PICICA: "Foi Nietzsche, no prólogo de Gaia
Ciência, quem nos trouxe a ideia de que toda filosofia é fruto de uma
fisiologia, toda manifestação psicológica passa pelo corpo. Sendo assim,
todo modo de vida implica em uma visão de mundo. Hoje trazemos uma
comparação entre dois filósofos com concepções de existência bem
diferentes, possivelmente opostas. Não devemos necessariamente escolher
entre uma delas, mas entendê-las pode nos ajudar a pensar e fundamentar
nossa própria filosofia."
Leibniz e Schopenhauer: o melhor ou o pior dos mundos?
Foi Nietzsche, no prólogo de Gaia
Ciência, quem nos trouxe a ideia de que toda filosofia é fruto de uma
fisiologia, toda manifestação psicológica passa pelo corpo. Sendo assim,
todo modo de vida implica em uma visão de mundo. Hoje trazemos uma
comparação entre dois filósofos com concepções de existência bem
diferentes, possivelmente opostas. Não devemos necessariamente escolher
entre uma delas, mas entendê-las pode nos ajudar a pensar e fundamentar
nossa própria filosofia.
Schopenhauer é talvez o maior representante do pessimismo europeu. Uma de suas máximas era: viver é sofrer.
Nascido em 1788, seu pai o convence a desistir do mundo acadêmico para
fazer com ele uma viagem pelo mundo e depois dedicar-se ao comércio.
Então, em 1804, Schopenhauer tem a chance de viajar por toda Europa. Com
o fim das Guerras napoleônicas, a monarquia havia sido restaurada na
França e Napoleão estava preso em Santa Helena. O resultado, aquilo que
Schopenhauer pode ver durante toda sua viagem, foi o caos deixado pela
guerra: milhares de mortos, dor, sofrimento, fome. A guerra havia
espalhado a tristeza, a desesperança, as doenças e carências…
Com isso, Schopenhauer desenvolve uma
filosofia baseada no consolo. Entender o mundo significa ver todo
sofrimento que o atravessa, quanto mais inteligente, mais sensibilidade
para perceber as dores do mundo. A essência íntima de tudo que nos
permeia é a Vontade, definida pelo filósofo como um ímpeto cego e
insaciável que se consome em seu próprio ato de manifestação. Vontade é
sempre vontade de algo, e essa necessidade gera sofrimento. Vemos aí se
delinear todas as estruturas para uma pessimismo completo.
O desejo é ilimitado, mas sua realização é
limitada. Por isso, Schopenhauer define o prazer como negativo. A dor é
positiva, constante, porque é a expressão de uma necessidade não
satisfeita. O prazer nada mais é do que a dor que cessa; mas supondo que
toda dor acabasse, seríamos tomados por um tédio tão insuportável que
não suportaríamos viver. Esta é a maldição dos ricos e poderosos, não
saber o que fazer de si mesmos, sendo tomados pelo mais mortal tédio,
pelos mais enfadonhos sentimentos. A vida, diz Schopenhauer, é como um
pêndulo, oscilando entre a dor e o tédio.
Uma saída possível são as artes, sendo a
música sua manifestação mais complexa. O mergulho no mundo das artes
permite poucos momentos de contemplação da existência sem a dor que a
acompanha. Outra saída é a negação completa da Vontade, possível através
dos exercícios ascéticos dos santos e budistas, que, como sabemos, vêem
no apego toda a fonte de dor e treinam sua mente para se desprenderem
deste mundo. Schopenhauer dizia, criticando Leibniz, que este mundo não
devia ter sido feito por um Deus bondoso e todo poderoso, mas sim por um
demônio impiedoso e cruel, e que se pudéssemos bater na lápides
perguntando aos mortos se gostariam de voltar a viver estes responderiam
negativamente, pois não há dúvida que preferem a morte.
Leibniz
é, ao lado de Descartes e Espinosa, um dos grandes nomes da filosofia
moderna do séc.XVII. Mas seu renome vai muito além da filosofia, sendo
considerado, ao lado de Newton, um dos pais do cálculo moderno,
especialmente da integral. Seu pai era professor de filosofia moral e,
embora ele tenha morrido quando Leibniz tinha apenas 6 anos, seu
trabalho influenciou fortemente a formação de seu filho, especialmente
os estudos relacionados à escolástica e os fortes valores cristãos nos
quais geria sua família. Leibniz formou-se primeiramente em Direito e
depois em Filosofia. Estudou particularmente a obra de Aristóteles e,
não havendo gostado das soluções propostas por ele, passou a repensar a
obra e propor novas apropriações daquelas ideias, que tinham, segundo
ele, um valor frequentemente subestimado pelos seus contemporâneos. Ele
funda assim uma filosofia de forte caráter escolástico, mas sempre com
uma apropriação condizente com o pensamento da ciência moderna, à qual
também se aplicava com afinco.
Ao abrir o primeiro livro de filosofia que Leibniz escreveu, o Discurso de Metafísica (1686), nos deparamos com um cenário bastante diferente daquele de Schopenhauer. Ele nos diz: “Deus é um ser absolutamente perfeito“. Eis o seu primeiro axioma, isto é, um dos alicerces de seu pensamento. E como é o mundo criado por um ser que “age da forma mais perfeita“?
O melhor possível, pois “é agir imperfeitamente agir com menos
perfeição do que se podia”, ou seja, Deus não podia ter criado um mundo
melhor, sua perfeição o levou a criar o melhor dos mundos possíveis, no
qual encontramos a mais perfeita ordem e harmonia. Se por acaso
questionarmos essa perfeição, Leibniz afirma que nosso conhecimento é
que é falho, nós, humanos, não entendemos a obra de Deus, pois se acaso
entendêssemos veríamos as belas razões pelas quais tudo é como é. Este é
o seu “princípio de razão suficiente”, há sempre motivos o bastante
para o que é ser como é.
Sua definição de Deus se aproxima da de
Espinosa no que concerne à perfeição, isto é, parte-se do princípio que o
perfeito é aquilo que não é passível de melhora, só aquilo que é “forma
ou natureza insuscetível do último grau” é perfeição. Além disso, Deus
nada faz fora de ordem, toda a criação, todo o funcionamento do mundo é
perfeitamente harmonioso e regular. Mesmo o que se costuma chamar de
milagre é mera ignorância do entendimento humano.
Deus criou também cada ser humano
individualmente em sua essência. Somos todos substâncias individuais
(Leibniz chama posteriormente de Mônada) dotados da capacidade
de criar tudo aquilo que nos é necessário, capazes de nos desenvolver da
melhor maneira possível, contanto que estejamos preocupados em agir de
acordo com as nossas designações.
O pensamento de Leibniz é pleno em
otimismo. Articula ao mesmo tempo os escolásticos e os modernos; a
filosofia natural e a moral; a liberdade e a determinação; o contingente
e o necessário; a simplicidade das razões e a riqueza dos efeitos… É
uma teoria de fato sistemática que aborda as diversas e polêmicas
questões da história da filosofia do ponto de vista de alguém que aposta
na bondade de um criador perfeito.
Expusemos neste texto alguns dos pilares
que sustentam a filosofia destes dois grandes pensadores, não se tratam
de argumentos, mas de pensamentos que fundam uma visão, um sistema.
Neste sentido, é sempre curioso ver como a maneira de pensar influencia
diretamente na maneira de viver, a biografia transforma-se em filosofia e
vice-versa. Pois bem, no que te parece mais sensato apostar: no melhor
ou no pior dos mundos?
Fonte: Razão Inadequada
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