PICICA: "Da Banalidade do Mal até a Maldade Banal: a política brasileira chega, via aerotrem, ao fundo do poço."
Eleilções 2014: Levy e a Maldade Banal da Política Brasileira
Angelus Novus_ Paul Klee |
Levy Fidelix, o eterno candidato nanico do aerotrem,
foi o destaque do debate entre presidenciáveis de ontem. Por si só, tal
fato já seria grave. No entanto, a maneira como isso aconteceu tornou
tudo mais acintoso: ao ser perguntado pela candidata do PSOL, Luciana
Genro, sobre direitos para a comunidade LGBTT, ele teve em um surto de homofobia
no qual equiparou homossexuais a pedófilos, atacou o casamento gay e
falou que "nós" -- as pessoas de bem? -- deveriam ir pra cima "dessa
minoria" -- isso tudo num país no qual os crimes de ódio contra
homossexuais, travestis e transsexuais motivados simplesmente por sua
orientação sexual, vestimenta ou identidade de gênero ocorrem, cada vez
mais, aos montes.
Pior ainda,
Luciana não respondeu à altura, tampouco os outros candidatos se
importaram em usar de seu tempo para repreendê-lo. Passou batido -- mas
não pelas redes sociais, nas quais a hashtag #LevyVoceENojento é, nesta manhã de segunda-feira, o assunto mais abordado no Brasil pelo Twitter, nem pela imprensa internacional, como o Guardian da Inglaterra não nos deixa mentir.
Enfim, no
penúltimo debate antes da votação do primeiro turno, a pior eleição
presidencial da (breve) história (quase) democrática brasileira
encontrou seu momento emblemático. Não, não poderia ser pior, mas
dificilmente seria mais ilustrativo. Não que as coisas tenham ficado
ruins agora, ao contrário. 1989, por exemplo, foi nossa primeira e
melhor eleição, dali em diante a situação só piorou. Mas essa piora
talvez tenha a ver com a maneira como aquele eleição terminou.
Cheia de
gigantes da política brasileira -- e muitos campeões da luta por
liberdade e justiça social --, aquele pleito foi vencido pelo pior, mais
despreparado só que mais bem financiado candidato, Fernando Collor. A
história todos conhecem: dali em poucos anos, Collor foi destronado,
mas o mal que ele representa jamais foi revertido. As reformas
privatistas continuaram, aceleradas com mais competência por FHC e
depois mitigadas com Lula e Dilma; as eleições, dali em diante, se
tornaram caríssimos espetáculos de propaganda, norteados por debates
superficiais e recuados.
FHC e Lula,
embora tenham sido eleitos já nesse esquema, superavam em parte o
processo pelo peso político de ambos. No pós-Lula, a crise ficou mais
patente. A maneira como o debate não tem consistência, não é apresentado
claramente e se mantém envergonhado nas entrelinhas é um espectro que
envolve todos os principais candidatos. Os pretendentes folclóricos,
hoje, se bandearam para jogar com frases vazias de extrema-direita. Os
pequenos candidatos de esquerda, derrapam.
A distância
registrada nos últimos anos entre o sistema político e as demandas é
imenso. As convulsões de 2013 já deixaram isso bastante claro. Depois,
se dizia: que protestem nas urnas. Mas como? As eleições, este breve
momento -- o entretempo entre os mandos, onde o poder real é
anomicamente mitigado --, se esvaem normalizados, esvaziados diante da
irracionalidade fascista. Só havia uma saída: xingar Levy, dizer-lhe um
simples "cala boca, idiota" (sim, Lucas, você tem razão). Nada
aconteceu, contudo.
É fato que
alguma reação vá acontecer agora, para além da indignação da rede. E é
bom que ocorra. Mas do que isso se trata é outra coisa: essa
perplexidade letárgica que, nesse caso, se manifestou na normalização da
homofobia como "opinião" -- ainda que "folclórica" --, o que se estende
para uma série de outras condutas. Sim, foi um "instante" que passou e
deixou, pelo menos uma parte de nós, de queixo caído. Mas um instante, e
nada mais, é o necessário para matar uma pessoa ou o mundo todo.
É a partir
dessa naturalização (lenta, gradual...) do absurdo que se instaura o
pior dos mundos. Devagar ocorre, mas quando elas vêm, chegam rápido como
um aerotrem. É preciso, como Benjamin, aprender com o anjo da História:
talvez de um jeito menos depressivo, mas sem deixar de ser trágico.
Fonte: O Descurvo
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