dezembro 15, 2008

Os dez anos do supremo arbítrio: o AI-5

Gen. Costa e Silva - 1967-1969
15/12/2008 Copyleft

DEBATE ABERTO

Os dez anos do supremo arbítrio: o AI-5

Quem viveu os fatos da época tem bem mais do que cinqüenta anos de vida. Quem sobreviveu pode testemunhar, dependendo o lado em que estava e as posições que ocupou nas últimas quatro décadas. Quem estava do lado deles, obrigatoriamente, esconde o que realmente se passou.

Luís Carlos Lopes

Fazem quarenta anos. O tempo de uma geração se passou. Quem viveu os fatos da época tem bem mais do que cinqüenta anos de vida. Quem sobreviveu pode testemunhar, dependendo o lado em que estava e as posições que ocupou nas últimas quatro décadas. Quem estava do lado deles, obrigatoriamente, esconde o que realmente se passou. Quantos temores se foram e quantos novos passaram a ser sentidos.

Quantas alegrias entaladas na garganta foram saindo devagar, durante todo este tempo. Quantas tristezas jamais desapareceram, a não ser para os que fizeram de tudo para esquecer do passado, tal como os inimigos assim desejavam. Estes testemunhos, como quaisquer testemunhos, são compreensíveis, considerando-se o filtro do tempo, os compromissos assumidos na época e os que foram acordados depois.

Voltar no tempo é sempre uma tarefa curva. Não é possível recriá-lo com perfeição. Qualquer esforço nesta direção resvala no axioma da impossibilidade de ser absolutamente fiel ao passado, estando no presente. Entretanto, nada disto tem a ver com a falsificação, a mentira organizada e a tentativa de fazer crer que não poderia ser de outro jeito. É possível se aproximar do passado, com a cautela necessária, e revelá-lo aos mais jovens, deixando para eles a tarefa de julgar. Para isto, basta ter seriedade e objetividade, sem deixar de sentir, isto é, sem abandonar a emoção da experiência vivida.

Não dá para esquecer os nossos mortos, em sua maioria, sob tortura ou em covardes ciladas. Não é possível deixar de lembrar da época em que a posse de livros e crenças reformadoras da sociedade era o suficiente para amargar a prisão e castigos físicos sem fim. É impossível não lembrar de que as vozes da inteligência foram caladas, que as artes não podiam manifestar o sentimento de revolta compartilhado por muitos.

A censura oficial e a euforia fascista da época tentavam calar as vozes discordantes de todos os jeitos e maneiras que eles imaginavam. Jamais conseguiram sucesso absoluto. Sempre conseguimos de alguma maneira demonstrar que éramos contrários, dos modos que isto era possível de ser feito. Panfletos, muros pichados, músicas sutis de protesto, peças de teatro inteligentemente críticas, cartoons e matérias jornalísticas espertas nos mantiveram vivos, mesmo que, muitas vezes, presos, torturados, amordaçados, desempregados ou exilados.

A inteligência do poder era desproporcional a sua truculência. Eles eram fortes na repressão e fraquíssimos na capacidade de compreender o que se passava no mundo em que viviam. Na época da tortura institucional, as autoridades constituídas acreditavam tanto no seu poder, que nem sempre percebiam que estavam sendo criticadas em profundidade. Seguravam muita coisa, mas algo sempre passava, principalmente na imprensa escrita e nas indústrias culturais. O que eles controlavam mais profundamente era a televisão, convertida por eles em o novo ópio do povo. Mas, mesmo nela, vez por outra, surgíamos do nada e demonstrávamos que jamais tínhamos sido completamente derrotados.

Os tentáculos da ditadura estiveram muito presentes no ensino, sobretudo no superior. É verdade, que eles conseguiram mediocrizá-lo e despolitizá-lo. Até hoje, se vêem marcas desta ação sistemática e agressiva. Entretanto, mesmo neste ambiente vigiado, com o risco constante da prisão e de demissão, de alguma forma jamais deixamos de estar presentes, algumas vezes, com um custo muito elevado.

Intelectuais e alunos, em sua maioria, não aderiram à ditadura. Houve quem o fizesse, sem qualquer pudor. Mas, o mais comum foi o silêncio da sobrevivência, esperando o tempo passar. Obviamente, que isto exclui as clientelas trazidas para Universidade pelos professores fascistas da época. Estes cooperaram e, em alguns casos, traíram os seus próprios ideais. Aliás, isto ainda está bem presente no tempo que corre.

Os sindicatos foram amordaçados e a estrutura burocrático-pelega-estatal, conhecida e existente desde a era Vargas, fortaleceu-se. Entretanto, paralelamente, preparava-se o maior levante contemporâneo da massa operária e dos trabalhadores do setor de serviços brasileiros, ocorrido antes do fim do AI n.5 (1978). Portanto, as forjas de Vulcano fundiam, nas sombras, a crise da mesma lei, nos últimos três anos de sua vigência.

Luís Carlos Lopes é professor.

Fonte: Agência Carta Maior
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