PICICA: "Mobilização de centenas de milhares, em dezenas de cidades,
revela que tema pode popularizar-se. Mas como superar dificuldade de
obter vitórias concretas?"
Mudança climática: e após a grande marcha?
Mobilização de centenas de milhares, em dezenas de cidades, revela que tema pode popularizar-se. Mas como superar dificuldade de obter vitórias concretas?
Por George Marshall, no The Guardian | Tradução: Cauê Ameni e Inês Castilho
Ao se encontrarem esta semana na ONU, em Nova York, os líderes mundiais vão enfrentar intensa pressão para agir. A descoberta de que a Coreia do Norte vem, secretamente, despejando na atmosfera gases venenosos, numa tentativa de destruir a produção agrícola dos Estados Unidos, detonou uma crise internacional.
Isso não é verdadeiro, claro. Há, de fato, uma reunião de cúpula iniciada terça-feira (23/9), promovida pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon para debater a perigosa desestabilização climática. É uma ruptura que pode mesmo levar ao colapso muitas das principais regiões agrícolas do mundo. Mas, já que se trata somente do velho e maçante aquecimento global, assunto que parcelas do público parecem achar menos interessante que ver tinta secar na parede, os políticos não se preocupam muito com a necessidade de prestar contas…
Então, por que acreditar que o cenário norte-coreano levaria a uma rápida mobilização política, enquanto a grande ameaça que realmente enfrentamos irá gerar apenas promessas vazias? Por que o primeiro acelera nosso pulso, e o último leva apenas à indiferença generalizada? Isso levanta uma questão mais ampla sobre nossa própria psicologia: por que razão a maioria das pessoas entende que as mudanças climáticas são uma grande ameaça e, no entanto, quando chamadas a apontar o maior perigo para a civilização, parecem incapazes de trazer isso à mente?
A primeira razão é que nosso senso inato de competição social tornou-nos muito alertas a qualquer ameaça trazida por inimigos externos. Em experiências, crianças de não mais que três anos podem notar a diferença entre um acidente e um ataque deliberado. As mudanças climáticas confundem o centro desta fórmula moral: são um crime perfeito e indetectável, para o qual todos contribuem mas ninguém tem uma motivação.
Não há um “outro” a quem culpar. Estamos apenas vivendo nossas vidas: levando as crianças à escola, desfrutando do conforto do ar condicionado, colocando comida na mesa. Quando enxergamos o aquecimento global como ameaça, esses atos banais tornam-se intencionalmente perigosos. Por isso, recusamo-nos a tomar consciência, ou reagimos com raiva e ressentimento.
Pior: diversos fatores ligados às mudanças climáticas dissuadem o engajamento de nossos cérebros. São necessários sacrifícios pessoais imediatos, para evitar danos coletivos vistos como incertos e localizados num futuro distante. O psicólogo cognitivo Daniel Kahneman, vencedor do Nobel por seus estudos sobre o quão irracionalmente respondemos a tais questões, suspirou profundamente quando lhe pedi para avaliar nossas chances: “Desculpe”, disse ele, “estou profundamente pessimista. Não consigo ver um caminho para o sucesso.”
Eu concordaria com ele se as mudanças climáticas fossem de fato incertas, demandassem custos impossíveis e estivessem previstas para um futuro remoto. Elas podem facilmente parecer assim, se esta for a intenção de nossa narrativa. Contudo, muitos economistas, tais como Nicholas Stern e Hank Paulson, ex-secretário do Tesouro dos EUA, veem o assunto de outro modo. Da mesma forma que os 310 mil manifestantes que lotaram trinta quarteirões de Manhattan, neste domingo, e outras dezenas de milhares, em muitas cidades do mundo. Para estes, as mudanças climáticas são reais, estão acontecendo agora e podem ser combatidas. O verdadeiro obstáculo – simbolizado nas manifestações de Nova York por uma memorável boia representando um polvo de 15 metros de comprimento – é a indústria de petróleo e gás e seus tentáculos de influência política.
E aqui reside o desafio real. As mudanças climáticas podem ser qualquer coisa que se queira. Podem acontecer aqui ou ali, no presente ou no futuro, certo e incerto. Parece que as vemos como uma ameaça – e somos, portanto, capazes de aproveitar essa reação inata ao inimigo externo – apenas se elas forem construídas nos moldes de nossas histórias familiares, com seus heróis e vilões.
Por isso, meus colegas que advogam por ação imediata criaram esta narrativa de inimigo, com personagens dramáticas do nosso passado de lutas – políticos corruptos, executivos malignos, banqueiros gordos, jornalistas preguiçosos, advogados escorregadios e um público apático. Enquanto isso, contudo, nossos adversários estão espelhando nossas ações. Quando me encontrei, numa noite barulhenta, com membros do Tea Party no Texas, eles disseram, em linguagem previsivelmente vulgar, que os verdadeiros inimigos são os ambientalistas de esquerda; e que inventamos essa fraude para estender o controle dos governos sobre as sociedades. Como a maioria dos conservadores, eles não conseguiram enxergar que as próprias mudanças climáticas representam uma ameaça aos seus valores, liberdades e propriedade.
Esta tendência de confundir os fatos das mudanças climáticas com narrativas construídas por eles próprios é igualmente comum entre os políticos. Posso prever com segurança que os governantes reunidos em Nova York irão enfatizar a necessidade urgente de controlar os gases de efeito estufa, mas permanecerão mudos sobre o US$ 1 trilhão gasto, anualmente, para que novas reservas de combustíveis fósseis passem a ser exploradas. Em 25 anos de negociações, jamais foi discutida uma medida sequer para controlar a produção de combustíveis fósseis. Isso não tem espaço na narrativa oficial.
O público em geral também tem lacunas e pontos cegos. A maioria das pessoas nunca discutiu as mudanças climáticas fora do seu círculo familiar imediato. Um terço não se lembra sequer de ter discutido isso alguma vez na vida. E, contra-intutivamente, traumas relacionados ao clima parecem tornar as pessoas ainda mais reticentes. Falando com as vítimas do furação Sandy e com os texanos vítimas da seca e incêndios florestais de 2011, não encontrei ninguém que recordasse ter tido uma conversa recente sobre mudanças climáticas com um vizinho. Comunidades abaladas pelas mudanças climáticas, ao que parece, encontram força na esperança de recuperação e suprimem ativamente qualquer discussão desanimadora sobre causas subjacentes ou ameaças futuras.
Por isso, se quisermos realmente produzir mobilizações relacionadas às mudanças climáticas, é fundamental reconhecermos que há, além dos fatos científicos, os fatos sociais. Estes, que incluem as narrativas construídas e o silêncio deliberado, são muito mais potentes. E criam – reforçados por nossa necessidade inata de estar em conformidade com a norma em nosso grupo social – as bases sobre as quais aceitamos, negamos ou ignoramos o problema.
Vista por esse ângulo, a situação está longe de ser desesperadora. Como os ciclos que regem os sistemas globais de energia e carbono, as atitudes do público estão sujeitas aos efeitos positivos das respostas que podem amplificar pequenas mudanças e resultar em rápidas guinadas. Grandes protestos com visibilidade e aumento da cobertura midiática podem romper o silêncio sobre as mudanças climáticas e criar um engajamento mais amplo. Acima de tudo, porém, é preciso reconhecer que a narrativa que escolhermos irá moldar os acontecimentos a partir de agora. Podemos continuar retornando à nossa necessidade de ter um inimigo. Mas a melhor história seria a de um propósito comum, construída em torno de nossa humanidade compartilhada.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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