A Universidade é nossa
Prof. Guilherme Gitahy de Figueiredo
Universidade do Estado do Amazonas
Sabendo dos riscos que corria, Portugal proibia as colônias de terem suas próprias gráficas e universidades. Após vinda da corte ao Brasil, começamos muito lentamente a implantar o ensino superior. Até hoje predominam instituições transmissoras da cultura européia e estadonidense, com a função quase estrita de replicar no Brasil as profissões e instituições que asseguram nossa integração subalterna à chamada "civilização". Não é por mera incapacidade nossa: vale dizer que as elites de hoje são filhas e ainda nutrem muitos dos valores daquelas que primeiro nos colonizaram, e que não aderir aos valores e visões de mundo dos grandes impérios ainda é correr o risco das guerras, cercos econômicos e golpes de Estado patrocinados pelas metrópoles.
Dentre as experiências mais ousadas para estabelecer em nosso país a universidade com papel emancipador, instrumento para a autonomia na produção cultural (dos valores e significados que orientam as nossas ações), podemos destacar a Universidade do Distrito Federal (1935) e a Universidade de Brasília (1961), idealizadas por Anísio Teixeira e seu discípulo, Darcy Ribeiro. Foram pensadas como espaços para a produção livre do saber e a transmissão da cultura nacional, com liberdade de pensamento, de expressão, e com produção científica ligada às culturas e interesses dos povos brasileiros (na época "povo" se dizia no singular).
Experiências como estas não sobreviveram inteiramente à oposição das elites e ao ataque das ditaduras. No entanto, nos últimos 60 anos (podemos escolher como marco a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em 1948) a pesquisa brasileira vem avançando pouco a pouco nas universidades e institutos. Uma sociedade cuja universidade não tem pesquisa está abrindo mão de ter a sua própria ciência. Sua universidade torna-se legitimadora e vulgarizadora de uma ciência que não é dela: fruto de outras culturas e outros interesses, mesmo assim é importada e transformada em dogma e signo de distinção e poder para aqueles que se aliam de modo subalterno aos impérios travestidos de "civilização".
Mas somente fazer pesquisa não garante a autonomia. Produzir que tipo de conhecimento? Conhecimento que resolve os problemas de quem? Que contribui para o desenvolvimento do que? No Brasil tem predominado a pesquisa que atende aos objetivos formulados no Estado e nas corporações capitalistas que financiam a ciência. Poucas questões abordadas por "nossa" ciência emergiram dos saberes, das experiências e necessidades dos nossos povos. Se agora produzimos conhecimento, os valores e visões de mundo que informam a formulação dos projetos de pesquisa ainda são aqueles enraizados nas culturas dos povos que sempre nos dominaram.
Façamos de nossas universidades espaços para se cultivar a liberdade de pensamento, de expressão, o avanço de nossas culturas e saberes através da produção colaborativa, da pesquisa, das danças e outros modos de invenção cultural que sejam fortalecimento de nossas tradições e apropriação antropofágica de conhecimentos estrangeiros que sejam úteis aos desenvolvimentos que queiramos. Não este "desenvolvimento" que é apenas crescimento da economia de elites predadoras da natureza e do ser humano, e sim os desenvolvimentos sustentáveis (ecologicamente equilibrados, democráticos e socialmente justos) dos únicos povos que não destruíram suas florestas.
Da parte das universidades, o caminho mais certo para que não se percam de seu compromisso com os seus povos é o dos trabalhos de "extensão universitária": a mobilização da produção de conhecimentos, partindo-se da sabedoria profunda dos nossos povos, para a realização de ações concretas de desenvolvimento comunitário. Mas não é suficiente. É preciso que os povos do Brasil ocupem as universidades, apropriando-se delas e fazendo-as instrumento para o seu avanço cultural. Que agenciem nelas espaços para difundir e compartilhar as suas culturas, bem como projetos de ensino, pesquisa e extensão que atendam aos seus anseios.
Fonte: Folha de Tefé
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