novembro 16, 2006

'Louco infrator', novo paradigma

Biblioteca do HCTP Heitor Carrilho - RJ









Nota: 'Louco infrator' é uma expressão usada no meio jurídico-psiquiátrico que, à semelhança da expressão 'grupo de risco' usada no campo das DST/Aids, causa mais confusão do que esclarecimento. Um exemplo disso é o amplo desconhecimento da opinião pública de que crimes cometidos por 'portadores de transtorno mental' (outra expressão problemática) geralmente acontecem quando os 'infratores' ficam longos períodos sem acompanhamento nos serviços de saúde.

Nem por isso deve-se deixar de receber com entusiasmo a criação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), entre as Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça, o Município de Goiânia, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público do Estado de Goiás, saudado pelo Promotor de Justiça Haroldo Caetano da Silva como "começo do resgate de uma séria e histórica dívida para com as pessoas submetidas à medida de segurança". Ponto!

Uma advertência, no entanto, se faz necessária. Veja novamente a imagem acima. É fato que este blog tem usado muitas imagens, para revolta dos que cultivam apenas, e tão somente, as palavras. Os críticos, crentes de que elas banalizam o verbo, abominam a imagem. O problema é quando se vê de perto a realidade arquitetônica dos nossos hospitais de custódia e tratamentos psiquiátricos (HCTPs) espalhados pelo Brasil. O do Rio de Janeiro parece ser uma honrosa exceção. Compare a imagem aqui publicada com o do HCTP da sua cidade.

Muito bem. Agora, leia, além do artigo do promotor de Goiás, o texto sobre o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, do Rio de Janeiro, publicado em http://www.supersaude.rj.gov.br/hphc.htm com farta ilustração - lá, aqui não; em compensação abusamos da palavra ao publicar o editorial dessa instituição em transformação.

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Louco infrator, novo paradigma

O Popular (GO)
Opinião
11 de novembro de 2006

O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar
agora fui pelo abandono
abandonado aqui dentro do lado de fora.
(Arnaldo Antunes)


Haroldo Caetano da Silva

O dia 26 de outubro de 2006 será lembrado como a data em que o Estado de Goiás deu um verdadeiro salto de qualidade na execução das medidas de segurança impostas pela Justiça a portadores de transtornos psiquiátricos. A assinatura, nesse dia, do convênio de implementação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), entre as Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça, o Município de Goiânia, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público do Estado de Goiás, traduz-se no começo do resgate de uma séria e histórica dívida para com as pessoas submetidas à medida de segurança.

A despeito da terminologia inadequada afinal, louco infrator não seria a melhor das expressões para identificar a pessoa do inimputável por doença mental , o Paili assume a relevante tarefa de acompanhar os pacientes julgados e absolvidos pela Justiça Criminal, mas submetidos à internação psiquiátrica ou ao tratamento ambulatorial, como medida de segurança.

Se a medida de segurança não tem caráter punitivo e de direito não tem a sua feição terapêutica deve preponderar.

Muda-se o paradigma. A questão deixa de ser focada unicamente sob o prisma da segurança pública e é acolhida definitivamente pelos serviços de saúde pública. Não será a cadeia, tampouco o manicômio, o destino desses homens e dessas mulheres. A imagem do sofrimento e da exclusão dos imundos depósitos de loucos ainda recente em nossa memória não mais tem espaço nesta época de proteção aos direitos fundamentais dos que padecem de transtornos psiquiátricos. Será o Sistema Único de Saúde (SUS) o espaço democrático de atendimento a esses pacientes. Eis o grande avanço e o grande desafio!

Com autonomia para ministrar o tratamento, o médico e as equipes psicossociais das clínicas conveniadas ao SUS determinam e colocam em prática a melhor terapêutica, acompanhados de perto pelos profissionais do Paili, cuja atuação deve ser marcada pela interlocução e integração com todo o sistema de saúde mental, especialmente os Centros de Apoio Psicossocial (Caps) e as residências terapêuticas.

O processo de execução da medida de segurança continua jurisdicionalizado, mas não será o juiz quem determinará o tratamento a ser dispensado ao paciente, pois é o médico o profissional habilitado a estabelecer a necessidade desta ou daquela terapia. Aliás, é a Lei nº 10.216/2001 (Lei Antimanicomial ou Lei da Reforma Psiquiátrica) que exige laudo médico circunstanciado como pressuposto elementar para a internação psiquiátrica (art. 6º). A proteção jurisdicional é garantia constitucional do cidadão na esfera da execução penal e, na presidência do processo executivo, o juiz acompanhará o tratamento dispensado ao paciente e decidirá sobre eventuais excessos ou desvios, até final extinção da medida de segurança.

Também o Ministério Público continua, nesse novo panorama, com sua atuação fiscalizadora, acompanhando o desenrolar do procedimento judicial e, fundamentalmente, o tratamento dispensado aos pacientes pelas clínicas psiquiátricas e o regular funcionamento do Paili.

A conformação deferida ao Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, agora responsável pela execução das medidas de segurança no Estado de Goiás, é inovadora. Muito embora espelhado, em princípio, no programa similar desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (o Pai-PJ), o Paili coloca a pessoa submetida à medida de segurança no ambiente universal e democrático do Sistema Único de Saúde, sem distinção de outros pacientes, o que poderá favorecer sobremaneira a almejada inclusão à família e à sociedade.

Resultado da conciliação, num verdadeiro concerto entre os diversos órgãos envolvidos com a matéria, em ambiente que contou com a participação ativa da sociedade, o Paili tem tudo para ser uma experiência exitosa no resgate da dignidade e dos direitos humanos fundamentais dos pacientes submetidos à medida de segurança, e cujo modelo certamente será exportado para outros cantos do País.

Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça

Publicado no jornal O Popular, da cidade de Gioânia, em 11.11.2006

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H. de Custódia e Trat. Psiquiátrico Heitor Carrilho

DIRETOR : CARLOS ROBERTO ALVES DE PAIVA
SUBDIRETOR : SONIA FERREIRA BARROSO

DATA DE INAUGURAÇÃO : 30/04/21
LOCALIZAÇÃO : RUA FREI CANECA, nº 401 - fundos
BAIRRO : ESTÁCIO
TELEFONE :(0xx21)2293 8791/ 3399 1380/ 3399 1384
FAX : (0xx21)2293 8791

DIAS DE VISITA : QUINTA-FEIRA, DOMINGO E FERIADO
HORÁRIO DE VISITA : 12:00 às 16:00

Pavilhão. Clique para ler o Editorial

Fundação em 1.921 o antigo Manicômio Judiciário Heitor Carrilho, atual Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho. Possui 210 leitos, sendo 169 conveniados com o SUS em níveis III e IV.

Pavilhão (veja ilustração no endereço citado)

Desenvolve, além de seu projeto terapêutico específico, a Custódia e Tratamento dos pacientes incursos em medida de segurança, além de elaborar as várias espécies de exame psiquiátrico-forense (Insanidade Mental, Dependência a Drogas, Cessação de Periculosidade, Cessação de Dependência e Exame Criminológico), tendo sido considerado durante muitos anos o mais avançado Centro Psiquiátrico Forense da América Latina. Por se tratar de Hospital de Custódia e Tratamento, a nossa clientela é basicamente constituída de pacientes duplamente estigmatizados pela sociedade, pelo fato de terem cometido delitos e pelo fato de serem considerados doentes mentais e, portanto de “GRANDE PERICULOSIDADE”. Tal estigmatização torna o trabalho mais árduo, á medida que a família do paciente é parte desta sociedade que o rejeita.

Exames Complementares:
Eletroencefalograma e Psicodiagnóstico

A unidade conta ainda com uma biblioteca e um acervo composto por obras específicas do fundador e outros livros como Sociologia Criminal, Psiquiatria e Odontologia. Estes acervos foram tratados tecnicamente, sendo que, 101 são periódicos, 57 acervo do Heitor Carrilho e 17 obras raras.

Quadra Polivalente (veja ilustração no endereço citado)

Biblioteca (veja ilustração no endereço citado)

Além dos atendimentos clínicos propriamente ditos são realizadas atividades pelo setor de terapia ocupacional cujo objetivo é utilizar os recursos e abordagens da terapia ocupacional especialmente atividades não verbais, possibilitando a expressão e elaboração dos conteúdos internos.

- Oficina de Marcenaria e Artesanato - clientela masculina
- Oficina da Palavra – clientela masculina
- Oficina de Atividade Expressiva – clientela mista
- Oficina de sacolé – clientela masculina
- Oficina de Mosaico – clientela masculina
- Oficina de Bijouterias – clientela mista
- Oficina de Biscuit – clientela masculina
- Oficina de Vídeo Debate – clientela mista
- Oficina de Cestaria em Jornal – clientela masculina
- Oficina de Embelezamento – clientela feminina

EDITORIAL

"O Manicômio Judiciário Heitor Carrilho é um Órgão do Serviço Nacional de Doenças Mentais, do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.

Originário da Seção Lombroso do antigo Hospital Nacional ou Hospício da Praia Vermelha, em 20 de Abril de 1920 teve lançada a sua pedra fundamental e, pelo Decreto 14.831 de 25 de Maio de 1921 o seu primeiro regulamento aprovado, tendo em vista que (ipsis litteris) "considerando que para o Manicômio Judiciário de que trata a Lei 2.442 artigo 2º n.º 20 de 5 de janeiro do corrente ano, anexo à Assistência a Alienados, não existem, no regulamento aprovado pelo Decreto 8.834 de 11 de julho de 1911, disposições pelas quais se passa reger.

O Decreto 17.805 de 23 de Maio de 1927 que aprovou o regulamento para execução dos serviços de Assistência a Psicopatas, no Distrito Federal, dedica o seu capítulo XI ao Manicômio Judiciário, a partir do artigo 109 até o 123, seus §§ e itens e continua em pleno vigor, orientando a dinâmica do Estabelecimento.

Posteriormente, em 1944, o Decreto 17.185 de 18 de Novembro, que constitui o regulamento do Serviço Nacional de Doenças Mentais, na sua Seção V, artigo 48, itens I, II e III, estabelece a competência do Manicômio Judiciário para recebimento de pacientes sob o regime de internação fechada e por determinação judicial, distinguindo aqueles "isentos de responsabilidade, os condenados que apresentarem sintomas de alienação mental e os acusados que devam ser submetidos a exames e tratamentos psiquiátricos".

O Código Penal de 1890 não cuida de Manicômio Judiciário, como local para cumprimento de medidas de segurança detentivas, sendo certo que, só a partir do ano de 1921, como conseqüência de uma revolta de alienados mentais criminosos, no antigo Hospício da Praia Vermelha (Seção Lombroso), seguida de depredações e incêndio, houve a sua existência formal, como unidade autônoma administrativa e técnica, em prédio especialmente construído.

O Decreto – Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), indicou, expressamente, o Manicômio Judiciário, como Estabelecimento destinado àqueles que a Lei reconhece a irresponsabilidade, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, cabendo-lhe, também ônus dos incluídos no § único do artigo 22 do mencionado Código, pela inexistência da Casa de Custódia e Tratamento, organismo executivo da sua inoperância como unidade autônoma.

Estamos assim, na segunda fase do que denomino "ciclo de desenvolvimento dos Manicômios Judiciários", pois que esses Estabelecimentos vão atingindo a estrutura hospitalar pura, destruindo, aos poucos, o velho entendimento da prisão – hospital ou hospital – prisão, apresentando melhores condições para tratar os tipos de personalidades planificadas, sob o rótulo genérico de "perturbados da saúde mental", sem os riscos da constituição de um padrão mental mais ou menos uniforme.

No Manicômio Judiciário Heitor Carrilho, aquele "traço de união entre prisão e hospital" de que nos falava Carrilho, dentro em breve, será apagado, atingida a meta definitiva, com a conclusão e inauguração de dois modernos e importantes Edifícios, o Pavilhão Técnico – Pericial à Rua Frei Caneca, sede do Estabelecimento, e o Pavilhão de Custódia, na Estrada do Guerengué, em Jacarepaguá, ambos totalizando 700 leitos.

Esse denominado Pavilhão de Custódia nada tem a ver com a Casa de Custódia e Tratamento, estabelecida pela Lei Penal.

O Pavilhão de Custódia vai ser destinado, exclusivamente, ao cumprimento das medidas de segurança detentivas ex – vi do artigo 22 e seu § Único do Código Penal, como uma unidade integrante do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho, permitindo, assim, que a sede do Estabelecimento, constituída de três unidades, o Pavilhão – Sede, o Pavilhão Maurício Medeiros e o futuro e próximo Pavilhão Técnico – Pericial, a ser inaugurado em princípio de 1968, possa receber não só todos os pacientes que devam ser periciados, como aqueles que apresentarem doença mental, no decurso da prisão provisória ou após a sentença judicial, atingindo, assim, de acordo com a Lei, a sua legítima finalidade.

Dessa forma, o futuro do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho está definido: um futuro de condições de trabalho técnico, de trabalho assistencial, de investigações, de pesquisas de formação de uma mentalidade profissional e terapêutica.

A partir da inauguração do Pavilhão Técnico – Pericial, todos os pacientes que forem internados, sem exceção, não serão mais entregues ao plano de custódia do Setor de Vigilância e, sim, a uma Seção de Clínica Psiquiátrica, onde ficarão recolhidos até que se torne oportuna à alta médica interna.

Essa Seção de Clínica Psiquiátrica compreende todo o segundo pavimento do novo Pavilhão, disponde salas para tratamento biológicos, unidades de segregação terapêutica, enfermarias de observação psiquiátrica e clínica e salão para refeições e estar, alem dos consultórios médicos e aposentos destinados à enfermagem, atendimentos e curativos.

O primeiro pavimento abrigará todo o trabalho técnico essencial e complementar, dispondo de salas individuais para os peritos psiquiatras – forenses, constituindo-se em um verdadeiro bloco médico, facilitando o atendimento, as entrevistas e a realização dos exames subsidiários para esclarecimento dos diagnósticos.

O terceiro pavimento, todo ele, provido de amplas enfermarias para cinco leitos, com dependências sanitárias privativas, rematará o sistema hospitalar puro, para onde serão acomodados pacientes em remissão de tratamento, já recuperados e submissos à observação final.

Realizada a perícia, fixado o entendimento psiquiátrico – forense, decretada a sentença pelo Juiz, reconhecendo as condições previstas no artigo 22 e seu § Único, a medida de segurança decorrente será cumprida, em ambiente campestre, no Pavilhão de Custódia, unidade eminentemente praxiterápica, e que irá se constituir em termos de comunidade terapêutica, no local mais apropriado, que é Jacarepaguá.

Esse Manicômio Judiciário que foi sempre um sonho administrativo, será a realidade no período 1968 – 1970, será a redenção do trabalho de três gerações de psiquiatras, será uma das maiores realizações do entendimento psiquiátrico – forense porque libertará, definitivamente, o alienado mental criminoso, para o seu próprio destino terapêutico."

Dr. RODRIGO ULYSSES DE CARVALHO
DIRETOR

O presente texto de autoria do então Diretor do atual Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, Dr. Rodrigo Ulysses de Carvalho, foi publicado na revista Arquivos do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho. Ano XXV, 1º e 2º Semestres de 1966. Procura resumir a história administrativa da Instituição durante o período de 1920-1966 e, fundamentalmente, responder às questões relativas à necessidade da construção de prédio para avanço nas atividades inerentes ao tratamento psiquiátrico dispensado aos portadores de doenças mentais que cometessem delitos. O que revela a concepção que essa Instituição com a nova construção do Pavilhão Técnico Pericial se capacitaria a exercer "trabalho assistencial, de investigações, de pesquisas de formação de uma mentalidade profissional e terapêutica."
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