julho 31, 2006

Nem doente mental, nem deficiente mental: movimento social de usuários em busca de uma nova identidade

Foto: Rogelio Casado - Dia das Mães na ACI, 2006












"Seu" Cosme, de blusa com motivos florais, festeja o Dia das Mães
entre seus companheiros, na Associação Chico Inácio.

Reflexões sobre uma nova identidade para a loucura e os loucos

Segundo Antonio Lancetti, "o manicômio, à diferença do que se acredita, não é um usurpador, e sim, um produtor maciço de identidade do doente mental e seus médicos". Porém, segundo Fernanda Nicácio, tal processo não ocorre sem "... aquilo que a psiquiatria sempre fez com a loucura: negar a sua voz, desqualificar a sua mensagem, reduzir e anular seu sujeito".

O Amazonas perdeu o rumo da sua Reforma Psiquiátrica durante mais de 10 longos anos. Com o aparelho formador alheio ao que se passava no resto do país, sobreveio um longo silêncio sobre as práticas de desinstitucionalização tecida em rede por todo o território nacional. Não é de espantar, neste cenário, que a mídia amazonense ficasse com seu vocabulário reduzido. Especialmente, se a referência do modelo de tratamento existente na cidade de Manaus ainda gira em torno do manicômio e seus ambulatórios de consulta.

Por isso, o movimento social de usuários procura reduzir os danos provocados por uma identificação discriminatória, toda vez que são usadas expressões como "doença mental" e "deficiência mental" ao invés de portadores de transtorno mental, ainda que esses termos também sejam problemáticos.

Movimento social de usuários que se preza buscar estabelecer diferenciações conceituais como dispositivo central em suas estratégias políticas.

Comecemos por "deficiência mental", termo que indica um débito congênito de inteligência, também conhecida como oligofrenia, em oposição à queda adquirida de inteligência, como no caso das demências, e à inibição neurótica da inteligência, também chamada de pseudodemência.

Se há algo que o portador de transtorno mental não é, decididamente, é ser um deficiente, pois nele não encontramos a falta de mobilidade mental daquele. Tampouco ele é marcado pela pobreza de representação e conceitos, ou pela incapacidade de formar conceitos abstratos. Não são esses os seres humanos que povoavam os hospitais psiquiátricos brasileiros.

Quanto ao termo "doente mental", é indisfarçável a tentativa de apropriação da loucura pelo discurso médico. Pretenciosamente, esse discurso nunca quis reconhecer que na experiência da loucura o sujeito não é ingênuo sobre a origem e os traços dos seus males, nem ignorante a respeito do que lhe acontece (apud, Quinet).

"Seu" Cosme em seus delírios salvacionistas teria muito mais a nos ensinar sobre como os sujeitos revelam suas verdades, se fôssemos capazes de reconhecê-lo em sua singularidade, o que implicaria numa ruptura histórica e teórica com todas as formas de discriminação para com aqueles que experimentam a loucura no campo da verdade. Mas isso, seria valorizar a experiência de um saber fundado no inconsciente, para o qual não há espaço na sociedade da razão e seu vocabulário descriminador. Posted by Picasa

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