dezembro 20, 2008

O calote na América Latina

Lula e a América Latina
Oleo do Diabo

O calote na América Latina

Posted: 19 Dec 2008 11:29 AM PST

Por João Villaverde

No dia 02 de dezembro, o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou que estava estudando a possibilidade de não honrar sua dívida de US$ 462 milhões com o BNDES. Nove dias depois, anunciou a moratória de US$ 30,6 milhões de sua dívida externa. Ao todo, não dá 500 milhões de dólares.

A interpretação feita aqui no Brasil foi de novo ataque de um "amigo" latino-americano, no caso do BNDES, e de um movimento "populista", no caso da dívida externa.

É uma visão ultrapassada. O calote é um ótimo negócio.

A dívida externa do Equador é pequena em valores totais. Ao todo são US$ 1,3 bilhões. Isso é um contracheque para qualquer grande empresa brasileira. Mas proporcionalmente, é um grande valor para o Equador.

Parte dessa dívida é absolutamente discutível. Os tais US$ 462 milhões do BNDES, por exemplo. Quem tomou esse dinheiro emprestado foi uma empresa, que não cumpriu seu cronograma de obras no país vizinho. O que Rafael Correa fez foi pressionar para que o contrato fosse cumprido. Aliás, ele não deu o calote. Apenas disse que estava analisando a possibilidade. Continua pagando a parcela de juros ao BNDES.

Todo o estardalhaço tinha endereço, o mesmo desde 2003: caracterizar Lula como incompetente e ineficiente. Como Rafael Correa faz parte do novo movimento de esquerda que está no poder na América Latina, o tiro acerta dois alvos de uma só vez. Lula é burro e os esquerdistas latino-americanos são populistas.

Nada se fala dos avanços sociais e representativos que a Bolívia, a Venezuela, o Equador e mesmo a Argentina, no biênio 02-05 experimentaram. Não é uma questão de barrar qualquer crítica a Evo Morales, Hugo Chávez (que enfrentará um período muito difícil a partir de 2009), Rafael Correa e Kirchner (que a partir de 2006 mudou todo o rumo). Mas há de se ter critério e coerência.

Parece pedir muito de nossa imprensa e elite política e empresarial, eu sei.

O calote de US$ 30,6 milhões anunciado pelo Equador em 11 de dezembro último é irrisório. Se trata de uma dívida contraída por governos anteriores sem qualquer legitimidade. A idéia do cupom Global 2012 (os tais contratos que somam US$ 30,6 milhões) era financiar a banca privada internacional. O Equador não precisava do dinheiro quando tomou emprestado anos atrás. Não só não precisava como gastou errado: o dinheiro fora usado para pagar juros de outras dívidas. Portanto se trata de uma dívida totalmente discutível, e é isso o que Rafael Correa fez.

Ao anunciar o calote, o país suspende automaticamente o pagamento de juros mensais e o comprometimento de ainda pagar a dívida principal. Sobra mais dinheiro para investimentos importantes - como, por exemplo, construção de escolas e hospitais públicos.

E o calote não precisa ser levado às últimas consequências. Nunca é. se trata de um choque moral - antes de financeiro - nos credores. Com o medo do outro lado, aumentam as chances de uma renegociação super benéfica para o país lesado. Nesse caso, o Equador pode acabar negociando com os donos do Global 2012 por um pagamento 70 ou 80% menor e com juros baixíssimos.

Foi o que Kirchner fez nos primeiros três anos de seu governo na Argentina. Tinha um ministro da Fazenda muito hábil, Roberto Lavagna, que tratava de estudar e negociar com todos os credores, analisando contrato por contrato, situação por situação, tendo as limitações de caixa debaixo dos braços - funcionando como fator limitador dos pagamentos. Ao mesmo tempo, o presidente Néstor Kirchner dava todo o apoio político, funcionando como o anteparo para as críticas da imprensa elitista nacional e internacional.

Funcionou perfeitamente por três anos. A dívida externa e interna da Argentina foi cortada absurdamente. Quase 85% dos credores aceitaram os preços que o governo estava disposto a pagar. Os que não aceitaram estão até hoje sem receber, com os processos rolando em tribunais internacionais. Ao mesmo tempo, Lavagna desenvolveu uma política cambial inteligente, depois que a dolarização destruiu a economia argentina em 2001. O peso foi desvalorizado e fixado informalmente, aumentando a produtividade da indústria interna.

Boa parte disso foi jogado fora a partir do fim de 2005. Mas isso é outra história.

O calote do Equador também não vem sozinho. Rafael Correa não esconde de ninguém sua intenção de acabar com a dolarização, instituída no país em 2000.

A questão do calote também está pesando nas discussões entre Brasil e Paraguai, em torno das usinas hidrelétricas de Itaipu. O novo presidente do Paraguai, Fernando Lugo - que automaticamente entrou na mira da imprensa e da classe político-empresarial do Brasil - afirmou sua vontade de rever os contratos assinados com o Brasil, que criaram a Itaipu em 1973.

Em 1973 o Paraguai vivia a ditadura de Strossner (ditador entre 1954 e 1989). O Brasil estava na sua ditadura militar, e o general no poder era Garrastazu Médici. Não é preciso dizer mais sobre o clima político que gerou Itaipu.

A obra e a empresa - afinal, Itaipu é uma empresa, bom lembrar - alimentaram uma elite política no Paraguai que enriqueceu e se manteve no poder por todo esse tempo. Mesmo depois da saída de Strossner, o partido Colorado (que sustentava a ditadura) continuou no poder, agora vencendo "eleições" (são conhecidas até no mundo mineral as históricas de falcatruas e assassinatos envolvendo a "democracia" paraguaia). A vitória de Fernando Lugo, neste ano, tirou os colorados do poder após 61 anos.

Mas e dái, certo? Afinal, Lugo é "populista".

O pensamento pequeno ignora outras questões que cercam Itaipu. Não é de hoje que forças de esquerda paraguaias questionam o contrato que criou Itaipu. Questionam a 35 anos. Mas finalmente elas alcançaram o poder, tirando de lá "los barones de Itaipu", conforme a própria parcela privilegiada do país se referia a classe de estrategistas.

De maneira prática, o que se coloca é o seguinte:

- Toda a política gerencial de Itaipu é feita por brasileiros. Ou seja, é tecnicamente impossível que o Paraguai dê um calote no Brasil. Quem controla os pagamentos mensais de compensações sãos os próprios brasileiros!

- A gritaria que se forma é que o Brasil já fez sua parte, ao assumir praticamente sozinho os empréstimos externos para construir a usina, que é, até hoje, a maior hidrelétrica do mundo (será suplantada apenas agora, pela hidrelétrica Três Gargantas, na China). Os empréstimos que o Brasil dos militares tomou nos anos 70 para levantar Itaipu depois seriam mortais para o Brasil, durante nossa grave crise da dívida dos anos 80.

Existem uma série de fatores para serem levados em conta, não apenas o reducionista e ridículo argumento de que o calote, seja do Equador, seja do Paraguai, "ferem a soberania nacional".

Os blockbusters de Hollywood ferem mais nossa soberania nacional do que as negociações com Correa e Lugo!

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