PICICA: "A advogada Nadine Borges, presidente da Comissão da Verdade do Rio,
denuncia que os militantes acusados não estão tendo direito à ampla
defesa"
“Mídia não pode condenar antes do julgamento das sentenças”
Pablo Vergara
A advogada Nadine Borges, presidente da Comissão da Verdade do Rio, denuncia que os militantes acusados não estão tendo direito à ampla defesa
23/07/2014
Renata Sequeira
do Rio de Janeiro (RJ)
O Brasil de Fato conversou
com a presidente da Comissão da Verdade do Rio, Nadine Borges, que
participou, nesta terça-feira (22), do ato na OAB que discutiu as
arbitrariedades cometidas na prisão de militantes na última semana. Ela
também falou sobre os trabalhos à frente da CEV-Rio e a questão da
desmilitarização da polícia.
Brasil de Fato - Em que medida as prisões dos militantes se confundem com os métodos utilizados no período da ditadura militar?
Nadine Borges -
Na ditadura todos eram culpados até que se provasse o contrário. Hoje, o
que vemos, são pessoas sendo indiciadas e já julgadas pela mídia quando
as próprias autoridades judiciárias não conseguem acessar os autos de
um processo. O direito à manifestação é garantido constitucionalmente.
Só na ditadura é que o habeas corpus foi suprimido. Não é
possível que uma autoridade policial descumpra o pedido de uma
autoridade judicial. Isso racha a base de um estado democrático de
direito. Ninguém pode ser acusado sem a individualização das condutas. A
denúncia do Ministério Público é inepta em si, ou seja, não pode
produzir efeitos jurídicos, pois ninguém consegue se defender sem saber
do que está sendo acusado. Na ditadura era isso o que acontecia. Isso é
inegociável na democracia. Todos, sem exceção, têm direito ao
contraditório e a ampla defesa. A mídia e os meios de comunicação
hegemônicos não fazem parte da estrutura do judiciário, portanto, não
podem condenar as pessoas antes das sentenças judiciais serem julgadas.
Brasil
de Fato - A Polícia Militar foi contestada pelo uso excessivo da
violência ao coibir as manifestações que tomaram conta das ruas do país
desde o ano passado. A partir disso, o pedido pela desmilitarização da
polícia se intensificou. Como você enxerga esse processo?
Em
1969, a partir de um decreto do então presidente Costa e Silva, as
polícias militares se tornaram força auxiliar das Forças Armadas. Com
isso, passaram a desempenhar um papel distinto daquele que deveria ser a
sua função: garantir a integridade física das pessoas e a ordem
pública. As Forças Armadas são treinadas para a defesa da soberania
nacional e recebem formação para atuar, inclusive, em casos de guerra. O
que vemos atualmente é uma polícia que executa jovens, negros e pobres
nas favelas e que os elegeram como inimigos a serem combatidos, como se
vivêssemos em uma guerra. Criam guetos de estado de exceção na
democracia. Faz-se urgente o debate sobre a desmilitarização da polícia.
Os policiais não recebem formação adequada e a responsabilidade não é
deles, do ponto de vista individual, mas sim do Estado responsável pela
garantia dos direitos humanos.
Brasil de
Fato - Você assumiu recentemente a presidência da Comissão da Verdade do
Rio. Quais os próximos passos da comissão que entra em seu último ano
de trabalho.
Estamos na metade do
caminho e daremos continuidade ao trabalho que já vinha sendo
desenvolvido. Uma das prioridades é a transformação do prédio do DOPS em
um espaço de memória. A ideia é que o local não se limite apenas a
função de museu, o que é indispensável ao resgate da memória e da
verdade do país, mas que possa funcionar como um centro de pesquisa e
difusão dos direitos humanos. Outra pauta é o avanço nas investigações
sobre mortos e desaparecidos. A comissão, desde o início, enfrenta
resistência por parte das Forças Armadas em disponibilizar os seus
arquivos. O Ministério da Defesa, por exemplo, continua se negando a
entregar dados do quadro de funcionários do Batalhão de Infantaria
Blindada de Barra Mansa. O pedido agora será feito por ofício, já que
essas informações são fundamentais para avançar nas pesquisas da UFF,
com financiamento da FAPERJ, em parceria com a CEV-Rio. São mais de 20
agentes da repressão, como Dulene Garcez, ainda vivo, que atuou no sul
fluminense antes de vir para o DOI-Codi. A CEV-Rio vai continuar nessa
luta para a abertura dos arquivos.
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário