PICICA: "Há vários motivos pelos quais Espinosa poderia ser incluído numa contra-história da psicologia, seu pensamento ia de encontro a tudo que se passava em sua época, ”uma crítica radical a todas as formas de irracionalismo e superstição, seja na religião, na política, seja na filosofia”
(Chauí). Seus questionamentos o levaram à excomunhão, mas sua
honestidade filosófica era maior que as leis de sua sinagoga. No campo
do irracionalismo, se esforçou para mostrar que as interpretações
religiosas não deveriam ser levadas literalmente, a bíblia é escrita
numa linguagem fantasiosa, tanto o velho testamento quanto o novo. A
religião expressa apenas uma visão de mundo, uma tentativa de explicação
para aplacar a angústia da falta de conhecimento, o medo da morte, e
funciona mais como uma arma política que como uma porta para verdades
ocultas. Também lutou para integrar Deus e o mundo (veja aqui), num monismo radical, “o gênio de Espinosa se manifesta numa ruptura cardeal: ele não crê num Deus separado do mundo”
(Onfray). O Todo-Poderoso não é um Juiz, não está acima de nós, nos
julgando. Ele é nós, deus e a natureza são uma e a mesma coisa, ele se
manifesta nas leis que regem o universo e na própria substância do
universo. “O sistema de Espinosa inclui Deus, mas não um Deus
providente concebido à imagem dos homens [...] Não é possível rezar ou
suplicar ao Deus de Espinosa” (Damásio). Na política, defendeu a
democracia, quando todos em sua época diziam o oposto. Mas o principal,
do ponto de vista psicológico, é a sua visão da questão mente-corpo."
Espinosa – relação mente/corpo
Há vários motivos pelos quais Espinosa poderia ser incluído numa contra-história da psicologia, seu pensamento ia de encontro a tudo que se passava em sua época, ”uma crítica radical a todas as formas de irracionalismo e superstição, seja na religião, na política, seja na filosofia”
(Chauí). Seus questionamentos o levaram à excomunhão, mas sua
honestidade filosófica era maior que as leis de sua sinagoga. No campo
do irracionalismo, se esforçou para mostrar que as interpretações
religiosas não deveriam ser levadas literalmente, a bíblia é escrita
numa linguagem fantasiosa, tanto o velho testamento quanto o novo. A
religião expressa apenas uma visão de mundo, uma tentativa de explicação
para aplacar a angústia da falta de conhecimento, o medo da morte, e
funciona mais como uma arma política que como uma porta para verdades
ocultas. Também lutou para integrar Deus e o mundo (veja aqui), num monismo radical, “o gênio de Espinosa se manifesta numa ruptura cardeal: ele não crê num Deus separado do mundo”
(Onfray). O Todo-Poderoso não é um Juiz, não está acima de nós, nos
julgando. Ele é nós, deus e a natureza são uma e a mesma coisa, ele se
manifesta nas leis que regem o universo e na própria substância do
universo. “O sistema de Espinosa inclui Deus, mas não um Deus
providente concebido à imagem dos homens [...] Não é possível rezar ou
suplicar ao Deus de Espinosa” (Damásio). Na política, defendeu a
democracia, quando todos em sua época diziam o oposto. Mas o principal,
do ponto de vista psicológico, é a sua visão da questão mente-corpo.
Antes de Espinosa, podemos citar dois
filósofos que julgaram responder à questão mente-corpo. Platão definiu a
mente, ou alma [Psykhé], como “o piloto do navio”, dando preferência
para a alma que devia guiar o corpo. Aristóteles definia o corpo como
órganon (instrumento) da alma, mero instrumento no seu aperfeiçoamento,
dando preferência e supremacia para esta e não aquela. Todo sistema
cristão e posteriormente a filosofia de Descartes foram influenciados
por esse pensamento. A alma como guia do corpo, sua mestra, condutora. O
corpo como “morada da alma”, algo perecível, até mesmo sujo,
descartável. “Para Descartes, a mente humana não tinha extensão
espacial e substância material, duas características negativas que lhe
permitiriam sobreviver à morte do corpo. A mente era uma substância, mas
não uma substância física” (Damásio), desta forma a consciência
estava salva, a religião cristã também. Estas ideias correspondem à
visão da maioria das pessoas, principalmente àquelas que não costumam
refletir sobre o assunto, engolindo sem mastigar o senso comum.
Podemos perceber então como as visões de
Espinosa eram revolucionárias para sua época. Mente e corpo são uma só e
a mesma coisa: uma mesma substância que se mostra ora como mental, ora
como material. Elas interagem e se comunicam diretamente, porque uma é
manifestação da outra. A filosofia de Espinosa pode ser definida como um
monismo irrestrito, Não admira muitos negarem seu pensamento durante
décadas, afirmando que era ateísta, ímpio, herético.
O corpo espinosista é anticristão: não há nenhum dualismo no pensamento de Espinosa, nenhuma alma imaterial, incorruptível, eterna, amável e venerável, entendida como uma parcela da divindade capaz de nos ligar a Ela, nenhuma carne corruptível, pecaminosa, corrompida, mortal, detestável [...] O corpo é o objeto do espírito; o espírito, a idéia do corpo” – Onfray
Espinosa pretende responder à pergunta “o que pode o corpo?” (veja aqui),
mas nós aqui nos perguntamos: o que pode a mente? Ou melhor, para que,
então, serve a mente? Através da definição de Espinosa do conceito de conatus podemos chegar à resposta. “O interesse do corpo e da alma é a existência de tudo quanto contribua para mantê-la”
(Chauí). Tudo que existe quer manter-se em si mesmo, e faz um esforço
nesta direção. O objetivo do corpo é continuar existindo, ele é
natureza, mas separa-se dela através da pele e procura manter sua forma
própria. E através desta separação, define sua causa interna de
existência, rompendo com causas exteriores ou finalismos de qualquer
tipo. O ser humano não é livre, todos os seus desejos, apetites,
vontades, são definidos pelo conatus. E, assim, podemos ver como a mente
consciente também é apenas uma ferramenta do ser para preservar-se, “a
mente emerge num cérebro que é parte integrante de um organismo, a
mente faz parte também desse organismo. Em outras palavras, corpo,
cérebro e mente são manifestações de um organismo vivo” (Damásio).
Vemos então que a alma, ou mente, não
está acima do corpo, como previra Platão e Aristóteles, nem mesmo fora
do corpo, como afirmou Descartes e os ensinamentos cristãos; mas sim
está a serviço do corpo, a mente se manifestou evolutivamente e se
conservou porque trazia benefícios àqueles que a possuíam. E ela
se forma a partir das informações que recebe do corpo. O cérebro é uma
máquina de processamento cujo funcionamento ajuda na sobrevivência, e a
mente consciente é um sistema operacional.
A mente existe para o corpo, está empenhada em contar a história daquilo que se passa no corpo, e utiliza essa história para melhorar a vida do organismo. O cérebro está repleto dos sinais do corpo, a mente é feita desses mesmos sinais, ambos são os servidores do corpo” – Damásio
Claro que estas idéias hoje recebem apoio
da neurociência, algo que Espinosa nem poderia imaginar em sua época,
mas sua intuição de inverter a prevalência mente sobre corpo, preferir a
imanência à transcendência, tudo isso lhe deu as bases necessárias para
fundar uma filosofia que parece muito mais fiel à realidade do que as
viagens metafísicas da glândula pineal de Descartes.
Todas as informações que a mente recebe,
vêm dos estímulos corporais. Tudo que a mente sabe, ela sabe através dos
cinco sentidos. O cérebro não conhece mundo real, só conhece as
informações que chegam a ele através das sensações, ou seja, a mente
consciente apenas se manifesta através do corpo, é um complemento, está
inserida nele. Concluindo, se não há corpo, não há mente.
Pela primeira vez, em toda a história da filosofia, corpo e alma são ativos ou passivos juntos e por inteiro, em igualdade de condições e sem relação hierárquica entre eles. Nem o corpo comanda a alma nem a alma comanda o corpo. A alma vale e pode o que vale e pode seu corpo. O corpo vale e pode o que vale e pode sua alma” – Chauí
Não nos surpreende mais que Espinosa
tenha sido ignorado, e até temido, durante tanto tempo, suas afirmações
vão contra tudo que outros filósofos diziam em seu tempo. “A alma é
ideia do corpo”, sem transcendência, sem espírito, sem vida após a
morte. Tudo muito mais simples. As bases epistemológicas da filosofia de
Espinosa levam a uma ética, onde viver bem e ser feliz significa viver
de acordo com a natureza, que se confunde com Deus, algo que podemos
dizer que o filósofo fez com admirável proeza e simplicidade. O conatus é
a base para encontrar a “alma”, ou mente consciente, que depende
exclusivamente de seu lado material. Os instintos, os sentimentos, as
emoções também estão ligados a ele, tudo que aumenta a potência de ser e
permanecer em si mesmo, pode ser definido como alegria; e tudo que
diminui a potência de seu ser a permanecer em si mesmo, é definido como
tristeza.
Notaremos a grande influência de Espinosa sobre Schopenhauer (Vontade), Niezsche (Vontade de Potência)
e Freud (Pulsões). Outros que foram muito influenciados por Espinosa
foram Goethe, que andou por muito tempo com um exemplar de Ética
(principal obra de Espinosa) em seu bolso; e Einstein que “sentia-se em sintonia perfeita com a visão que Espinosa lhe dava do universo, em geral, e de Deus, em particular”
(Damásio). Espinosa erigiu um sistema filosófico ao contemplar o mundo,
procurando compreende-lo, para pôr fim às causas da infelicidade
humana, sua servidão, seus medos, sua “selvagem e triste superstição que veda ter prazer”
(Onfray). Enfim, agradecemos por suas palavras lúcidas e aguardamos o
próximo momento de continuar expondo as admiráveis idéias deste grande
filósofo.
Fonte: Razão Inadequada
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