setembro 13, 2014

"Conta da orgia: para o contribuinte", por Lúcio Flávio Pinto

PICICA: "Cada uma das 5.570 câmaras de vereadores do Brasil custa à nação 2,7 milhões de reais por ano. Como o chamado legislativo mirim possui em conjunto 58 mil integrantes, o tesouro repassa R$ 260 mil anuais para a conta de cada vereador. É uma conta do tamanho de 15 bilhões de reais."
EM TEMPO: No Amazonas, o ex-Secretário de Produção Rural Eron Bezerra, atual candidato pelo PC do B à Câmara Federal, propôs em 2010 a criação de 28 novos municípios. Reagiu as críticas com um sonoro "Bando de Antas... não discuto com antas". Eu pensaria duas vezes em levá-lo para o parlamento federal. Na época, este blog manifestou sua crítica; leia aqui.

Economia

Conta da orgia: para o contribuinte

Ontem, a presidente Dilma Roussef vetou integralmente projeto com regras que permitiam a criação de novos municípios no Brasil. A decisão da presidente surpreendeu seus próprios aliados e revoltou a maioria do parlamento. Eles esperavam que o texto, aprovado no início do mês pelo Congresso Nacional, fosse sancionado. Afinal, longas negociações modificaram a versão original para adequá-la às exigências do governo federal.

Parecia que as arestas tinham sido aparadas e que logo o Brasil passaria a ter nova configuração territorial. O próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado à presidência da república, admitira que aos atuais 5.570 municípios brasileiros podiam ser agregados outros 363, sendo provavelmente 21 no Pará.

Mas prevaleceu na rejeição o cálculo econômico, não em abstrato, mas no contexto da disputa eleitoral. Sancionar o projeto aprovado pelo legislativo contentaria grande parte do congresso e seria mais um reforço à coesão da conturbada base aliada. Mas também daria armas aos críticos do governo federal, acusado de ter violado a Lei de Responsabilidade Fiscal e gastado não só mais do que devia, como do que podia. O déficit já é grande e deverá continuar a crescer. As contas públicas, além de sua perda de credibilidade, estão em desequilíbrio.

Cada uma das 5.570 câmaras de vereadores do Brasil custa à nação 2,7 milhões de reais por ano. Como o chamado legislativo mirim possui em conjunto 58 mil integrantes, o tesouro repassa R$ 260 mil anuais para a conta de cada vereador. É uma conta do tamanho de 15 bilhões de reais.

É preciso considerá-la com seriedade. Provavelmente o Senado virou a página sem a ler ao se dispor a criar os 363 novos municípios brasileiros indicados pelo Ipea, acrescentando mais um bilhão de reais ao custo do legislativo. Depois de muito puxa-encolhe, o arranjo ficou em 200 unidades e a despesa em R$ 600 milhões.

Já seria o suficiente para brecar a iniciativa, mas, muito pelo contrário, as regras para a criação de mais municípios foi alterada – em regime de urgência e em plena temporada de caça aos votos pelos senadores – para a consolidação dessa mordida considerável no orçamento nacional. Mordida que só pode ser bem dimensionada ao se atentar para o fato de que o poder público não é responsável apenas pela manutenção das câmaras de vereadores. Sobre seus costados recai o poder executivo, o judiciário e vários outros itens mais, que acabarão resultar em sangria desatada. Sangria no bolso do contribuinte.

Não surpreende que um número crescente de pessoas se candidate a cargos públicos. Melhor emprego não há no mercado. A grande maioria desses cargos é exercida para usufruto pessoal do ocupante. Daí a esmagadora maioria dos ordenadores de despesas públicas estar indiciada em processos administrativos e judiciais por malversação de recursos, enriquecimento ilícito, nepotismo, desvio de finalidade e tantas outras tipificações penais e cíveis.

Qual o efeito prático dos inquéritos e processos? Mínimo. Mais gente ruim é eleita ou nomeada para funções que exigiriam decência, honestidade, seriedade e competência. A máquina pública se tornou um monstro incontrolável, uma vasta organização criminosa, replicada desde a União e o Estado até o município. Com um retorno mínimo em benefício de quem suporta essa onerosa estrutura.

Deve-se pregar contra a democracia, que a proporciona? Sabemos muito bem que não. Mas a situação chegou a um nível explosivo de descontentamento, indignação e revolta. A malversação na carreira (em seu sentido formal e popular) pública adquiriu tal cinismo que os oportunistas não se deixam intimidar pelos riscos e mesmo as punições. A justiça facilita-lhes as coisas com seu funcionamento a passo de cágado e as esquinas e desvios nas normas legais, aproveitados por advogados espertos ou malandros.

Os irmãos Cravinho escandalizaram o país ao executar com requintes de violência um casal, apanhado dormindo em sua casa, em São Paulo, a mando da filha deles, que queria antecipar o acesso à fortuna da família e partilhá-la com seus companheiros de selvageria. A filha foi também liberada agora, mas preferiu permanecer onde estava para contar mais tempo para a soltura definitiva e fazer poupança na cadeia, com o auxílio recebido.

Os assassinos foram liberados pela progressão no cumprimento da pena. A selvageria e o maior de todos os crimes não deviam obrigar os criminosos ao cumprimento integral da pena em prisão fechada, independentemente de como se comportem na penitenciária?

Crime financeiro não envolve sangue nem exibe essa aparência de barbárie. No entanto, causa prejuízo muito maior. Priva milhares ou até milhões de pessoas de saúde, alimentação, remédios e muito mais em função da apropriação ilícita de verbas públicas. Logo, o combate a esses desvios tinha que ser muito mais rigoroso e eficaz. Até que isso ocorra, espera-se que o maior lesado por essas quadrilhas, o povo, consiga votar melhor.

Mesmo que consigam um desvio da lei, os fichas sujas notórios por sua biografia ou seu prontuário devem ser impedidos de colocar as mãos sobre as arcas do tesouro. É um bom começo de higienização da vida pública no Brasil.

Só resta saber se, passada a eleição e Dilma Rousseff consiga se reeleger, a atitude de ontem será revista e o executivo se acerte com o legislativo, deixando a nova conta para o contribuinte pagar. O pato de sempre, é claro.

Fonte: Lúcio Flávio Pinto

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