PICICA: "[...] o ARTIGO 19, requer que o Ministério Público Federal, em
respeito às garantias internacionais e constitucionais de liberdade de
expressão e acesso à informação, de privacidade, de inviolabilidade das
comunicações e dos dados pessoais, se abstenha de realizar a apreensão
do servidor do Grupo Saravá e ainda se abstenha de criminalizar a Rádio
Muda e seus participantes."
Carta de repúdio ao Ministério Público Federal pela perseguição à Rádio Muda
A
Associação ARTIGO 19 Brasil, Organização Não Governamental que defende e
promove a liberdade de expressão e o acesso à informação, vem
demonstrar o seu repúdio à atuação recente do Ministério Público Federal
em face da Rádio Muda e do Grupo Saravá.
Em
fevereiro deste ano, a Rádio Muda rádio livre que atua há três décadas
na Universidade Estadual de Campinas, e que é um símbolo da luta pelas
rádios livres, rádios comunitárias e pela democratização das
comunicações – teve seus equipamentos apreendidos pela quarta vez em sua
história.
Tal
apreensão, que levou ao fechamento temporário da rádio, se insere no
contexto de perseguição e criminalização das rádios livres e
comunitárias, tolhendo gravemente a liberdade de expressão e o acesso à
informação, direitos humanos garantidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e
na Convenção Americana de Direitos Humanos, todos ratificados pelo
Brasil. São ainda, direitos fundamentais garantidos pela Constituição
Federal em seu artigo 5º incisos IV, XVII e XVIII.
Organismos
internacionais também já manifestaram que a liberdade de expressão é um
direito humano e não deve ser criminalizada. No Brasil, a
criminalização desse direito é evidenciada pela ação do Estado contra
estas rádios, que inclui burocracia excessiva com relação aos trâmites
administrativos; fiscalização desproporcional e discriminatória, em
comparação com os meios comerciais, por parte da Anatel e da Polícia
Federal; legislação restritiva ao funcionamento das rádios e aplicação
de artigos penais contra os radiodifusores comunitários. A postura do
Estado é preocupante e extremamente prejudicial à liberdade de expressão
e acesso à informação uma vez que, se por um lado, é conivente com o
histórico de concentração dos meios de comunicação, por outro, não
garante condições para que os meios não comerciais possam
existir. Devido a essa conjuntura, a Rádio Muda permaneceu fechada
durante um período e corre contra ela um processo
em segredo de justiça. Em virtude deste processo, o Ministério Público
Federal requisitou a apreensão do servidor do Grupo Saravá, grupo de
estudos que há dez anos oferece infraestrutura tecnológica, reflexão
política e sistemas de comunicação autônomos e seguros de forma gratuita
a grupos de pesquisa e movimentos sociais.
O
servidor do Grupo Saravá hospeda o site da Rádio Muda e a requisição do
MPF foi realizada a fim de obter os dados disponíveis no site que
possam identificar seus participantes.
Trata-se
de uma gravíssima afronta ao direito à privacidade, direito humano
consagrado internacionalmente pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos (artigo 12), pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (artigo 17) e pela Convenção Interamericana de Direitos
Humanos (artigo 11), todos ratificados pelo Brasil, conforme mencionado.
O
direito à privacidade é ainda um direito fundamental assegurado
constitucionalmente pelo art. 5º, X (inviolabilidade da intimidade e da
vida privada) e pelo art. 5º, XII (sigilo das comunicações e de dados).
A
apreensão do servidor do Grupo Saravá afronta o direito à privacidade,
pois o servidor não contém somente informações sobre a Rádio Muda, mas
também dados de logs de usuários, dados pessoais, documentos e
informações de diversos projetos de pesquisa e de extensão, relacionados
além da Unicamp a outras universidades públicas brasileiras.
O
Brasil não possui uma legislação específica sobre privacidade e dados
pessoais, o que deixa um vácuo jurídico que pode ser muito prejudicial
para este direito, uma vez que não há parâmetros para definir os limites
da invasão da privacidade e vigilantismo, sobretudo na internet.
O
Relator Especial para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da
ONU, Frank La Rue, afirmou que a legislação deve garantir que qualquer
vigilância nas comunicações deve: (i) ser prescrita por lei, (ii) ser
necessária para atingir fim legítimo e (iii) ser proporcional, não
devendo ser utilizada quando outros métodos e técnicas menos invasivas
estiverem disponíveis e não tiverem sido exauridas.[1]
Ainda
que o Brasil careça de uma legislação sobre dados pessoais, tais
princípios, advindos dos padrões internacionais e constitucionais, devem
ser respeitados para assegurar os direitos fundamentais à privacidade e
à inviolabilidade das comunicações e de dados pessoais.
No
caso em questão, fica evidente que apreender o servidor do Grupo
Saravá, que hospeda dados de diversas pessoas, inclusive pessoas que não
possuem ligação alguma com a Rádio Muda, é medida absolutamente
desproporcional para atingir o fim ao qual se pretende, além de
flagrantemente inconstitucional.
Não
apenas a invasão da privacidade daqueles que nem sequer possuem relação
com a Rádio Muda é alarmante, como também o próprio objetivo de tal
investigação, que é a criminalização. Os dispositivos penais utilizados
pelo Ministério Público Federal para denunciar as rádios – em sua
maioria aquelas de pequeno alcance e que atendem ao interesse público –
que funcionam sem outorga, são incompatíveis com a Constituição Federal e
os tratados mencionados.
Neste
sentido, o ARTIGO 19, requer que o Ministério Público Federal, em
respeito às garantias internacionais e constitucionais de liberdade de
expressão e acesso à informação, de privacidade, de inviolabilidade das
comunicações e dos dados pessoais, se abstenha de realizar a apreensão
do servidor do Grupo Saravá e ainda se abstenha de criminalizar a Rádio
Muda e seus participantes.
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