PICICA: "Há uma grande distancia entre os grandes projetos
desenvolvidos na Amazônia e as populações locais. No caso específico aqui
analisado, estabeleceu-se um processo de destruição da natureza e das relações
sociais preexistentes. Numa primeira visão, pode-se dizer que nada de positivo
foi introduzido na vida das pessoas. Ao contrario, retiraram-lhe parte das
condições de sobrevivência, não apenas econômica, mas também social, cultural e
política. “É como se elas não existissem ou, existindo, não tivessem direito ao
reconhecimento de sua humanidade” (JOSÉ DE SOUZA MARTINS)."
Foto: Mina do Pitinga, da Mineração Taboca, em Presidente Figueiredo-AM; produz a liga de tântalo-nióbio.
No dia 27 de setembro de 1989 o vereador Serafim Corrêa denunciou: “em 1987, a Paranapanema faturou com a nossa cassiterita NCZ$ 1.789.500.069,00 (um bilhão setecentos e oitenta e nove milhões e quinhentos e sessenta e nove mil cruzados novos), enquanto a Prefeitura de Manaus, para dar de comer, beber, vestir, educar e cuidar de uma população acima de um milhão e trezentos mil habitantes recolheu NCz$ 1.300.000.000,00, ou seja, 37,61% a menos. É, portanto, uma cidade dentro da outra”. (Diário do Amazonas – 27-09-89).
Um dia ouvi o Prefeito de Presidente Figueiredo se queixar na Câmara Municipal da nova direção da mineradora, hoje em mãos de estrangeiros, que a mesma já atuava há mais de um ano no município sem sequer se ter apresentado ao mandatário do município. E, na mesma oportunidade, um vereador afirmou que as firmas que exploravam as pedreiras no município não pagavam imposto algum, deixando apenas os buracos na estrada.
Sobre os minérios que saem da mina do Pitinga não existem registros nos informativos nacionais e mundiais. E não existe fiscalização alguma, como refere o geógrafo da Universidade Federal do Amazonas, Professor José Aldemir de Oliveira em sua tese de doutorado, “Cidades na Selva”. Escreve o Prof. José Aldemir:
[...] “o volume arrecadado parece estar aquém do devido, em decorrência da sonegação e da inércia do Estado que não criou mecanismos de fiscalização. Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, da ordem de US$ 63 milhões.”(p.176).
‘Um funcionário da SEFAZ - prossegue José Aldemir - descreveu o mecanismo de fiscalização: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto.” (p.177).
E conclui:
[O] “município de Presidente Figueiredo é sintomático, pois apesar de possuir o maior percentual de arrecadação de todo o interior do Estado, a cidade que lhe serve de sede nada tem, quer do ponto de vista urbanístico, quer do social, que a identifique como tal, sendo tão pobre quanto as demais cidades do interior do Amazonas. Esta contradição deve ser a base da análise dos grandes projetos na Amazônia, especialmente porque é a partir dela que o espaço é produzido.
Há uma grande distancia entre os grandes projetos desenvolvidos na Amazônia e as populações locais. No caso específico aqui analisado, estabeleceu-se um processo de destruição da natureza e das relações sociais preexistentes. Numa primeira visão, pode-se dizer que nada de positivo foi introduzido na vida das pessoas. Ao contrario, retiraram-lhe parte das condições de sobrevivência, não apenas econômica, mas também social, cultural e política. “É como se elas não existissem ou, existindo, não tivessem direito ao reconhecimento de sua humanidade” (JOSÉ DE SOUZA MARTINS).[1]
Ora, se a observação acima se refere ao controle de uma das mais importantes minas do país, que tipo de controle realmente ocorrerá sobre as pedreiras e as madeireiras da BR-174 que serão as favorecidas com a Subestação da Linha de Transmissão Manaus-Boa Vista a ser instalada na BR-174 no Km 152? Assim o Linhão, como a BR-174, são “veias abertas” da Amazônia e o nosso dinheiro vai sendo utilizado para construir absurdos que desde a sua concepção contradizem qualquer princípio humanitário.
O conceito de desenvolvimento na Historia Oficial, portuguesa e brasileira, referente à Amazônia, tem ligação com a alienação dos povos da região, com o (des)envolvimento de sua terra e com a transferência das riquezas naturais para outras partes do mundo, sem objetivar o bem-estar da população local e regional.
Casa da Cultura do Urubuí, 23 de julho de 2014,
Egydio Schwade
[1] OLIVEIRA, José Aldemir. Cidades na Selva. Valer: Manaus, 2000 (pgs. 178-179).
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