março 28, 2011

No dia Nacional da Luta Antimanicomial, Belo Horizonte irá festejar os 50 anos de "A História da Loucura"

PICICA: Reproduzimos abaixo mensagem que circula entre os companheiros da luta antimanicomial de Belo Horizonte. Neste ano de 2011, em que se comemora 10 anos da Lei Antimanicomial, os mineiros irão celebrar, no dia 18 de Maio - Dia Nacional da Luta Antimanicomial -, os 50 anos de "A História da Loucura", do imortal Michel Foucault. Salve os mineiros. Salve a luta por uma sociedade sem manicômios!  
DEZOITO DE MAIO de 2011, EM BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS.
“HISTÓRIAS DA LOUCURA: MICHEL TAMBÉM CONTOU!”
 O Jardim das Delícias – BOSCH (1450-1510) 
Dimensões: 195X220 cm
Museu do Prado em Madri

Como nos anos anteriores, este é mais um daqueles momentos ímpares de preparação para o Dia Nacional da Luta Antimanicomial,  a manifestação cultural  que marca nossa política POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS. 

Com um formato inusitado de Escola de Samba, a Liberdade Ainda que Tam, Tam, por 14 anos consecutivos, sai às ruas do centro de Belo Horizonte para se manifestar  pela Reforma Psiquiátrica Antimanicomial.

Nesse ano de 2011, o Dezoito de Maio será a comemoração/celebração dos cinqüenta anos do livro  A História da Loucura  na Idade Clássica,  lançado  em 1961, na França,  texto no qual  localizamos  os subsídios teóricos para os princípios da  nossa  luta por delicadeza.

Seu autor é Paul-Michel Foucault, filósofo francês (1926-1984), um pensador insubmisso de nosso tempo, um historiador do presente, também conhecido como poeta do pensamento, um narrador teórico. 

 A beleza da linguagem e a lucidez de seu pensamento dialogam na busca de uma análise da loucura e do próprio homem ao longo da história.

O livro é uma arqueologia de como as pessoas tem pensado a loucura no decorrer do tempo: do final da Idade Média até a Modernidade. 

Para Foucault, a história não é linear, nem contínua, mas sim experiências. O autor analisa as interpretações feitas ao longo da história e que resultaram no que hoje se conhece.   Sua descrição do quadro histórico da loucura em cada período, permite compreender a formação social, política, econômica e filosófica da loucura,  demonstrando  que esta sempre foi objeto de exclusão.

Como o louco era percebido e como isso mudou a partir da Idade Média e a evolução dessa percepção. Como a loucura produz seus discursos, como eles se formam e o modo como cada época vai mudá-los. Qual é a gênese do internamento e da exclusão?

No final da Idade Média, a loucura era vista como o castigo ou uma forma de redenção. A figura do louco era a de objeto poético. Na literatura e na poesia vigorava a visão trágica da loucura, a mesma percepção/condição do homem no mundo. 

Na linguagem escrita, a descrição de uma embarcação que vagava rio abaixo por diferentes cidades, traz a imagem literária da Nau dos Insensatos no período renascentista. Mais que uma metáfora, essa foi uma realidade vivida num tempo em que ainda era possível o diálogo com a loucura.

Em algumas construções pictóricas da época percebe-se a loucura em toda sua vivacidade antes de ser capturada pelo conhecimento. 

A partir do final do século XV na Europa, o fim do campesinato como classe, o advento da manufatura e o conseqüente declínio dos ofícios artesanais, trouxe aos trabalhadores do campo e artesãos enormes dificuldades. As cidades se enchiam de desocupados, mendigos e vagabundos, quando se experimentava também a falta de mão de obra.

A repressão à mendicância, à vagabundagem e à ociosidade levou ao internamento sumário em casas de correção ou similares, por ordem do rei ou do juiz. Esta era uma prática corriqueira para os desviantes sociais: os desempregados, doentes venéreos, blasfemos, prostitutas, devassos, ociosos, baderneiros e...os loucos.

É esse o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no contexto dos problemas da cidade.

Ao mostrar o espaço de confinamento na geometria imaginária de sua moral, a Idade Clássica encontra uma prática e um lugar para a redenção dos pecados da carne e faltas cometidas contra a razão, o confinamento.

Na Idade Clássica (1650 a 1800), houve a desmistificação da loucura, ela adquire o significado social e moral: punição e controle. É o momento em que a loucura vai ser excluída da ordem da Razão. 

Foi através desse gesto que algo dentro do homem foi posto fora de si e empurrado  sobre a borda do  nosso horizonte. 

A Idade Clássica inventou o confinamento na forma como a Idade Média havia inventado a segregação dos leprosos.

A percepção social do internamento é a solução dos problemas econômicos e sociais, produzindo a segregação  que produziu os alienados- aqueles que não tem capacidade de decidir nada na sociedade. 
O internamento dos alienados é a estrutura mais visível na experiência clássica da loucura. 

Na Modernidade (séculos XIX- XX), a loucura passa a ser objeto de análise e começa a entrar para a esfera da medicina e da ciência como objeto de estudo e pesquisa. É o nascimento do hospital psiquiátrico. 
Os significados mudaram, mas as práticas continuaram as mesmas: internamento e exclusão. Mesmo com as diferentes representações da loucura nesses diferentes períodos, uma instância não muda, que são as práticas relacionadas à loucura.

 Michel nos convida a refletir sobre a história e nos provoca a um mergulho nos arquivos empoeirados da dor e pela ousadia de seu pensamento, permite-nos a  coragem para abrirmos tais gavetas  e inventar a partir das mesmas  novos modos  de viver   a  loucura e convida-nos  a buscar  formas e tons poéticos ainda inexplorados.

No processo de elaboração do tema para a manifestação político-cultural  de 2011, nos arriscamos ao enveredar por  esse caminho , tão instigante   quanto  difícil,   sem o tempo e a erudição suficientes para um mergulho mais profundo na obra cinqüentenária  de Foucault. 

Coletivizamos então vivências, percepções e pensamentos. Quem sabia mais compartilhou o conhecimento, quem sabia pouco pesquisou mais e quem nada conhecia desta história, hoje sabe um tanto bom. E desse modo, em terreno propício à reflexão, foi possível chegar às formulações /construções do tema eixo  desse ano:

“HISTÓRIAS DA LOUCURA: MICHEL TAMBÉM CONTOU!”

Esse exercício coletivo de pensamento possibilitou também nos reconhecermos continuadores da narrativa de Foucault na construção viva de novos capítulos da história da loucura.

Os sub-temas a seguir compõem e organizam a seqüencia do enredo que se enriquece com a  frase de Geraldo Francisco, primeiro presidente da ASUSSAM : “Admitir que a loucura existe vira uma realidade”.

Esse é o momento da história que expressamos, é o sonho que insistimos em construir (Século XI em diante).

O ROTEIRO DIVIDIDO EM CAPÍTULOS; SEGUE A HISTÓRIA...

·         A primeira parte se refere à loucura antes de sua reclusão. No período de 1501 a 1600, nada de prisão ou hospital para os loucos. Ele vivia solto, expulso das cidades às vezes, vagava pelos campos ou eram entregues a comerciantes e marinheiros. 

São dessa época as embarcações denominadas Nau dos Insensatos que  levavam o loucos de uma cidade a outra na Europa, por onde corriam os rios. Qual seria a razão desse costume, não sabemos, mas pode-se depreender  que  os  loucos eram livres e cativos de uma mesma condição,  ao serem  entregues ao rio de mil braços e ao mar de mil caminhos. Colocado no interior do exterior, seguram-nos no  lugar da passagem.

A frase que nomeia esta ala é” ENTREI DE GAIATO NO NAVIO”

·         A segunda parte discorrerá sobre  a experiência da loucura, tão bem retratada na obra  “O Jardim das Delícias” de Bosch.  

A experiência da loucura (os delírios e alucinações) esteve presente em todos os Dezoito de Maio. Para o coletivo que constrói esta manifestação, a expressão dessa vivência  é  quesito fundamental para a superação de  mitos. 

Perceber tantas imagens que nunca foram poesia e tantas fantasias que nunca tinham atingido as cores do dia.

A segunda ala tem o nome de: “NO JARDIM DAS DELÍCIAS, O LOUCO É REI!”

·         A  terceira parte  da manifestação, representará  o momento da “captura”, ou seja, o grande enclausuramento empreendido  na Europa:  o agrupamento  dos proscritos, dos miseráveis,  bêbados,  mágicos,  hereges, os doentes venéreos, os vagabundos , alquimistas e os loucos.  Todos os excomungados sociais colocados num único espaço. Um grupo heterogêneo que acabou se transformando em um mundo homogêneo.

Esse ato representou o modo de perceber e tratar a miséria adotada pela idade clássica ( 1650 a 1800).  

Esse é o tempo histórico em que alteram-se os modos de produção com o advento do capitalismo. “Coincidências” à parte, são os inadaptados e improdutivos que vão habitar as casas de correção e os ditos hospitais gerais (nomeação dos  espaços de confinamento, mas que nada  têm a ver com o que chamamos hoje de hospital ).

O nome da terceira ala é “HOSPITAL TOTAL, PEGA UM, PEGA GERAL.”

·         A quarta parte da história é sobre o nascimento da psiquiatria. Será o encobrimento da loucura como saber que expressa a experiência trágica do homem no mundo, impossibilitando a troca entre um saber e outro. Inaugura-se o monólogo da razão sobre a loucura.
 
Uma nova concepção da loucura como doença mental passa a vigorar quando Fellipe Pinel e outros médicos da época, por ordem do rei da França, visitam todos os estabelecimentos (hospitais  gerais e casas de correção), separando os loucos das demais pessoas enclausuradas, libertando as segundas e destinando as primeiras aos asilos. Por estarem fora do campo da razão, já haviam perdido a sua liberdade. Foram então isoladas para serem observadas, estudadas e “tratadas”.

 “E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.” (F. Nietzsche).

O nome desta  ala é “A RAZÃO ARRASOU, O HOSPÍCIO CHEGOU!”

·         Na 5ª parte desta história o sol se abre para que aconteçam as saídas inventivas  para a convivência, para um outro lugar social para a loucura. 

Inventividade e sensibilidade estarão presentes na narrativa estética e poética  sobre os novos serviços; o novo modelo de tratamento, o cuidado em liberdade e o resgate da loucura enquanto experiência humana.
Temos sim o que festejar e o que sustentar! 

Mil vivas ás conquistas de um novo tempo para a diferença. 

Parabéns e muita vida aos aniversários da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico nos diferentes lugares de Minas: Itaúna, Brumadinho, João Monlevade, Belo Horizonte, Betim, Igarapé, Ibirité, Sabará, (...) e tantos outros e tantos de nós.

“TERRA À VISTA!” é   o nome da ala das crianças e adolescentes que apontará  as  cenas dos próximos capítulos, o futuro que insistimos ser melhor! 

“As coisas murmuram já um sentido que a nossa linguagem apenas tem de erguer.”(Foucault).

·         Michel Foucault, conhecido como o historiador das proibições e do poder repressivo, em suas três grandes obras trabalha a loucura, a punição e a sexualidade e mostra como esses saberes se constituíram histórico-culturalmente. O filósofo opera uma desconstrução da história e da ordem  dos saberes e  aponta  como vivemos numa sociedade que produz discursos tidos como verdades. 

Segundo sua percepção, os discursos da Razão emergiram no meio dos dispositivos que agregam as ciências, as instituições, comportamentos e regras produzindo a idéia de normalidade.

Foucault nos diz que a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência e que é possível modificar uma dominação sob determinadas condições e conforme estratégia adequada.

Para fechar o desfile com esta história que não tem  fim, até chegarmos á realidade de uma sociedade sem manicômios. 

A ala dos movimentos sociais tratará dos outros dois temas abordados por Foucault: A Sexualidade e Vigiar e Punir.

Parafraseando o verso inaugural de Chiquinha Gonzaga que marca o nascimento do  samba no Brasil , nomeamos  a última  ala:

Ô ABRE ALAS QUE EU QUERO PASSAR, EU SOU DA LUTA NÃO POSSO CALAR

E na embolada da desembolada, outro ritmo pode ser, pois pensar também é batucar! (Rogério Carvalho).

Saudações foucaultianas e antimanicomiais!!

***


Temos um encontro marcado para a próxima 4ª  feira, dia 23/03, na Casa dos Jornalistas às 18:30 quando acontecerá a próxima reunião para organização do Dezoitão.

Esse material em anexo(texto) servirá de referência para a composição do samba de enredo e também para as discussões que ajudarão os  serviços na escolha de   qual parte da história  vão  desenvolver na Avenida.

São seis sub-temas que correspondem ás alas. Cada serviço, organização, escola, grupo ou coletivo, deverá escolher  2 sub-temas ou alas para que seja  possível a “negociação”,  caso haja concentração em determinados sub-temas, capítulos ou alas.

Um exemplo: se quase todo mundo escolher a 5ª ala, será necessário uma reorganização para uma melhor distribuição das pessoas no desfile. No carnaval é isso se chama harmonia. Daí a importância de cada coletivo ter mais de uma escolha.

Os serviços que conseguirem fazer a apresentação do Dezoito de Maio, abordando e refletindo sobre o tema e conseqüentemente sobre  as alas junto com usuários , trabalhadores e  familiares ou  (toda a gente do lugar!), deverão  escolher 2 opções,e   na próxima reunião(4ª 23/03),apresentam  o resultado de sua  escolha.

Aqueles que não conseguirem fazê-lo até 4ª, podem levar a resposta na semana que vem, ok?

O CONCURSO DO SAMBA,
Será  no dia 16 de abril. O local a ser confirmado.
O prazo para as inscrições e  entrega da música é até o dia 7/04. Quem conseguir entregar o material antes dessa data, melhor ainda!!
Os critérios para o concurso serão divulgados na próxima semana, e  enquanto isso já podem  escrever  os versos e cantar as palavras.

O Dezoito  de Maio é também  uma celebração da(re) existência.

Saudações foucaultianas e antimanicomiais!!
 

Nenhum comentário: