outubro 08, 2012

"A saúde não pode servir a interesses de grupos políticos" (Cebes)

PICICA: "Portal Cebes: Todas as pesquisas de opinião divulgadas no período eleitoral demonstram que a saúde é a principal demanda da sociedade. Por outro lado, a mesma população que indica a Saúde como prioridade nessas pesquisas parece estar mais inclinada a adquirir assistência médica no mercado de planos e seguros privados. Como é possível modificar esse cenário?

Ana Costa: A população busca solução para a sua assistência medica no setor privado por que não acredita no SUS.  A opinião publica é produto de sua vivência e conta ainda com o papel da mídia e do próprio governo. Há uma convergência de forças que conduzem à crença de que o SUS é um sistema de saúde para os pobres. Aliás, na cultura colonialista nacional, é fácil convencer que os serviços públicos são para os pobres.

A conquista do direitos à saúde, de um SUS universal tal como na Constituição, não foi incorporada pelo povo brasileiro que, por sua vez  não se apropriou disso nem como conquista nem como um direito. Salvo na hora de defender os medicamentos e procedimentos de alto custo, muitas vezes amparado pelo Ministério Público. Essa cultura é reforçada pela precariedade que o SUS apresenta, pela pouca valorização de suas excelências e avanços. O trabalho que nos espera para reverter isso é  longo, é remar contra a maré. Precisamos criar atalhos, encurtar caminhos e por isso a importância desses momentos eleitorais, oportunidades da democracia e do debate como oportunidades que são para a ampliação da consciência crítica popular." 

"A saúde não pode servir a interesses de grupos políticos"


Portal Cebes: “Radicalizar a democracia para garantir o interesse público na saúde” é o nome da tese do Cebes para as eleições municipais de 2012. O que significaria essa radicalização?

Ana Costa: A tese do Cebes para as eleições municipais de 2012 tem esta chamada pois sintetiza a pauta política para o momento. Nas eleições, em tese, os candidatos deveriam ser avaliados pela sua vida pública pregressa e, especialmente, por seus programas e propostas de governo. Lamentavelmente, na prática, as candidaturas se amoldam aos interesses com potencial de conduzir à vitória eleitoral, o que reduz muito a possibilidade de que o momento das eleições se transforme no debate público sobre as mudanças necessárias ao bem-estar e aos interesses de todos, expressando a prática da democracia.

O Cebes tem insistido na necessidade de ampliar os horizontes da política. Em nossos debates, temos buscado um compromisso dos candidatos de que a saúde não seja adotada como moeda de troca nos processos eleitorais e de montagem de governos. A saúde não pode servir a interesses de grupos políticos para viabilizar futuras candidaturas ou manter o poder.

A radicalização da democracia está referida ao aperfeiçoamento do processo eleitoral onde prevalece a autonomia da escolha do eleitor pelo que representa cada candidato. É também o compromisso de que programas e promessas eleitorais sejam de fato compromissos, transformados em políticas a serem implementadas nos municípios, valorizando a democracia participativa em todas as suas formas e possibilidades, como, por exemplo, conferências municipais de aprovação dos planos municipais e fortalecimento dos conselhos de saúde.

Portal Cebes: De que formas a sociedade pode promover o tensionamento necessário para deixar claro que não se resolve os dilemas e desafios da política de saúde com o anúncio de questões genéricas e descontextualizadas durante as campanhas?

Ana Costa: Infelizmente, de um modo geral, o discurso eleitoral, independente do partido ao qual pertença o candidato, é muito fragmentado e nem sempre espelha a necessidade do povo. Nem serve para a ampliação por uma maior consciência popular sobre o direito a saúde. Criar hospitais ou ampliar vagas hospitalares é promessa eficaz nesse jogo eleitoral e raramente vemos um candidato dizer que irá fortalecer o SUS, nos moldes como a Constituição orienta.

Em um estudo dos programas eleitorais de candidatos de vários partidos políticos em algumas cidades, coordenado pela Professora Ligia Bahia e também disponível no site da Abrasco, podemos observar a diversidade das propostas e também a sua fragmentação. Ampliar a atenção básica parece ser uma meta universal, mas todos nós sabemos que, apesar da importância desta estratégia para o acesso universal, ela pouco pode significar se não há infra estrutura de serviços de retaguarda. Isso quer dizer: não podemos fraturar para fragmentar o sistema de saúde que precisa operar na dinâmica das redes com complementação entre os serviços e equipes assistenciais. Nessa perspectiva, temos que rever o significado e o sentido de “único” para o nosso SUS fragmentado.

O fato é que as propostas dos candidatos nas campanhas eleitorais são produtos de marketing, construídos tal qual fazem com mercadorias, para seduzir, entrar na cabeça e no desejo das pessoas. Isso nem sempre corresponde ao que poderia, de fato, modificar as condições de saúde daquela população.
Por outro lado, a cultura popular sobre saúde ainda deposita grandes expectativas nos hospitais e nos médicos. Não estão errados, pois não aprenderam e nem viveram experiências para pensar diferente. Entretanto, esta visão é restrita e não tem chance de resultar em mudanças com impacto nas condições de vida e saúde da população.

As políticas sociais que tem como objetivo a qualidade de vida mudam para melhor a situação da saúde: segurança alimentar, moradia, escola, emprego, segurança e lazer são politicas que ocasionam impacto real sobre a saúde. Se consideramos que esta é uma mensagem que muda a concepção popular sobre a saúde, o processo eleitoral poderia ser um bom momento de construção destes novos valores.
Implantar de forma consequente as redes de saúde com seus diversos e distintos equipamentos de saúde, articulando territórios e municípios estruturados para ampliar a cobertura e proporcionar a todos a integralidade e a qualidade da atenção e do cuidado à saúde, deveria contar como proposta daqueles candidatos que pretendem realizar seu governo pautados pelos interesses públicos e interessados na mudança do cenário atual da saúde. Investir mais recursos em saúde e lutar por mais recursos federais também são propostas e compromissos que pavimentam para a consolidação do SUS.

Portal Cebes: De que forma  a Saúde elevada à condição de “política de governo” aumenta a chance dos retrocessos setoriais em decorrência da rotatividade de partidos ou agrupamentos políticos?
Ana Costa: Se a saúde não estivesse no olho do furacão das disputas dos partidos que compõem os governos em todos os seus níveis, o SUS certamente estaria melhor. O desenho, a arquitetura  e concepção de nosso sistema é arrojado, impecável. O mesmo não podemos falar da importância e compromisso politico que o SUS recebeu de sucessivos governos, desde sua criação. Por que não é politica de Estado...mesmo sendo uma politica criada e instituída pela Constituição!

O fato é que a saúde é um setor de grande circulação de dinheiro e isto a transforma em campo de cobiça nas disputas na composição dos governos. Isso teria chance menor de acontecer se a saúde não fosse vulnerável a estes interesses particulares e deletérios. Transformar a saúde em política de estado, e não de governos, significaria uma blindagem a estas sazonalidades que são perversas para a gestão e, por outro lado, os critérios para selecionar os seus gestores não seriam essencialmente políticos.

Digamos que a conjuntura atual elevou à radicalidade a saúde como mercadoria de troca dos governos... Reverter isso é muito difícil e, por outro lado, impedir que gestores descomprometidos atuem pelo desmonte do SUS tem sido cada vez mais complicado. O contraponto a isso seria a maior presença do Estado e da Sociedade. Regulando e controlando para garantir o direito e o interesse público.

Portal Cebes: Todas as pesquisas de opinião divulgadas no período eleitoral demonstram que a saúde é a principal demanda da sociedade. Por outro lado, a mesma população que indica a Saúde como prioridade nessas pesquisas parece estar mais inclinada a adquirir assistência médica no mercado de planos e seguros privados. Como é possível modificar esse cenário?

Ana Costa: A população busca solução para a sua assistência medica no setor privado por que não acredita no SUS.  A opinião publica é produto de sua vivência e conta ainda com o papel da mídia e do próprio governo. Há uma convergência de forças que conduzem à crença de que o SUS é um sistema de saúde para os pobres. Aliás, na cultura colonialista nacional, é fácil convencer que os serviços públicos são para os pobres.

A conquista do direitos à saúde, de um SUS universal tal como na Constituição, não foi incorporada pelo povo brasileiro que, por sua vez  não se apropriou disso nem como conquista nem como um direito. Salvo na hora de defender os medicamentos e procedimentos de alto custo, muitas vezes amparado pelo Ministério Público. Essa cultura é reforçada pela precariedade que o SUS apresenta, pela pouca valorização de suas excelências e avanços. O trabalho que nos espera para reverter isso é  longo, é remar contra a maré. Precisamos criar atalhos, encurtar caminhos e por isso a importância desses momentos eleitorais, oportunidades da democracia e do debate como oportunidades que são para a ampliação da consciência crítica popular.

Portal Cebes: Muitas pessoas acreditam, talvez através do olhar recortado da mídia, que o setor de saúde não precisa de mais recursos, e sim de maior controle sobre a receita repassada para o campo da saúde pública, tendo em vista tamanha corrupção. Quais os perigos desse raciocínio para a saúde pública brasileira e qual a importância de se fazer o debate na época das eleições?

Ana Costa: A saúde não precisa de mais recursos, mas precisa de mais recursos com urgência! A saúde precisa de profissionais qualificados, bem pagos, com plano de cargos e salários e com muito compromisso. Precisa de bons e qualificados gestores, precisa da maior presença do Estado na regulação oportuna e eficaz, precisa de ferramentas adequadas de gestão, precisa de compromisso político dos governantes, de tecnologias e insumos nacionais sustentáveis, de mais pesquisa, maior articulação entre os integrantes do sistema publico para realmente operar o SUS. E precisa de muito mais!

Não há ordem de prioridade das necessidades e precisões para que se garanta um SUS universal e de qualidade para os brasileiros. Mas é preciso compreender que é preciso mais recursos financeiros, pois a adequada destinação de dinheiro é vital para que uma política possa se instituir como prioridade. E até hoje o SUS não dispõe de dinheiro suficiente para o total de brasileiros que hoje temos em nosso país. Nosso gasto per capta no Brasil é muito baixo e não permite sustentar critérios de qualidade e integralidade.

Temos sim ainda muita corrupção, mas hoje ela é mais combatida e a gestão publica está mais transparente. O Brasil tem aperfeiçoado alguns mecanismos de combate à corrupção de forma eficiente, mesmo não suficiente ainda. A saúde precisa de maior intensificação do combate à corrução, mas precisa também estancar outras sangrias que danificam o sistema. Muitos, de forma equivocada, defendem os mecanismos de privatização da gestão como estratégia de combate a corrupção, o que é uma farsa. A gestão pública sempre deve ser preservada, pois é uma forma de garantir o interesse público da saúde, ou seja, os interesses da população brasileira.

Fonte: Cebes

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