PICICA: "Não há nada que o homem livre pense menos que na morte, e sua sabedoria não consiste na meditação da morte, mas da vida” – Espinosa, Ética IV, prop. 67"
“Toda alegria quer a eternidade”
“A mitologia diz que os deuses invejam nossa mortalidade. Nossa mortalidade é o que torna a vida preciosa e algo para ser saboreado. Compelidos pela pressão do tempo para atingir a grandiosidade, talvez a nossa mortalidade proporcione a nossa humanidade. Mas enquanto formos mortais, nunca deixaremos de sonhar com a vida eterna. Isso também, é o que nos torna humanos.” – Morgan Freeman, retirado da série “Through the Wormhole“.
Vários pensamentos me vêm à cabeça.
Dentre eles, um acima de todos: não quero morrer, quero viver! Não quero
parar de sentir, não quero que a vida chegue ao fim. Esta é uma questão
que por vezes me consome. O problema não é o medo da morte, muito pelo
contrário, é a vontade de vida!
Não sei qual a utilidade do universo.
Aliás, é provavel que ele simplesmente não tenha utilidade, porque mesmo
se tivesse algum destino a se cumprir, poderíamos facilmente não
fazê-lo, desafiar Deus e seus planos. Por isso a questão é outra: tenho
consciência de minha existência e algo em mim luta para continuar
existindo. “A vida é o conjunto de forças que resiste à morte”
(Bichat). Quero continuar consciente, quero estar aqui amanhã e sempre.
Porque todo meu ser luta para permanecer e conservar-se nele mesmo. E
percebo que esta vontade de viver mais e mais nunca acaba, pelo
contrário!, quanto mais eu vivo, mais eu quero viver, quanto mais eu
experiencio a felicidade, com mais coragem enfrento a dor.
Não há nada que o homem livre pense menos que na morte, e sua sabedoria não consiste na meditação da morte, mas da vida” – Espinosa, Ética IV, prop. 67
Nestas horas, o ateísmo age como uma
operação radical sem anestesia, um soco do real na boca do estômago, um
remédio amargo que nos revigora. Experienciar o “tudo é em vão”, “tudo é
absurdo”, desespera… mas pelo menos neste caso, a filosofia não nasce
da morte, nasce da vida! A força para viver e se afirmar é o que nos
leva a vencer o próprio niilismo e não cair no desespero!
O texto sobre “O Mito de Sísifo” (veja aqui)
talvez não tenha ficado claro. Para Camus, a grande questão da
filosofia é saber se devemos ou não suicidar-nos. É preciso dar sentido
para o sem sentido da existência: é preciso ver Sísifo como abençoado!
Temos necessidade de decidir se a vida merece ou não continuar. Então eu
pergunto, caso seja possível justificá-la, por que não para sempre? Uma
justificativa com prazo de validade substituível mas interminável.
“Não há nenhuma lei no universo que nos impeça de encontrar o segredo da longevidade, e talvez, o segredo a imortalidade”
(Michio Kaku). Morremos porque a forma com a qual nossos átomos estão
ordenados chega ao fim, se desarranja. As relações que nosso corpo
estabelece entre si mesmo se desfaz e adquire novas relações com outras
partes exteriores a nós. A morte nada mais é que a desordem de um
sistema fechado chamado corpo. Mas caso um dia tenhamos meios para
manter a ordem de nossos corpos, e então a chance de viver eternamente,
deveríamos recusar?
Por que não? A vida na verdade é um
conjunto de vidas que se renovam e se multiplicam em nós. Cada dia que
passa somos capazes de afirmar a diferença em nós, temos a capacidade de
nos metamorfosear. Um ano, uma década não é o bastante para nos
tornarmos outros? A vida morre em si mesma para renascer e se recriar.
Participo desta recriação de mim mesmo e das várias vidas que passam por
mim.
“Para que“, alguém vai perguntar, “viver para sempre?“. Porque, como dizia Nietzsche, “toda alegria quer a eternidade!“.
Estamos aqui, esperienciando algo entre duas faíscas chamadas
nascimento e morte, nada mais do que isso; temos então o dever ético,
mas também o prazer existencial, de fazê-lo da melhor maneira possível.
Está é a confirmação máxima do Eterno Retorno, fazer da existência e da vida algo que valha a pena se repetir infinitas vezes.
Toda existência supõe uma saída do nada com a única perspectiva de voltar a ele um dia” – Onfray
Sendo assim, o essencial é não morrer em
vida, porque só existe esta realidade e só ela importa. Devemos
aproveitar e estender tudo que se encontra no meio desse processo. A
busca pela eternidade é legítima: afirmar a vida implica afirmá-la para
sempre, sem restrições, em sua dor e prazer. Não uma nem duas vezes,
eternamente! A busca pela vida e pelo prazer engloba a busca pela
eternidade. O devir é eterno e eterna é a luta da vida para manter-se e
ampliar-se.
Vós, homens superiores, aprendei pois, o prazer quer a eternidade – o prazer quer de todas as coisas a eternidade, quer profunda, profunda eternidade!” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra.
Fonte: Razão Inadequada
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