PICICA: "O trabalho de jornalistas e pesquisadores sociais tem aplicações e
objetivos distintos. O tempo-ação de cada profissional também é
diferente. Mas as técnicas que ambos usam para levantar e interpretar
dados, em algum momento, parecem se misturar. Então, outras perguntas
pairam no ar: as técnicas jornalísticas (entrevistas, análises de
discursos e conteúdos, anotações, idas a campo, registros de todo tipo
etc.) não teriam traços daquilo que a academia se apropria e chama de
método científico? Essas técnicas, no conjunto ou combinadamente, não
poderiam ser categorizadas como método jornalístico e empregadas em uma
pesquisa tida como científica?"
FRONTEIRAS DO CONHECIMENTO
O método jornalístico e a pesquisa acadêmica
Por Jeferson Bertolini em 02/09/2014 na edição 814
O jornalismo, sabe bem quem já fez mais de meia dúzia de pautas por aí,
é uma profissão altamente estressante: a jornada de trabalho costuma
ser longa, os salários quase sempre são baixos, pega-se plantões nos
horários e datas mais ingratas, convive-se com a guilhotina dos
fechamentos, do erro e das ameaças.
No Brasil, a rotina dura tira do mercado profissionais antes de eles completarem cinco anos de trabalho, como mostrou pesquisa de 2012 da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e parece afugentar novos candidatos – no caso da UFSC, uma das mais procuradas do país, o curso de Jornalismo era o segundo mais disputado em 2004 e ficou fora dos 10 mais concorridos em 2014.
Entretanto, o jornalismo parece exercer uma espécie de influência e ou fascínio em parte do ambiente acadêmico, sobretudo no campo das pesquisas em ciências humanas e sociais, que no Brasil foram alavancadas na década de 1970, com o surgimento dos cursos de pós-graduação – atualmente, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação, o país tem 5.082 cursos de pós-graduação e forma 47 mil mestres e 14 mil doutores por ano.
Entre os pesquisadores dessas áreas são comuns expressões do tipo “farei entrevistas”, “irei a campo”, “registrei tudo que vi” e “ainda não decupei o material”. No papel, algumas delas ganham definições mais elegantes, como entrevistas estruturadas ou semiestruturadas, observação participante, etnografia etc. Todas, porém, sinalizam ter algum grau de semelhança com as técnicas usadas no jornalismo. Uma pergunta que paira no ar é: quem veio antes?
O primeiro repórter do mundo
Considerando todos os tipos de ciência, costuma-se admitir que o método científico ganhou força a partir do século 16, com o trabalho de Francis Bacon (1561-1626), um dos primeiros de seu tempo a pregar o experimento científico, e de René Descartes (1596-1650), que se notabilizou por seu projeto de expansão do conhecimento para a compreensão do mundo – antes deles a chamada Revolução Científica contou com estudiosos como William Harvey, Robert Boyle, Galileu Galilei e Isaac Newton.
Considerando só as ciências sociais e humanas, o marco é mais recente. Em geral, pesquisadores dessas áreas consideram o trabalho de Émile Durkheim (1858-1917) como um marco – Durkheim dizia que era preciso considerar os fatos sociais, como os suicídios, como se fossem objetos e analisá-los sob esse prisma.
O jornalismo, no formato que conhecemos hoje, tem origem no século 17, com o surgimento dos primeiros jornais, na Europa. Mas, admitindo-o como atividade que usa uma combinação de técnicas para apuração e divulgação da informação, pode-se chegar à Grécia Antiga, com Heródoto, considerado por muitos estudiosos o primeiro repórter do mundo – Heródotopercorria a Grécia (Europa) e a Pérsia (Ásia) por volta de 450 a.C. atrás de histórias para contar aos outros; fazia perguntas, anotações e registrava tudo o que via e ouvia em um rolo de papel porque temia que “os feitos e os costumes de sua época se perdessem no tempo”, como escrevera em História.
Brincando de ser jornalista
O trabalho de jornalistas e pesquisadores sociais tem aplicações e objetivos distintos. O tempo-ação de cada profissional também é diferente. Mas as técnicas que ambos usam para levantar e interpretar dados, em algum momento, parecem se misturar. Então, outras perguntas pairam no ar: as técnicas jornalísticas (entrevistas, análises de discursos e conteúdos, anotações, idas a campo, registros de todo tipo etc.) não teriam traços daquilo que a academia se apropria e chama de método científico? Essas técnicas, no conjunto ou combinadamente, não poderiam ser categorizadas como método jornalístico e empregadas em uma pesquisa tida como científica?
Ora, se esse instrumental jornalístico dá conta de descobrir, apurar, sistematizar, relacionar, problematizar, estruturar e clarear casos complexos e obscuros de um dia para o outro, certamente poderia ser apreciado em um estudo cujo fechamento costuma levar quatro anos.
Vale lembrar que as entrevistas, para citar uma ferramenta básica no jornalismo, só começaram a ser usada por cientistas sociais em 1930. As análises de conteúdo e discurso, que também soam familiares para o jornalismo, apareceram para a academia em 1915. Os grupos focais de estudo são da mesma época. A etnografia tem raiz no século 19, mas na universidade brasileira só começou a ser usada nos anos 1970.
Nesse contexto, novas perguntas pairam no ar: os estudiosos que criam teses a partir de entrevistas, análises de discurso, análise de conteúdo, observações de campo, anotações em diário de pesquisa e afins estariam sendo cientistas? Não poderiam estar, em alguns momentos, em determinados casos, sabidamente ou inconscientemente, “brincando” de ser jornalistas?
>> Link da pesquisa de 2012 da UFSC sobre o jornalista brasileiro
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No Brasil, a rotina dura tira do mercado profissionais antes de eles completarem cinco anos de trabalho, como mostrou pesquisa de 2012 da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e parece afugentar novos candidatos – no caso da UFSC, uma das mais procuradas do país, o curso de Jornalismo era o segundo mais disputado em 2004 e ficou fora dos 10 mais concorridos em 2014.
Entretanto, o jornalismo parece exercer uma espécie de influência e ou fascínio em parte do ambiente acadêmico, sobretudo no campo das pesquisas em ciências humanas e sociais, que no Brasil foram alavancadas na década de 1970, com o surgimento dos cursos de pós-graduação – atualmente, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação, o país tem 5.082 cursos de pós-graduação e forma 47 mil mestres e 14 mil doutores por ano.
Entre os pesquisadores dessas áreas são comuns expressões do tipo “farei entrevistas”, “irei a campo”, “registrei tudo que vi” e “ainda não decupei o material”. No papel, algumas delas ganham definições mais elegantes, como entrevistas estruturadas ou semiestruturadas, observação participante, etnografia etc. Todas, porém, sinalizam ter algum grau de semelhança com as técnicas usadas no jornalismo. Uma pergunta que paira no ar é: quem veio antes?
O primeiro repórter do mundo
Considerando todos os tipos de ciência, costuma-se admitir que o método científico ganhou força a partir do século 16, com o trabalho de Francis Bacon (1561-1626), um dos primeiros de seu tempo a pregar o experimento científico, e de René Descartes (1596-1650), que se notabilizou por seu projeto de expansão do conhecimento para a compreensão do mundo – antes deles a chamada Revolução Científica contou com estudiosos como William Harvey, Robert Boyle, Galileu Galilei e Isaac Newton.
Considerando só as ciências sociais e humanas, o marco é mais recente. Em geral, pesquisadores dessas áreas consideram o trabalho de Émile Durkheim (1858-1917) como um marco – Durkheim dizia que era preciso considerar os fatos sociais, como os suicídios, como se fossem objetos e analisá-los sob esse prisma.
O jornalismo, no formato que conhecemos hoje, tem origem no século 17, com o surgimento dos primeiros jornais, na Europa. Mas, admitindo-o como atividade que usa uma combinação de técnicas para apuração e divulgação da informação, pode-se chegar à Grécia Antiga, com Heródoto, considerado por muitos estudiosos o primeiro repórter do mundo – Heródotopercorria a Grécia (Europa) e a Pérsia (Ásia) por volta de 450 a.C. atrás de histórias para contar aos outros; fazia perguntas, anotações e registrava tudo o que via e ouvia em um rolo de papel porque temia que “os feitos e os costumes de sua época se perdessem no tempo”, como escrevera em História.
Brincando de ser jornalista
O trabalho de jornalistas e pesquisadores sociais tem aplicações e objetivos distintos. O tempo-ação de cada profissional também é diferente. Mas as técnicas que ambos usam para levantar e interpretar dados, em algum momento, parecem se misturar. Então, outras perguntas pairam no ar: as técnicas jornalísticas (entrevistas, análises de discursos e conteúdos, anotações, idas a campo, registros de todo tipo etc.) não teriam traços daquilo que a academia se apropria e chama de método científico? Essas técnicas, no conjunto ou combinadamente, não poderiam ser categorizadas como método jornalístico e empregadas em uma pesquisa tida como científica?
Ora, se esse instrumental jornalístico dá conta de descobrir, apurar, sistematizar, relacionar, problematizar, estruturar e clarear casos complexos e obscuros de um dia para o outro, certamente poderia ser apreciado em um estudo cujo fechamento costuma levar quatro anos.
Vale lembrar que as entrevistas, para citar uma ferramenta básica no jornalismo, só começaram a ser usada por cientistas sociais em 1930. As análises de conteúdo e discurso, que também soam familiares para o jornalismo, apareceram para a academia em 1915. Os grupos focais de estudo são da mesma época. A etnografia tem raiz no século 19, mas na universidade brasileira só começou a ser usada nos anos 1970.
Nesse contexto, novas perguntas pairam no ar: os estudiosos que criam teses a partir de entrevistas, análises de discurso, análise de conteúdo, observações de campo, anotações em diário de pesquisa e afins estariam sendo cientistas? Não poderiam estar, em alguns momentos, em determinados casos, sabidamente ou inconscientemente, “brincando” de ser jornalistas?
>> Link da pesquisa de 2012 da UFSC sobre o jornalista brasileiro
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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas
Fonte: Observatório da Imprensa
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