PICICA: "O grupo Vertov constitui um momento
de autocrítica Godardiana. O cineasta constata o efeito inócuo que tem
seus filmes sobre a sociedade. Junta-se a jovens estudantes e,
influenciado pela ideia maoísta de não diferenciação do trabalho
intelectual e manual, cria o grupo Vertov. O grupo realiza uma série de
filmes que evitam qualquer empatia com o público e forçam este à
reflexão, instigados pela criativa autonomia entre imagem e som. Chris
Marker organiza a formação do Grupo Medvedkine,(18) que realiza 14
documentários entre os anos de 67 e 74, acompanhando inclusive os
conflitos de 68. Coletivo formado por operários e cineastas, discutia
questões dos trabalhadores, visando o debate no próprio meio operário.
Ao mesmo tempo surgem os Cinétracts, uma série de 41 documentários
curtos de agitação política, realizados em 68 por cineastas consagrados e
amadores. Na Bolívia, articula-se em torno de Jorge Sanjinés o grupo
Ukamau, que realiza filmes junto aos povos indígenas, não só defendendo
suas causas mas utilizando-se das suas concepções de tempo e espaço. É a
partir da visão dos de baixo sobre o mundo que Sanjinés e seu grupo
constroem suas tramas."
1968 - Cinema e revolução 8 - O radicalismo de 68 - por um cinema do antipoder
A imaginação no poder. Este slogan resume o espírito dos artistas de 68. Não havia uma crise econômica, mas, sim, uma sociedade em crise, fraturada pela incomunicabilidade entre duas gerações que se tornavam antagônicas. A geração dos “pais”, que viveram as esperanças do pós-guerra e, de um modo geral, acabaram por aceitar os valores do American way, ignorando as guerras e agressões colonialistas no Terceiro Mundo. A geração dos filhos, que buscam uma nova forma de ser e estar em um mundo no qual não se identificam. A transformação não é aquela dos velhos manuais comunistas, onde a mudança do sistema econômico levaria à mutação de todas as outras esferas da sociedade. A geração de 68 recupera a idéia de moralidade de esquerda que havia se esvaecido no pesadelo stalinista. A imaginação no poder significa a constituição de um antipoder artístico, a quebra da ideia de autor em favor de um cinema livre, radical, coletivo.
Segundo o sociólogo Michael Löwi, “um dos componentes centrais do espírito de 68 é o romantismo revolucionário, um protesto cultural contra os fundamentos da civilização industrial-capitalista moderna e uma associação, única em seu gênero, entre subjetividade, desejo e utopia.” Löwi caracteriza o romantismo como “uma revolta contra a sociedade capitalista moderna, em nome de valores sociais e culturais do passado, pré-modernos, e como um protesto contra o desencantamento do mundo, a dissolução individualista-competitiva das comunidades humanas, e o triunfo da mecanização, da mercantilização, da reificação e da quantificação. Dividido entre a nostalgia do passado e os sonhos do futuro, ele pode assumir formas regressivas e reacionárias, propondo um retorno a formas de vida pré-capitalistas, ou uma forma revolucionária utópica, que não prega um retorno, mas um desvio pelo passado em direção ao futuro: nesse caso, a nostalgia pelo paraíso perdido está contida na esperança de uma nova sociedade.” (17)
O anticapitalismo radical possibilitava a constituição de diversos coletivos de cineastas, entre os quais ficaram mais conhecidos o grupo Vertov, do qual fazia parte Jean Luc Godard, e o grupo Mendvekine, integrado por Chris Marker. O ensaio desta nova concepção de cinema foi realizado em 67, com o filme Longe do Vietnã, crítica radical à guerra, feita coletivamente por diversos diretores de maior ou menor envergadura, figurando entre os mais conhecidos Agnes Varda, Joris Ivens, William Klein, Claude Lelouch, Alain Resnais, Jean Luc Godard e Chris Marker.
O grupo Vertov constitui um momento de autocrítica Godardiana. O cineasta constata o efeito inócuo que tem seus filmes sobre a sociedade. Junta-se a jovens estudantes e, influenciado pela ideia maoísta de não diferenciação do trabalho intelectual e manual, cria o grupo Vertov. O grupo realiza uma série de filmes que evitam qualquer empatia com o público e forçam este à reflexão, instigados pela criativa autonomia entre imagem e som. Chris Marker organiza a formação do Grupo Medvedkine,(18) que realiza 14 documentários entre os anos de 67 e 74, acompanhando inclusive os conflitos de 68. Coletivo formado por operários e cineastas, discutia questões dos trabalhadores, visando o debate no próprio meio operário. Ao mesmo tempo surgem os Cinétracts, uma série de 41 documentários curtos de agitação política, realizados em 68 por cineastas consagrados e amadores. Na Bolívia, articula-se em torno de Jorge Sanjinés o grupo Ukamau, que realiza filmes junto aos povos indígenas, não só defendendo suas causas mas utilizando-se das suas concepções de tempo e espaço. É a partir da visão dos de baixo sobre o mundo que Sanjinés e seu grupo constroem suas tramas.
A ideia de um cinema coletivo pressupõe a negação do cinema de autor, em favor de um cinema de criação conjunta dentro de um processo político de reflexão. Paradoxalmente, alguns de seus maiores entusiastas são eles mesmos figuras-chave para a construção da ideia de um cinema de autor. Godard se classifica como operário do filme, rompendo com a imagem de cineasta, diferenciando “movie maker de film worker”.(19) Este era o discurso de grande parte dos artistas daquele momento. Mergulhar no seio do oprimido em uma criação coletiva de arte, construindo através deste novo discurso um antipoder imagético que romperia com o poder estabelecido pelo império de sedução da imagem mitificadora dos grandes meios de comunicação. Uma união insolúvel entre ética e criação. Ideia e ação (direta) contra a idealização burguesa de uma arte inofensiva. Godard sintetiza o pensamento desta geração atribuindo a Lênin a frase: A ética é a estética do futuro. Esta geração de românticos sonha com uma arte não estandardizada, mas vivida no cotidiano. Pretende criar uma estética para a vida, para um novo mundo. Leva ao pé da letra a ideia de Brecht de que “o problema da forma é, em si, o problema da política”.
(Este é o 8o de uma série de 11 textos que integram o artigo 1968 - Cinema e revolução).
por Thiago Brandimarte Mendonça
17 in LÖWY, Michael. “O romantismo revolucionário dos movimentos de maio”. Margem esquerda – ensaios marxistas – No 11. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008.
18 Homenagem ao cineasta soviético Alexander Medvedkine, que, após a revolução russa, iniciou o “CineTrem” para percorrer o território soviético retratando a vida dos operários e camponeses, com quem elaborava conjuntamente cada filme.
19 in ALMEIDA, Jane de. Grupo Dziga Vertov. São Paulo, Witz Edições, 2005.
A imaginação no poder. Este slogan resume o espírito dos artistas de 68. Não havia uma crise econômica, mas, sim, uma sociedade em crise, fraturada pela incomunicabilidade entre duas gerações que se tornavam antagônicas. A geração dos “pais”, que viveram as esperanças do pós-guerra e, de um modo geral, acabaram por aceitar os valores do American way, ignorando as guerras e agressões colonialistas no Terceiro Mundo. A geração dos filhos, que buscam uma nova forma de ser e estar em um mundo no qual não se identificam. A transformação não é aquela dos velhos manuais comunistas, onde a mudança do sistema econômico levaria à mutação de todas as outras esferas da sociedade. A geração de 68 recupera a idéia de moralidade de esquerda que havia se esvaecido no pesadelo stalinista. A imaginação no poder significa a constituição de um antipoder artístico, a quebra da ideia de autor em favor de um cinema livre, radical, coletivo.
Segundo o sociólogo Michael Löwi, “um dos componentes centrais do espírito de 68 é o romantismo revolucionário, um protesto cultural contra os fundamentos da civilização industrial-capitalista moderna e uma associação, única em seu gênero, entre subjetividade, desejo e utopia.” Löwi caracteriza o romantismo como “uma revolta contra a sociedade capitalista moderna, em nome de valores sociais e culturais do passado, pré-modernos, e como um protesto contra o desencantamento do mundo, a dissolução individualista-competitiva das comunidades humanas, e o triunfo da mecanização, da mercantilização, da reificação e da quantificação. Dividido entre a nostalgia do passado e os sonhos do futuro, ele pode assumir formas regressivas e reacionárias, propondo um retorno a formas de vida pré-capitalistas, ou uma forma revolucionária utópica, que não prega um retorno, mas um desvio pelo passado em direção ao futuro: nesse caso, a nostalgia pelo paraíso perdido está contida na esperança de uma nova sociedade.” (17)
O anticapitalismo radical possibilitava a constituição de diversos coletivos de cineastas, entre os quais ficaram mais conhecidos o grupo Vertov, do qual fazia parte Jean Luc Godard, e o grupo Mendvekine, integrado por Chris Marker. O ensaio desta nova concepção de cinema foi realizado em 67, com o filme Longe do Vietnã, crítica radical à guerra, feita coletivamente por diversos diretores de maior ou menor envergadura, figurando entre os mais conhecidos Agnes Varda, Joris Ivens, William Klein, Claude Lelouch, Alain Resnais, Jean Luc Godard e Chris Marker.
O grupo Vertov constitui um momento de autocrítica Godardiana. O cineasta constata o efeito inócuo que tem seus filmes sobre a sociedade. Junta-se a jovens estudantes e, influenciado pela ideia maoísta de não diferenciação do trabalho intelectual e manual, cria o grupo Vertov. O grupo realiza uma série de filmes que evitam qualquer empatia com o público e forçam este à reflexão, instigados pela criativa autonomia entre imagem e som. Chris Marker organiza a formação do Grupo Medvedkine,(18) que realiza 14 documentários entre os anos de 67 e 74, acompanhando inclusive os conflitos de 68. Coletivo formado por operários e cineastas, discutia questões dos trabalhadores, visando o debate no próprio meio operário. Ao mesmo tempo surgem os Cinétracts, uma série de 41 documentários curtos de agitação política, realizados em 68 por cineastas consagrados e amadores. Na Bolívia, articula-se em torno de Jorge Sanjinés o grupo Ukamau, que realiza filmes junto aos povos indígenas, não só defendendo suas causas mas utilizando-se das suas concepções de tempo e espaço. É a partir da visão dos de baixo sobre o mundo que Sanjinés e seu grupo constroem suas tramas.
A ideia de um cinema coletivo pressupõe a negação do cinema de autor, em favor de um cinema de criação conjunta dentro de um processo político de reflexão. Paradoxalmente, alguns de seus maiores entusiastas são eles mesmos figuras-chave para a construção da ideia de um cinema de autor. Godard se classifica como operário do filme, rompendo com a imagem de cineasta, diferenciando “movie maker de film worker”.(19) Este era o discurso de grande parte dos artistas daquele momento. Mergulhar no seio do oprimido em uma criação coletiva de arte, construindo através deste novo discurso um antipoder imagético que romperia com o poder estabelecido pelo império de sedução da imagem mitificadora dos grandes meios de comunicação. Uma união insolúvel entre ética e criação. Ideia e ação (direta) contra a idealização burguesa de uma arte inofensiva. Godard sintetiza o pensamento desta geração atribuindo a Lênin a frase: A ética é a estética do futuro. Esta geração de românticos sonha com uma arte não estandardizada, mas vivida no cotidiano. Pretende criar uma estética para a vida, para um novo mundo. Leva ao pé da letra a ideia de Brecht de que “o problema da forma é, em si, o problema da política”.
(Este é o 8o de uma série de 11 textos que integram o artigo 1968 - Cinema e revolução).
por Thiago Brandimarte Mendonça
17 in LÖWY, Michael. “O romantismo revolucionário dos movimentos de maio”. Margem esquerda – ensaios marxistas – No 11. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008.
18 Homenagem ao cineasta soviético Alexander Medvedkine, que, após a revolução russa, iniciou o “CineTrem” para percorrer o território soviético retratando a vida dos operários e camponeses, com quem elaborava conjuntamente cada filme.
19 in ALMEIDA, Jane de. Grupo Dziga Vertov. São Paulo, Witz Edições, 2005.
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