Oleo do Diabo
O julgamento de Raposa/Serra do Sol
Posted: 11 Dec 2008 07:12 AM PST
Por João Villaverde
O julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação de terras da reserva indígena de Raposa/Serra do Sol em Roraima foi mais uma vez adiado. Dessa vez, foi o ministro Marco Aurélio Mello quem pediu vistas.
Agora a decisão será protelada até fevereiro do ano que vem. E os rizicultores (produtores de arroz) da região vão ficando onde os índios deveriam estar.
A história é inacreditável. Em todos os sentidos.
Um dos pontos que não ficou bem amarrado pela Constituição de 1988 é sobre a demarcação de reservas indígenas. Sempre ficou em aberto se as reservas deveriam ser demarcadas como "ilhas" ou como território contínuo. Qualquer pessoa com o mínimo de coerência sabe que o humanamente correto é a defesa de terras contínuas, que não separem tribos e famílias.
Porque pode parecer estranho para alguns. Mas os índios também são humanos.
Dez anos depois de promulgada a Constituição, o governo federal entrou com um pedido no Supremo - o órgão máximo do Judiciário brasileiro - para que decidisse, de uma vez por todas, o que deve ser seguido pelos estados brasileiros.
Já se passaram dez anos desde que o governo FHC fez o pedido. De lá para cá, nada mudou.
No início do primeiro governo Lula, o governo tomou uma decisão radical: mandou expulsar os arrozeiros da região Raposa/Serra do Sol até que o STF tomasse sua decisão. Em troca, o governo daria terras ainda maiores para esses fazendeiros. E mais importante: daria título de posse. Com a posse de donatário legal das terras, o fazendeiro pôde contratar crédito rural em bancos públicos e privados. Ou seja, um excelente negócio para eles.
Ainda assim, uma minoria dos arrozeiros não arredou pé. Entraram com um pedido para que o governo federal esperasse a safra que já estava plantada. O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza - um homem sério, famoso por ter liderado as investigações contra parlamentares ligados ao esquema do "mensalão" - acatou.
Isso foi em 2005. Os arrozeiros estão lá até agora.
No início desse ano o pedido de análise foi reforçado. A sessão de agosto recebeu um dos mais belos votos já feitos, por parte do ministro Carlos Ayres Brito. Ayres Brito desmembrou, um por um, todos os argumentos daqueles que fazem a defesa dos arrozeiros.
1) Dizem que os índios não podem ficar em faixas da fronteira do Brasil com outros países. A reserva Raposa/Serra do Sol, por exemplo, faz fronteira com os perigosíssimos países da Venezuela e da Guiana.
- Os índios defendem suas terras melhor que qualquer militar. Por lá só entra gente da Funai, que lida com comunidades indígenas, e o presidente da República. O argumento de que eles não defendem a soberania nacional é uma falácia antiga que os militares - que adoram uma teoria conspiratória - defendem. Os arrozeiros tomaram esse argumento para eles por interesse.
2) Dizem que os arrozeiros são mais importantes para o país porque produzem riqueza, enquanto os índios nada fazem para o desenvolvimento nacional.
Convenhamos. O que é desenvolvimento nacional? Se você responder que é devastar florestas, matar animais e dizimar índios para produzir arroz que será vendido no mercado internacional gerando riqueza apenas para meia dúzia de fazendeiro, então OK, eles estão certos.
Depois do voto de Ayres Britto, o ministro Carlos Alberto Direito pediu vistas, para que todos pudessem estudar melhor o assunto.
Quanto a estudar melhor o assunto, nada contra. Esse país está precisando de gente disposta a estudar melhor as coisas. Mas essa história está aí desde 1988. E o processo está lá no STF desde 1998! O mínimo que se espera de um ministro do Supremo é que conheça a Constituição ou que ao menos conheça os processos que lá estão.
O julgamento foi marcado então para dia 10 de dezembro.
Pois ontem, dia 10 de dezembro, lá estavam todos reunidos mais uma vez para finalmente decidir se a regra é justa para os índios ou para os rizicultores. Dos 11 ministros do Supremo, oito votaram. Todos a favor da demarcação de terras contínuas para os indígenas da região. Tudo corria bem, até que o ministro Marco Aurélio Mello pediu vistas ao processo.
A decisão foi, mais uma vez, protelada. Os índios continuam esperando. E o país continua esperando. Esperando enquanto os arrozeiros de Raposa/Serra do Sol ganham seu dinheiro com o arroz plantado onde índio deveria estar vivendo.
O que fazemos? Esperamos.
O julgamento do STF sobre o que fazer com os índios de Roraima é um desenho perfeito de algo maior: a história do Brasil.
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