PROPOSTA DO FÓRUM DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO PARA A DEFESA E EFETIVAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)[1]
PRINCIPAIS QUESTÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DO SUS:
- O predomínio da lógica macro-econômica de valorização do capital financeiro e subordinação das políticas públicas, sobretudo as políticas sociais à mesma, encolhendo os direitos sociais e ampliando o espaço do mercado.
- Manutenção do quadro de ampla desigualdade social e iniqüidades regionais e sociais nas condições de vida e saúde.
- Não viabilização da concepção de Seguridade Social inscrita na Constituição Federal de 1988 – que propõe uma política de proteção social universal, democrática e participativa.
- Subfinanciamento e distorções nos gastos públicos influenciado pela lógica do mercado, e utilização de modelos gerenciais de caráter privatizante.
- Déficit da balança comercial na área da saúde com dependência de importações e preços elevados para o setor público, de equipamentos, medicamentos e insumos estratégicos para a saúde.
- Dificuldades de acesso integral, universalizado e equânime em todos os níveis do sistema, aos serviços, bens e insumos, sobretudo a medicamentos.
- Ampliação contínua do provimento de ações e serviços de saúde através do mercado privado, e inserção de elementos de co-pagamento dentro do sistema público de saúde, ferindo a Constituição de 1988 e as Leis 8080/90 e 8142/90.
- Incorporação tecnológica indiscriminada no Sistema Único de Saúde, na perspectiva da mercantilização.
- Ausência dos princípios ético-políticos do Projeto de Reforma Sanitária, formulado nos anos 1980, o que reduz a possibilidade de enfrentamento efetivo das desigualdades sociais.
- Não valorização do Controle Social e da Participação Social. Falta de articulação dos movimentos sociais com os conselhos e conferências na defesa da saúde.
- Não cumprimento das deliberações dos conselhos e conferências de saúde em todos os níveis
- Precarização do trabalho e terceirização dos trabalhadores da saúde, bem como ausência de políticas de valorização e incentivo ao profissional.
- Processos de trabalho desarticulados, e a inviabilização da política de Educação Permanente em Saúde, dificultando a participação consciente, desestimulando a responsabilidade, e inibindo o exercício da criatividade.
- Introdução de mecanismos de competição dentro do setor público, com critérios de mercado.
- Modelo de atenção à saúde centrado na doença e focalizado, em detrimento das políticas universais, integrais e intersetoriais.
- Falta de articulação programática e alinhamento entre as três esferas de governo no que tange aos objetivos e diretrizes estratégicos para as políticas de proteção social.
- Modelo de gestão com configurações burocráticas e verticalizadas de organização dos processos de trabalho.
- Transferência para o setor privado de atividades de interesse público, através de privatizações e terceirizações, entre outros mecanismos.
- Estabelecimento de metas de forma não democrática, e que não atendem à demanda da população.
PROPOSIÇÕES PARA A DEFESA DA SAÚDE[2]:
- Definição de uma política econômica direcionada ao mercado interno de massas, articulada a uma política social de garantia de direitos sociais.
- Defesa da Seguridade Social como política de proteção social universal possibilitando a construção de políticas sociais intersetoriais que assegurem os direitos relativos à saúde, assistência social e previdência social.
- Convocar a Conferência Nacional de Seguridade Social e recriar o Conselho Nacional de Seguridade Social.
- Articulação do debate da Reforma Sanitária a um projeto de transformação social da ordem vigente, ou seja, de radicalização da democracia que permita um real deslocamento do poder em direção as classes subalternas.
- Aprimoramento do modelo de financiamento do SUS através das seguintes medidas:
a) Financiamento efetivo para as Políticas Sociais, com a retomada dos princípios que regem o Orçamento da Seguridade Social.
b) Lutar contra a manutenção da DRU (desvinculação das receitas da união de 20%dos recursos destinados aos setores sociais).
c) Regulamentação da Emenda Constitucional 29, que estabelece critérios e percentuais para financiamento das ações e serviços de saúde, enquanto se reconstitui o financiamento integrado da Seguridade Social compatível com as necessidades sociais.
d) Implementação de mecanismos de alocação eqüitativa que considere as diferenças loco-regionais e as variáveis sócio-epidemiológicas.
e) Ampliação da efetividade e a eqüidade na alocação dos recursos de investimento em saúde.
- Ampliação do desenvolvimento tecnológico e inovação em equipamentos, insumos, métodos e processos de saúde pública. Fortalecer a capacidade reguladora estatal de incorporação tecnológica de insumos e equipamentos.
- Fortalecimento efetivo do parque tecnológico público de produção de medicamentos e insumos estratégicos em saúde, e do marco regulatório sobre as indústrias privadas, nacionais e multinacionais.
- Ampliação da capacidade regulatória do Estado na iniciativa privada através dos seguintes mecanismos:
a) Aumento do controle sobre a rede privada de prestação de serviços e garantia de que esta seja complementar ao setor público.
b) Extinção dos subsídios e isenções fiscais para operadores e prestadores privados de serviços, planos e seguros.
c) Abolir a renúncia fiscal para gastos com planos, seguros ou desembolso direto em saúde, aposentadoria privada e gastos com educação (ou redirecionar esses recursos para o sistema público de saúde).
- Defesa dos princípios e diretrizes do SUS: universalidade, integralidade, participação social e descentralização. Combate a toda e qualquer tentativa de privatizar o SUS.
- Adoção do modelo de atenção centrado no cidadão de direitos, substituindo o modelo clínico. Ter como princípios a integralidade e a participação dos usuários no processo de promoção, prevenção e cura. Ampliar o acesso e a capacidade resolutiva da atenção primária e a continuidade do cuidado nos demais níveis do sistema. Incrementar ações e adequações que possibilitem uma maior humanização do cuidado, qualidade dos serviços e satisfação do usuário.
- Revisão dos modelos de gestão burocratizados, clientelistas e terceirizados para uma gestão pública e democrática com a efetiva participação dos diversos sujeitos sociais nos rumos da administração pública. Destaca-se como estratégias:
a) Democratizar as instituições de saúde (criação de conselhos gestores de unidade e colegiado de gestão).
b) Desmontar a lógica vertical e fragmentada das instituições de saúde.
c) Implementar medidas estruturantes de gestão para garantir maior flexibilidade e agilidade gerencial, e incrementar o desempenho e geração de resultados voltados para o desenvolvimento do Brasil e seus cidadãos.
d) Garantir a transparência da gestão e do controle dos gastos.
e) Implantar meios e instrumentos de acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação, orientados pelos resultados sanitários, e que meçam a eficiência no uso dos recursos e a eficácia das ações e serviços ofertados.
f) Articular as unidades no sistema (especificar com clareza os objetivos das instituições e seu perfil assistencial) e ampliar a capacidade de dar respostas efetivas às demandas.
g) Romper com o isolamento no setor saúde através da criação de novos canais com outras políticas setoriais, infraestruturais, e com outras instâncias e poderes (sociedade, academia, poderes judiciário e legislativo).
h) Investimento para a formação do “novo” gerente/gestor (estabelecimento de critérios para este gestor: não ser indicado e sim eleito, ter responsabilidade sanitária, ter capacidade para gestão democrática e participativa, ser servidor público concursado).
i) Estabelecer mecanismos de responsabilização dos gestores da saúde e dos órgãos executivos das três esferas de governo quanto aos resultados.
- Avançar na gestão do trabalho em saúde em quatro dimensões, tendo como foco a ampliação da estabilidade, do vínculo, da satisfação e do compromisso dos trabalhadores com o Sistema Único de Saúde:
a) Remuneração, vínculos e incentivos (através de Planos de Carreira, Cargos e Salários para o SUS) sem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a contratação de pessoal para os serviços e ações públicas de saúde e realização de concursos públicos.
b) Organização do processo de trabalho (novo relacionamento entre equipes com ênfase no trabalho interdisciplinar, participação dos trabalhadores na gestão, melhoria das condições de trabalho e cuidado com a saúde do trabalhador).
c) Educação permanente dos trabalhadores de saúde com a participação dos mesmos no processo e estabelecimento de articulação entre as unidades de formação e os serviços.
d) Redução das iniqüidades na alocação e fixação dos trabalhadores entre as regiões do país.
- Estabelecimento de diretrizes para a formação em saúde voltada para o interesse público da população, estímulo à reorientação dos currículos nas unidades de ensino para as profissões de saúde, estabelecer critérios para a abertura de novos cursos na área da saúde. Defesa do ensino público, gratuito e de qualidade.
- Desburocratização dos fluxos e das instâncias de negociação consensuada (comissões intergestoras), ampliando o caráter técnico e político das pactuações, ganhando em eficiência e transparência, e com participação do controle social.
- Concepção do setor saúde como um espaço de produção e como fator imprescindível de desenvolvimento através da criação de empregos e de riqueza para a nação, além da busca de meios para que as pessoas tenham melhores condições de vida e possam viver mais.
- Fortalecimento da Participação Social e do Controle Social na Saúde articulado com os demais movimentos sociais. Os conselhos são um dos mecanismos de gestão democrática e precisam exigir dos gestores o cumprimento das decisões das conferências de saúde bem como ampliar seus vínculos com os movimentos sociais. A participação dos sujeitos sociais só poderá ser efetiva se houver um amplo trabalho de democratização e socialização das informações para que ocorra uma intervenção qualificada e propositiva no sentido de exigir direitos e exercer formas de pressão sob o poder público.
- Ampliação da gestão participativa e da regulação externa e democrática do sistema público de saúde, articulando com o Ministério Público e outros órgãos /instâncias de representação popular não ligados diretamente à saúde.
A defesa da saúde considerada como melhores condições de vida e trabalho tem que ser uma luta organizada e unificada dos segmentos das classes subalternas articulada com os conselhos, movimentos sociais, partidos políticos para que se possa avançar na radicalização da democracia social, econômica e política.
Conforme afirma Netto (1990)[3], a generalização e universalização dos institutos cívicos, ainda no marco do ordenamento capitalista, é fundamental mas necessita-se ampliar seu conteúdo. Trata-se de postular uma democracia política com claros rebatimentos econômicos e sociais, ou seja, de construir uma democracia de massas organizada de baixo para cima. Este é um desafio posto na atual conjuntura: a ampliação da democracia política e social que conjugue as instituições parlamentares, os sistemas partidários, com uma rede de organização de base (sindicatos, conselhos, organizações profissionais e de bairro, movimentos sociais, democráticos, culturais, comunidades de inspiração religiosas).
[1] Agenda com base no documento “Política de Saúde na Atual Conjuntura: Modelos de Gestão e Agenda para a Saúde”, e revista pelos participantes do Curso de Atualização “Política de Saúde na Atualidade”, promovido pelo Projeto Políticas Públicas de Saúde da FSS/UERJ em 2009. Aprovada e revista na Reunião do Fórum de Saúde realizada no dia 31 de agosto de 2010.
[2] Muitas proposições defendidas nos seminários têm como referência a Carta de Brasília, fruto do 8° Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, realizado em junho de 2005, com a participação de mais de oitocentos participantes.
[3] Netto, José Paulo. Democracia e Transição Socialista: Escritos de teoria e política. Belo Horizonte, Oficina de Livros. 1990.
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