a mesma política de encaminhamentos para a dependência química: INTERNAÇÃO!!
NOTA: Texto estabelecido a partir da narrativa de Károl Cabral, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental
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Um comentário:
Rogelio,
Legal saber que nossa rede antimanicomial é quente. Valeu a força. Abraços,
Károl
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